O Brasil ocupa posição de destaque mundial quando se trata da produção agropecuária. Temos ótimas áreas agricultáveis, clima favorável e, sobretudo, agricultores que possuem um saber fazer extraordinário.
No entanto, as grandes mudanças que estão ocorrendo no campo, como a introdução dos bioinsumos, dos remineralizadores (pó de rocha), das plantas de cobertura e de novos processos de cultivo e de relação dos agricultores com o solo, levantam uma importante questão estrutural no universo do ensino técnico e acadêmico: um possível descompasso entre as práticas no campo e as grades curriculares construídas na esteira da Revolução Verde.
A carga horária dedicada aos novos insumos e práticas estão dimensionadas de maneira equilibrada com a carga horária dedicada aos insumos químicos? A carga horária dos cursos de Técnico em Agricultura, Agronomia e Engenharia Agrícola dedicada ao estudo do solo e das interações biológicas entre a biota do solo e as plantas são compatíveis com a abordagem da agricultura regenerativa, seus insumos e práticas?
Os cursos de Zootecnia e Medicina Veterinária estão com seus currículos bem dimensionados para atender adequadamente a demanda por profissionais com conhecimentos compatíveis com a abordagem da pecuária regenerativa, seus insumos e práticas? As formações em biologia estão preparadas para uma expansão do mercado de trabalho para os biólogos na agropecuária e nas indústrias de bioinsumos?
Os programas de nutrição estão atentos à necessidade de aferir a possibilidade de melhoria da qualidade nutricional dos alimentos produzidos pela agropecuária regenerativa?
A preparação de profissionais com visão crítica e conhecimentos consolidados para bem compreender e bem atender as novas tendências, especialmente às dos mercados consumidores, é fundamental para o sucesso da agropecuária brasileira também no futuro.
Substituir significativa parcela de agrotóxicos e fertilizantes químicos nas lavouras brasileiras não é um “sonho utópico”, tem viabilidade técnica e econômica e já é uma realidade em várias fazendas no Brasil e, por exemplo, em fazendas da Califórnia, Áustria, Coreia do Sul e Nova Zelandia.
Os sistemas agrícolas do futuro estão buscando práticas regenerativas, maior produtividade, menor custo, redução da dependência de insumos químicos (naquilo que for possível) e melhorar muito a saúde do solo. Um solo melhor produz alimentos mais saudáveis, mais nutritivos, retém mais água, mais carbono e valoriza o patrimônio dos agricultores.
Agricultura regenerativa, conforme definida para fins de uso pelas políticas e programas do Estado da Califórnia nos EUA, é uma abordagem integrada à agricultura e pecuária, que é enraizada nos princípios de saúde do solo, riqueza de biodiversidade e resiliência do ecossistema, sempre buscando a melhoria dos resultados em vários aspectos.
A Universidade da Califórnia, que produz aproximadamente 6 milhões de refeições ao ano em seus campus e hospitais, está utilizando seu poder de compra para incentivar as práticas regenerativas e adquirindo vegetais e carnes da agropecuária regenerativa da California, inclusive pesquisando ganhos nutricionais. Não é uma aventura nem um jogo de marketing.
Efetivamente, quando o cidadão percorre os corredores de um supermercado ou uma loja de roupas e retira um produto da prateleira, sua atitude provoca uma série de consequências, especialmente nas fazendas produtoras espalhadas pelo mundo. A escolha de consumo que o cidadão faz não é o final da cadeia, em grande medida pode influenciar o princípio, pois é um ato incentivador de práticas no setor produtivo.
É importante que a produção agropecuária brasileira tenha o foco nos consumidores nacionais e internacionais e oriente seu sistema produtivo na direção daquilo que o consumidor está buscando.
Em 2017, o ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que não é um agricultor inexperiente, afirmou que o mercado global se conquista "na cotovelada e na botina".
A metáfora utilizada pelo ex-ministro para expressar a necessidade de o Brasil ter uma atuação mais incisiva e determinada para garantir o acesso dos produtos nos mercados internacionais é atual. Ofertar produtos que “falam” no ouvido do consumidor o que ele quer escutar é um grande facilitador.
Empresas visionárias de alimentos e vestuário como General Mills, Danone, Patagonia, VF Corporation, Nestlé, PepsiCo, Eileen Fisher, Illycaffè e Unilever estão investindo em produtos regenerativos.
Em meados de 2024 o Fórum Econômico Mundial publicou um texto com a seguinte indagação: “Regeneração: Por que as empresas estão indo além da sustentabilidade e pensando em regeneração?” O texto faz referência a uma pesquisa de 2019 da ReGenFriends, que identificou que quase 80% dos consumidores dos EUA preferem marcas "regenerativas" a marcas "sustentáveis", e que os consumidores das gerações Y e Z consideram a noção de "sustentabilidade" muito passiva, e querem comprar de empresas regenerativas que incorporem e pratiquem a renovação e a restauração.
O Brasil quer se consolidar como potência agroambiental e não apenas agrícola. Para isso é importante ter a academia como aliada, ter profissionais preparados para pensar de forma crítica, integrada e visionária é o caminho para uma agropecuária capaz de encantar o mundo unindo tradição, inovação e práticas regenerativas.
Reginaldo Minaré é diretor-executivo da Associação Brasileira de Bioinsumos (ABBINS).