A recente retomada do diálogo entre Brasil e Estados Unidos em torno do café, um dos produtos mais emblemáticos das duas nações, representa muito mais do que uma negociação comercial. Ela traduz a força da diplomacia econômica e o papel estratégico que o agronegócio brasileiro ocupa no cenário global.

Após a imposição das tarifas adicionais norte-americanas de 40%, que elevaram para 50% o custo sobre o café brasileiro, o setor sentiu os impactos imediatos: retração de mais de 46% nas exportações para os Estados Unidos em agosto e de 52,8% em setembro.

Contratos foram cancelados — em operações conhecidas como wash out — e/ou adiados, margens foram comprimidas e os Estados Unidos caíram para o terceiro lugar no ranking dos países importadores do café brasileiro.

Entretanto, esse cenário adverso também revelou a capacidade de reação e articulação do setor privado. O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), ao lado de entidades parceiras e do governo brasileiro, tem atuado de forma contínua junto às autoridades norte-americanas, apresentando dados técnicos, argumentos econômicos e soluções estratégicas que reforçam a interdependência entre os dois países.

O café é um símbolo cultural nos Estados Unidos, 76% dos americanos o consomem diariamente, três xícaras por pessoa, em média. É mais do que um hábito, uma parte da identidade nacional.

Quando o preço do café sobe, o impacto se espalha da indústria às cafeterias, do consumidor às grandes marcas. Esse movimento de pressão pública e corporativa tem sido determinante para reabrir o diálogo sobre a retirada das tarifas.

Do ponto de vista econômico, a dependência é clara: os Estados Unidos são o maior importador de café do mundo, e o Brasil é o principal fornecedor, com cerca de 30% do volume total consumido.

Em um contexto de estoques globais historicamente baixos, não interessa a nenhum dos lados manter barreiras que distorcem preços e restringem o fluxo comercial.

O Brasil é o líder mundial na produção de café arábica e o segundo maior produtor de cafés canéforas (robusta e conilon).

Enquanto países como Vietnã, Colômbia e Etiópia competem em segmentos específicos, o café brasileiro se destaca pela consistência, qualidade e volume. Dos 8,1 milhões de sacas exportadas aos EUA, 80% são de cafés arábicas verdes, insumo essencial para as grandes torrefadoras norte-americanas.

Nesse contexto, as negociações sobre isenções tarifárias e acordos bilaterais são vitais. O reconhecimento do café brasileiro como produto essencial para a economia norte-americana, previsto em anexos da ordem executiva de 5 de setembro, abre espaço para uma reversão das tarifas e para o fortalecimento de um comércio mais equilibrado.

O processo de retomada das negociações bilaterais também reflete o amadurecimento do diálogo entre o setor privado e o Estado brasileiro. A participação do Cecafé em reuniões internacionais, em investigações comerciais e na promoção da imagem do café brasileiro tem contribuído para abrir portas, esclarecer dados e garantir que a narrativa do país seja ouvida nos centros decisórios.

Como temos defendido, não existe vácuo de representatividade: se o Brasil não estiver à mesa das negociações, estará fora das grandes decisões. Por isso, é essencial manter presença ativa e técnica em todas as instâncias, das mesas ministeriais aos fóruns empresariais e ambientais.

Mesmo diante de tarifas elevadas, o Brasil tem condições de transformar um impasse em oportunidade. A possível ampliação das isenções para produtos industrializados, antes restritas ao café verde, pode abrir novas frentes de competitividade.

Além disso, o país segue diversificando destinos: o bloco europeu representa 45% das exportações, e os mercados asiáticos e árabes despontam como novas fronteiras comerciais.

O agronegócio do café brasileiro sempre foi movido por resiliência e visão de longo prazo. As tarifas são um obstáculo passageiro. O que permanece é o compromisso com a prosperidade social, a sustentabilidade ambiental e a produtividade crescente, pilares que sustentam a liderança mundial do café brasileiro.

Marcos Matos é CEO do Cecafé e mentor no Agro CEO, do Instituto Pecege.