A partir do pregão desta terça-feira, 23 de setembro, uma nova empresa estreia na B3. Na prática, os investidores verão apenas um novo ticker, o MBRF3, que dará sequência às ações da própria Marfrig.

O movimento, contudo, encerra um processo iniciado em maio e inicia a trajetória de uma nova gigante do setor de proteína animal, com receitas somadas de R$ 151 bilhões.

Apesar de já anunciado há alguns dias, tanto Marfrig quanto BRF publicaram um fato relevante na CVM na noite desta segunda confirmando o processo e seus ritos.

De acordo com o documento, esta segunda, 22 de setembro, foi o último dia de negociação das ações de emissão da BRF na Bolsa brasileira. A partir de então, os acionistas da BRF que continuam investidores, agora da nova empresa, receberão o equivalente a 0,8521 ação da Marfrig para cada papel que possuíam da dona da Sadia e Perdigão.

A MBRF também confirmou a emissão de 602,79 milhões de novos papéis, que serão entregues aos até então acionistas da BRF.

Nesta segunda, a ação da BRF fechou cotada a R$ 17,95, e a da Marfrig, em R$ 21,12, baixas de 5,38% e 4,61%, respectivamente.

Ou seja, a relação de troca deixa as posições equivalentes, já que a conta que multiplica 0,8521 pelo valor do papel da BRF dá como resultado o valor exato do fechamento da Marfrig.

Essa relação de troca, inclusive, foi um ponto de muita sensibilidade desde maio, no anúncio da fusão.

Quando a fusão foi anunciada no dia 15 de maio, as ações da BRF custavam R$ 20,62 e as da Marfrig R$ 20,66, trazendo uma relação desfavorável para os acionistas naquele momento.

Para os acionistas que optaram por não continuar investindo na nova empresa, a alternativa foi o pagamento de R$ 19,89 por papel da BRF, que no fim das contas, também foi favorável em termos financeiros absolutos.

De lá para cá, contudo, a ação se desvalorizou e se “enquadrou” dentro da relação de troca. Nas semanas seguintes ao anúncio, poucos acionistas minoritários, como o investidor Alex Fontana e o fundo Latache, recorreram à CVM e conseguiram, por duas vezes, adiar a assembleia de acionistas que selaria a fusão, cuja primeira convocação havia sido marcada para o dia 14 de junho.

No início de julho foi a vez da Previ, histórica acionista da BRF, pedir um adiamento, que foi acatado pela CVM.

No dia 11 de julho, a CVM determinou o adiamento da assembleia por outros 21 dias, pedindo que as empresas apresentassem informações sobre essa relação de troca.

Nos documentos disponibilizados pelas empresas, haviam trechos com tarjas pretas que impedem a visualização de informações relevantes, especialmente nas apresentações incluídas no anexo preparado pelo Citi ao comitê da BRF e pelo JP Morgan ao comitê da Marfrig, justamente nos pontos que tratam da relação de troca entre as companhias.

Na metade daquele mesmo mês, contudo, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil vendeu todas suas ações da BRF, em uma operação que movimentou R$ 1,9 bilhão, arrefecendo o entrave acionário.

Dali em diante a disputa trocou de ringue e foi para Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Num primeiro momento, o órgão antitruste aprovou sem restrições a fusão.

Num segundo momento, contudo, aceitou que a Minerva, frigorifico concorrente, se tornasse um "terceiro interessado" no processo. Ainda era final de junho quando a Minerva entrou oficialmente com um recurso pedindo que a fusão fosse "reavaliada".

Com isso, somou-se contra o processo de fusão, além da demanda dos minoritários por mais clareza na relação de troca, a discussão em torno de aspectos concorrenciais.

O argumento básico da Minerva é que a decisão do Cade de autorizar a fusão não levava em consideração a concorrência em alguns mercados específicos em que as empresas atuam.

Juntamente ao recurso apresentado, a Minerva anexou um parecer econômico elaborado pela LCA Consultores com base nessas preocupações.

O argumento principal se baseava em uma possível concentração de share em algumas categorias, como por exemplo no mercado de hambúrgueres e também nas vendas para o setor de food service.

Além disso, fora do universo do mercado consumidor, há a argumentação de que BRF e Marfrig são compradoras de carne bovina da própria Minerva. Com a união, a empresa se preocupa com o poder de barganha frente a fornecedores, incluindo a própria.

Por fim, ainda havia uma questão acionária contestada pela Minerva. Isso porque o Salic, fundo soberano da Arábia Saudita, passará a ter uma participação relevante tanto na Marfrig quanto na Minerva, da qual já é acionista desde 2015.

Na empresa dos Vilela de Queiroz, o fundo possui 24,5% do capital. E investe nas empresas de Marcos Molina por meio de uma participação de 11% na BRF. Com a fusão, o mercado projeta que a porcentagem na nova empresa seja pouco diluída, ficando próxima dos 10%.

Entre agosto e o início de setembro, duas boas notícias para Molina. A BRF conseguiu formar maioria entre os minoritários para a aprovação e o Cade voltou a aprovar a fusão em uma votação de seu colegiado.

O presidente do órgão, Gustavo Freitas, que foi quem aceitou os pedidos da Minerva, reajustou seu voto justificando que o fundo Salic trocou sua participação acionária por derivativos.

Na prática, o fundo saudita não está mais autorizado a exercer qualquer direito político, em qualquer grau, na empresa resultante da operação.

A operação foi feita junto ao banco Citi, que hoje é, oficialmente, o dono dos papéis. A transação foi justificada por oferecer ganhos tributários ao fundo.

Em um relatório enviado ao mercado no dia 9 de setembro, o Santander pontuou que a nova empresa, MBRF, deve encerrar 2025 com um prejuízo de R$ 2,3 bilhões, além de um aumento na dívida para R$ 42,8 bilhões.

A justificativa é a própria operação e a alavancagem necessária para incorporar os papéis em uma nova companhia.

Com isso, o Santander manteve a recomendação neutra para os papéis da MBRF, com preço-alvo de R$ 20 por ação ao final de 2025.

O relatório destacou como riscos uma pressão mais longa do ciclo do gado nos Estados Unidos e, no Brasil, a dificuldade em repassar custos mais altos da arroba, além da valorização do real, o que pressionará o endividamento.

Por outro lado, a expansão no segmento de alimentos processados e carnes premium no Brasil, assim como uma eventual depreciação cambial, podem gerar ganhos adicionais na visão do banco.

Resumo

  • A fusão entre Marfrig e BRF foi concluída, com o fim da negociação dos papéis da BRF e a estreia do ticker MBRF3 na B3
  • A relação de troca ficou em 0,8521 ação da Marfrig por cada ação da BRF, após meses de contestação de minoritários e revisões na CVM
  • Segundo relatório do Santander, a nova MBRF deve encerrar 2025 com prejuízo de R$ 2,3 bilhões e dívida de R$ 42,8 bilhõe