Missão dada é missão a ser cumprida. É assim que José Ricardo Lemos Rezek encara o desafio deixado pelo pai, de quem herdou o nome, ao transmitir a ele, recentemente, o comando da divisão agrícola do Grupo RZK, um conglomerado com negócios que vão do setor de incorporação imobiliário às concessões públicas, mas com fortes raízes no campo.
Rezek filho já liderava os demais segmentos desde 2023, mas o patriarca fez questão de manter sob seu controle, até poucos meses atrás, o negócio de fazendas, com um arrojado plano de expansão que vinha seguindo desde 2022, quando completou 70 anos.
“Nós sentamos e montamos uma estratégia de crescimento”, contou o Rezek pai ao AgFeed, em uma rara entrevista concedida em agosto de 2024, já aos 72 anos.
“A minha e a do grupo. A do grupo ficou sob a responsabilidade dele (apontando para o filho). Eu fui bem rápido e falei assim: ‘A minha você me deixa tocar do jeito que eu quero. E era o crescimento, dobrar a quantidade de terra em seis anos’”.
O prazo para esse objetivo fazer o Grupo RZK somar 164 mil hectares em propriedades rurais vai até 2028 – eram 82 mil há três anos, 128 mil no ano passado.
Na transição, o pai (que continua tivo como conselheiro) entregou ao filho, hoje com 37 anos, boa parte do caminho percorrido. E José Ricardo filho garante que vai atingir a meta proposta, talvez até mesmo antes da data estabelecida. “O plano continua o mesmo”, garante o jovem, em nova conversa com o AgFeed.
Entre uma e outra entrevista, 12 mil hectares foram adicionados ao portfolio de fazendas da família. Hoje, elas somam 140 mil hectares.
A estratégia do grupo, entretanto, não é apenas de adicionar terras. Ao mesmo tempo em que somam hectares, os Rezek fazem contas indicando que o momento é de rever a posição em alguns ativos, com a migração para fronteiras com maior potencial de valorização.
“Tenho convencido o senhor Rezek a fazer uma reciclagem dos ativos”, diz ele, tratando o pai com a reverência corporativa que o fundador merece.
A lógica, aqui, é abrir mão de terras em áreas mais consolidadas, que já atingiram a “maturidade do investimento”, por outras em regiões menos desenvolvidas, que requerem investimento, mas podem oferecer retornos mais polpudos em longo prazo.
Pai e filho concordam aqui também que o rumo a tomar é o do Norte. “O Pará será o pilar desse crescimento”, afirma Zé Ricardo.
Parte dessas compras será financiada com recursos do desinvestimento em propriedades em Goiás ou no Mato Grosso. De forma simplificada, ele estima que hoje “é possível trocar entre 5 mil a 6 mil hectares no Goiás por 30 mil no Pará”.
E se entusiasma. “E lá (no Pará) é uma terra de condição de solo maravilhosa, logística muito boa, prêmio de soja muito bom. O Pará vai se transformar, tem tudo para isso e a gente quer se transformar com ele”.
Hoje, as propriedades do grupo estão concentradas em sete fazendas – nem todas são de áreas contíguas, mas que reúnem, em um mesmo núcleo, várias áreas adquiridas numa mesma região.
Do total das áreas do grupo, 50% estão no Mato Grosso, 40% no Pará e 10% em Goiás. Mas essa relação deve mudar rapidamente.
“A ideia é ir reduzindo Goiás e Mato Grosso e ampliando a área mais ao Norte”, aponta Rezek.
Ele explica: “O passo certo é vender alguns ativos que já estão em um preço considerável para grandes produtores rurais da região, que vão ganhar escala comprando essas fazendas”.
“Para eles, é um deal de sinergia e para nós, uma forma de crescer o nosso land bank, trocando um hectare mais caro por um hectare ainda não produtivo, que vai precisar de um investimento, para só depois a gente entrar com lavoura”, completa o raciocínio.
O DNA dos Rezek mistura o agro com o mercado imobiliário e isso fica claro na estratégia agro do grupo. Zé Ricardo enxerga oportunidades crescentes de negócios no mercado de terras, com os produtores pressionados pelas margens mais baixas nas operações agrícolas.
Mas o que guiou seu pai – e ele segue a mesma rota – é ideia de aplicar no campo a mesma lógica usada nos empreendimentos imobiliários urbanos: ao invés de investir em regiões supervalorizadas, ser o primeiro a apostar em um local que, em alguns anos, passará a ser enxergado pelos demais.
“É a história do senhor Rezek, o que ele gosta de fazer é transformar cenários”, diz o filho. “A gente não é produtor rural na essência. Somos mais um developer. A gente vai, transforma a região, faz estrada...”
No Pará, ele conta, o ambiente tem sido propício para isso. A família tem buscado concentrar suas aquisições na região de São Felix do Xingu, no Sul do estado. São, segundo ele, cerca de R$ 500 milhões investidos no estado nos últimos anos, somando aquisições e investimentos nas propriedades.
Ali, como o “senhor Rezek” já fazia, Zé Ricardo e seu time têm mantido relacionamento proativo com os vizinhos, seja na formação de “consórcios” para dividir os custos para instalação de infraestrutura na região – “lá isso está acontecendo de forma muito natural, estamos fazendo em um ano e meio o que no Mato grosso demorou cinco, seis anos” –, seja para prospectar possíveis áreas a serem compradas.
O pai se dizia “comprador de vizinhos”. O filho, diz que vai “continuar comprando vizinhos de nossas fazendas”. Os 12 mil hectares recentemente incorporados ao portfólio do grupo seguem essa “regra” familiar. E Zé Ricardo deixa escapar que já tem outra propriedade na mira por ali.
Ao mesmo tempo em que proporciona oportunidades de negócios com terras, as margens apertadas dos produtores trazem preocupações setoriais ao empresário, que, embora divida suas atenções com os demais segmentos, diz que o agro “é o negócio que corre na nossa veia”.
O duplo sentido do crédito
Em certo momento da entrevista, ele faz questão de deixar os temas do grupo de lado e deixar uma mensagem. “O produtor não pode perder o crédito”, afirma.
Aqui, a palavra crédito tem duplo sentido, o financeiro e o moral. Zé Ricardo mostra-se apreensivo com as dificuldades enfrentadas por um grande número de agricultores e pecuaristas, mas sobretudo com o uso indiscriminado de instrumentos como as recuperações judiciais.
Para ele, muitos têm buscado esse recurso – que admite ser “um mecanismo sério” – sem compreender os verdadeiros impactos dessa medida extrema ao futuro do seu negócio e do próprio setor, que acaba vendo sua credibilidade afetada.
“Essa indústria das recuperações judiciais gera um discurso muito ruim”, ele diz. “Mesmo aqui tem sempre alguém me procurando, oferecendo coisas de grupos em recuperação judicial, mas, mesmo que seja uma boa oportunidade, não quero participar disso”.
“No agro, o atalho nunca foi o melhor caminho”, diz ele. “Acho que, sempre que a gente deparar com algum produtor e enxergar uma saída, tem de ter o dever setorial ‘não vá!’. Quem não precisar usar esse remédio está prejudicando as próximas gerações dela”.
O empresário reflete uma preocupação coletiva, mas também a visão de um grupo que, sem suas diferentes frentes, sente o impacto das RJs.
No segmento agrícola, os efeitos foram quase nulos, já que o Grupo RZK tem o tal crédito de sentido duplo junto ao mercado. “Nesse momento de stress de crédito, banqueiro vê para quem vai emprestar”, afirma Zé Ricardo.
“Aquele que trabalha sério, mesmo ganhando menos, não tem tido dificuldade de crédito”, completa. “O que mudou é que o crédito está mais caro e mais alongado, mas devagar”.
No agro, o grupo tem trabalhado com instrumentos tradicionais, como as CPRs, no seu relacionamento com os bancos. E, especialmente no Pará, tem buscado linhas incentivadas junto ao Banco da Amazônia (“um grande parceiro”) para acesso a um capital mais barato para os investimentos necessários na sua estratégia de crescimento na região.
Já em outros segmentos, como o de revendas de máquinas agrícolas, o grupo acabou tendo alguns dos seus créditos listados por credores em processos de RJs.
“Fomos atingidos, mas conseguimos não ser tanto quanto outros”, diz Rezek. Segundo ele, a estratégia adotada pelo grupo foi a conversa e o convencimento, mostrando que a inclusão na RJ fecharia as portas aos clientes na compra de peças de reposição para suas máquinas.
“Consegui convencer uns cinco clientes a não ir à RJ”, ele diz. “Disse a eles: ‘Se precisar vou no banco com você, mas não vá por esse caminho’”.
Aposta nas máquinas
Os percalços dos últimos meses, com a queda nas vendas de máquinas se somando às dificuldades financeiras dos clientes, não tiraram o apetite da família Rezek nesse semento.
O grupo está entre os eleitos pela John Deere para liderar o processo de consolidação das redes de concessionárias e tem ampliado sua participação no setor através de aquisições e aberturas de novas concessionárias.
No último ano a rede do grupo saltou de 10 para 13 lojas, mas o planejamento do grupo é voltar a acelerar em 2026. “Devemos fazer uma nova aquisição em breve, estamos entusiasmados”, antecipa. “No ano que vem, queremos crescer 80% nesse negócio, juntando com o segmento de máquinas para construção civil”.
A linha amarela tem sido a ponta de lança na arrancada também do negócio de máquinas rumo ao Norte, sempre com a John Deere como parceira.
“Já entramos na linha de construção no Pará, Amapá, Tocantins e Maranhão”, ele diz. “Queremos crescer com linha verde também em áreas com sinergia”.
Rezek enxerga grande potencial de crescimento também para a RZK Rental, empresa criada há apenas três anos pelo grupo para atuar no mercado de locação de máquinas, explorando uma tendência de os produtores investirem menos na imobilização de seu capital em equipamentos.
Hoje com sete lojas, a Rental dobrou de tamanho no último ano e deve fechar 2025 com um total de 510 máquinas, somando mais de R$ 700 milhões em equipamento próprio.
Para Zé Ricardo, “o custo de capital pega muito pesado para o produtor, que priorizado o Capex no core de suas operações”. Assim, se antes era comum ter uma participação de 90% de equipamentos próprios nas fazendas, o uso de máquinas locadas tem subido, em muitos casos, para além de 30%.
“Já ouço alguns falando em 60-40”, afirma ele. A mudana geracional nos grupos agrícolas tem, na sua visão, acelerado esse processo. “A geração mais nova está olhando mais para a última linha do balanço”.
Ainda no campo, outro segmento em expansão no Grupo RZK é o de tecnologia. A família mantém, desde 2020, a Sol by RZK, criada para vender serviços de concetividade às propriedades rurais, mas cada vez mais focada em integrar soluções que utilizam a conexão para incrementar as operações agrícolas.
Para Zé Ricardo Rezek, esse mercado ainda é mais desafiador, pela necessidade de processar e encontrar o uso mais adequado a uma enorme quantidade de dados gerados no campo.
“Esse segmento é como uma rodovia. Primeiro saímos da lama para o cascalho, depois para o asfalto”, compara. A complexidade é grande. Cada torre instalada, por exemplo, precisa ser licenciada e registrada como se fosse uma nova empresa. “Imagina fazer isso mais de 400 vezes, em diferentes municípios, com diferentes exigências em cada um”, diz.
Rezek entende, porém, que o caminho aberto ali é sem volta e representa uma estrada para o futuro do grupo, que já conectou mais de 17 milhões de hectares, segundo ele, e está se transformando em um ecossistema para abrigar também soluções desenvolvidas por terceiros, inclusive os próprios produtores que atende.
“A Sol by RZK vai ser o caminho para muitas empresas novas. Uma parte nós vamos criar, outra parte será resultado da provocação que estamos levando ao campo”, diz. “Nós mudamos regiões, não tenho dúvida”.
Foi o que aprendeu com seu pai e o que espera continuar fazendo. Com uma receita prevista para R$ 3,3 bilhões este ano, o Grupo RZK deve fechar o exercício com um crescimento próximo de 10%, incluindo-se aí as diversas áreas de atuação da família.
Mas Zé Ricardo revela que o orçamento já projetado para 2026 indica um salto importante, que deve levar o conglomerado para além dos R$ 4 bilhões, “até R$ 4,5 bilhões”, segundo diz.
Os investimentos previstos devem superar R$ 1 bilhão, sendo R$ 300 milhões no agro – incluindo compromissos de aquisições de fazendas e concessionárias – e outros R$ 770 milhões no segmento imobiliário, sobretudo em São Paulo e Brasília, além da entrada hotelaria, associado a uma marca de luxo.
Assim como o “senhor Rezek”, o jovem Rezek segue em frente com cautela, mas sem deixar de acelerar diante de um cenário menos favorável, de retração no campo e juros em alta.
Questionado se isso não o desetimula, ele cita uma frase que ouviu de um produtor cliente que, segundo ele, diz muito sobre a resiliência do agro brasileiro. “O que isso interfere? Eu vou plantar no ano que vem, vou colher no ano que vem. E no outro ano vou continuar plantando e colhendo”.
Resumo
- Grupo RZK, da família Rezek, acelera expansão no Pará, reciclando ativos e buscando novas terras para dobrar portfólio até 2028
- Estratégia combina venda de áreas maduras em GO e MT com compras no Norte, além de forte avanço nos negócios de máquinas, rental e tecnologia
- Com investimento de mais de R$ 1 bilhão previsto para 2026, conglomerado projeta receita acima de R$ 4 bilhões no ano que vem