Em 1929, no auge da crise da Bolsa de Nova York e da derrocada do café, a Nestlé foi desafiada pelo governo brasileiro a inventar uma solução que pudesse escoar toneladas de toneladas do grão. Um excedente que chegou a ser queimado na tentativa desesperada de elevar os preços da commodity.
Nove anos depois, já com a crise global superada, a companhia lançava o Nescafé, um produto instantâneo capaz de ser consumido apenas com a mistura de água e sem a necessidade de coar. Um produto que é consumido em mais de 160 países, segundo a multinacional.
A invenção do café solúvel é um dos primeiros exemplos de como a gigante de alimentos, mais conhecida pelos seus produtos lácteos, utiliza tecnologia para ampliar o consumo da commodity.
Quase um século depois, em tempos de informação mais instantânea do que preparar uma xícara de Nescafé, a companhia busca ampliar a demanda do café a partir do monitoramento desse consumo quase em tempo real. Para isso, vai destinar parte dos R$ 2,5 bilhões de investimentos previstos no setor no País para Nestlé Professional, braço que cuida das máquinas de café e outros produtos para o consumo fora do lar.
“Grande parte desse investimento não vai só para aumentar essa oferta de máquina, mas também para trazer mais interatividade, o que eles chamam de telemetria, que é medir exatamente qual tipo de xícara está sendo vendida, em qual região, em qual horário”, resumiu Bárbara Velo, head de ESG da Nescafé, em entrevista ao AgFeed.
“Conseguiremos aprender muito com esses dados ‘out of home’, que ainda é algo novo. A medição fora do lar para indústria é algo que a gente ainda precisa evoluir bastante, então esse investimento também vem nessa linha”, completou a executiva.
Sem revelar dados sobre demanda de café da companhia, Bárbara avalia que “grande parte do consumo” de Nescafé é fora de casa e tem uma tendência de crescimento. Outra tendência fruto da mudança de hábitos é o consumo da bebida gelada e por jovens..
“Jovem gosta muito de café gelado e quando a gente faz esse recorte, o jovem não só gosta de café gelado, como também de um café ‘branco’, aquele misturado com leite. Então é uma jornada que tem uma ocasião de consumo completamente diferente e é interessante para a marca”, explicou a executiva.
Para atender essa demanda crescente é necessária mais produção. Dos R$ 2,5 bilhões previstos para serem investidos em café no Brasil, R$ 2 bilhões serão para a modernização da unidade de Araras (SP). Do total, R$ 1 bilhão já foi anunciado para ampliar em 10% a capacidade produtiva da unidade que, além do mercado interno, exporta para 65 países.
Outros R$ 450 milhões vão para a fábrica de Dulce Gosto, em Montes Claros (MG). A unidade do município mineiro terá aproximadamente 40% da capacidade produtiva ampliada com o aporte destinado para linhas de envase e armazenamento.
“É uma categoria, você falando de futuro, falando de mercado, bem importante para a Nestlé, que é a de porcionados, de cápsulas”, explicou Bárbara. Serão mais de 1 mil empregos diretos e indiretos gerados na fábrica mineira.
Na ponta da oferta, a empresa mantém o projeto Nescafé Plan, considerado o maior programa de sustentabilidade da cafeicultura nacional e presente no País há 14 anos. Nos últimos três anos, o número de fazendas participantes e parceiras da companhia triplicou, para 3,8 mil, e a equipe de agrônomos saiu de 21 para 35 profissionais.
A iniciativa está em 16 países, tem mais de 200 mil cafeicultores parceiros e, no Brasil, envolve produtores que cultivam café das variedades arábica e conilon nos estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo.
O projeto integra um investimento global 1 bilhão de francos suíços - cerca de R$ 6,7 bilhões - previsto até 2030 em agricultura regenerativa de lavouras de café
Maior produtor e exportador mundial, o Brasil lidera também a estratégia global do Nescafé Plan. Segundo Rodolfo Clímaco, gerente de agricultura para cafés da Nestlé, o avanço em práticas regenerativas coloca o País como referência, ao ampliar produtividade com redução da pegada de carbono e conservação dos recursos naturais.
Atualmente, as propriedades participantes do programa adotam ao menos uma prática de agricultura regenerativa e 76% já estão classificadas como avançadas ou experts na escala de maturidade que avalia solo, água e biodiversidade.
As fazendas participantes do Nescafé Plan alcançam, em média, 60% mais produtividade que outras propriedades brasileiras. Outro ponto de destaque é que 97% das fazendas adotam técnicas de uso eficiente da água.
Entre as metas, a Nestlé espera adquirir 100% de café de origem responsável até este ano de 2025, ampliar para 50% a aquisição de matérias-primas de fazendas regenerativas até 2030, além de reduzir em 50% a pegada de carbono até 2030 e chegar à neutralidade em 2050.
Dentro do programa, a Nestlé constatou que o mesmo jovem que trouxe novos hábitos de consumo de café também tem mudado o tradicional modelo produtivo nas lavouras. No começo de 2025, lançou a campanha Nescafé Fazedores, na qual colocou quatro jovens produtores nas embalagens dos produtos.
A head de ESG da Nescafé conta que os personagens da campanha tinham uma vida e profissões urbanas e decidiram voltar para as lavouras e assumir os negócios dos pais. “Vou trazer o exemplo da Kaézia. Ela se formou em Economia, trabalhava num banco e na pandemia avaliou que era a hora de voltar para o negócio tocado pelo pai”.
A Kaézia em questão é Kaézia Bianchini, filha de Cássio Bianchini e irmão de Kiki Bianchini. Pai e filhas são sócios na propriedade de café conilon no Espírito Santo.
Cássio é produtor de mudas e, depois de assumir a gestão, Kaézia multiplicou o viveiro para 1 milhão de mudas. Além disso, as filhas implementaram um modelo de gestão tecnológico na fazenda, com análises das finanças e da lavoura em planilhas e a melhoria dos processos da propriedade.
“Esse jovem, quando ele volta pro campo, traz pautas muito relevantes, como a cafeicultura regenerativa. Ele é muito mais adepto a projetos de cafés especiais e trabalha uma qualidade e uma nova maneira de produzir que muitas vezes os pais, os avós, não estão tão confortáveis em mudar”, disse Bárbara.
“Um jovem que representa não só uma futura geração da cafeicultura, que gera essa conexão com o consumidor, mas também a transformação que é o que a gente visa com o Nescafé Plan”, concluiu.
Resumo
- Nestlé destina parte dos R$ 2,5 bi em investimento no Brasil ao Nescafé Professional, com telemetria do consumo para entender hábitos e expandir público jovem
- Investimentos ampliam produção em Araras (SP) e Montes Claros (MG), gerando mais de mil empregos e fortalecendo o mercado de cápsulas
- Nescafé Plan triplica fazendas parceiras e promove cafeicultura regenerativa, com foco em jovens produtores e menor pegada de carbono