Com o caixa combalido por cinco anos de frustrações em safras, um ciclo de investimentos em expansão e com mais restrições para buscar recursos no mercado, a cooperativa gaúcha Cotribá, tida como a mais antiga do Brasil, enfrenta pressão por todos os lados.
Nesta quinta-feira, 18 de setembro, a unidade de armazenamento de grãos na cidade de Cruz Alta foi cercada por produtores de soja. Parte dos produtores reclamam estar sem receber pelos grãos entregues no primeiro semestre.
Na tentativa de impedir a retirada da soja dos silos, o grupo repetiu o protesto realizado no início da semana na sede da Cotribá, em Ibirubá.
Dados fiscais recentes da própria cooperativa sustentam o cenário de atenção sobre sua liquidez. Em balanço de 2024, o patrimônio líquido consolidado caiu de R$ 237,7 milhões em 2023 para R$ 174,5 milhões.
As incertezas rondam a cooperativa, inclusive em relação a valores devidos. Uma auditoria realizada no período indicou que a classificação de dívidas de curto prazo tinha algumas obrigações subavaliadas.
Enquanto as finanças minguavam como a soja na estiagem, porém, a cooperativa anunciou investimento, no ano passado, de R$ 130 milhões para inaugurar a fase I de nova Indústria de Nutrição Animal.
Em maio deste ano os recursos que deveriam cumprir contratos com agricultores começaram a faltar. Desde então, parceiros, traders e o setor financeiro passaram a olhar as finanças da Cotribá com uma lupa.
O crédito que costumava equilibrar as contas foi escasseando, efeito da avaliação de risco da Cotribá. Além de produtores, pelo menos uma trader que apostou ali as suas fichas começou a questionar a diretoria sobre o cenário e buscar informações mais claras sobre o caixa.
De acordo com um advogado que neste mês fez a interface da trader com os executivos da cooperativa, a resposta dada até agora é o silêncio.
Nesta quinta-feira entrou em campo, também, a Associação dos Produtores e Empresários Rurais (Aper). Recém eleito presidente da associação, Arlei Romero enviou à Cotribá requerimento oficial solicitando, com máxima urgência, uma reunião com seus diretores.
“Estamos há dias buscando mais informações, sem sucesso. O que sabemos é que a maior parte da soja entregue já foi comercializada e sem o devido pagamento ao produtor. O que temos é chamada soja de papel. Ela existe no contrato, mas não fisicamente, nos silos”, explica Romero.
Ainda que dificuldades de mercado não sejam exclusividade da Cotribá - mas até comum entre cooperativas - a diferença crucial é que os outros produtores foram pagos, esclarece o presidente da Aper.
Sem dinheiro para plantar
Marili Vargas Bengo está entre os produtoras que entregou a Cotribá, em maio, parte do que colheu em cerca de 500 hectares semados com soja nos municípios de Jaguarão e Herval. A agricultora espera, desde então, pela quitação de R$ 197 mil acordados na entrega.
“Se eu não receber em uma semana, não terei como plantar nesta próxima safra. É preciso trabalhar o solo, mas não vou colocar meus funcionários embaixo do sol, com seus salarios atrasados, para depois talvez nem semear. Por não pagar outras dívidas, meu nome foi para a Serasa e nem mais acesso a crédito tenho”, relata Marili.
Para enfrentar a crise - ou ao menos tirar esse peso dos ombros de Celso Leomar Krug, presidente da Cotribá -, entrou em cena, há uma semana, Luís Felipe Maldaner. Professor universitário e administrador com carreira no setor bancário, inclusive como ex-diretor do Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Badesul) ele foi contratado para ser o primeiro CEO da cooperativa. Também foi criado um Comitê de Reestruturação para ajustar dívidas de curto prazo, reavaliar ativos e negociar prazos.
Com a chegada de Maldaner, Krug passou a não tratar mais do caso publicamente, assim como fez a diretoria. A ausência de posicionamento dos dirigentes aos produtores causa estranheza na cidade, assim como a desconfiança de que a crise pode ser ainda pior.
“Antes, o presidente e a diretoria estavam em tudo, em todos os eventos e junto do produtor. Agora até parece que eles mudaram de cidade”, comenta uma moradora de Ibirubá, que prefere se manter anônima, porque “na cidade todo mundo se conhece”.
Nos últimos anos, Cotribá investiu em expansão: ampliou a estrutura de lojas agropecuárias, armazéns, postos de combustíveis, diversificou atividades como supermercados, indústria de rações. Esse movimento exigiu maior endividamento ou financiamento interno/bancário para sustentar o crescimento da operação.
A Cotribá fazia aportes em novas unidades, ampliação da abrangência geográfica, abertura de supermercados e postos de gasolina ao mesmo tempo que enfrentava quebras de safra, preços deprimidos e elevação de custo.
Como esperado, mas de conhecimento restrito pelo mercado e pelos produtores, passou a ter dificuldades para honrar todos os compromissos, especialmente os de curto prazo.
A cooperativa agora tenta compensar os débitos com os agricultores vendendo ativos como postos de combustíveis e unidades de recebimento de grãos.
Procurada para se pronunciar sobre o tema, como e quando deve pagar os produtores e repassar informações mais claras ao mercado e a seus parceiros, a Cotribá não retornou aos pedidos de entrevista.
Entre gestores de cooperativas, o silêncio da Cotribá e falta de transparência sobre a dívida e um cronograma de pagamentos não estaria sendo bem vista. Ao deixar a conta do prejuízo apenas para as perdas climáticas, a cooperativa deixaria pairar dúvidas sobre as finanças de todas as outras.
“Se outros cooperativados, baseados nisso, quisessem todos receber sua soja de volta, o setor quebra. Não há mais muita soja armazenada para isso”, explica o executivo, que aceitou falar sobre o caso apenas se não fosse identificado.
Resumo
- Endividada por investimentos e safras frustrada, Cotribá sofre com protestos de produtores, que afirmam não ter recebido pelos grãos entregues
- Patrimônio líquido da Cotribá caiu 26% em 2024 e há indícios de subvalorização das dívidas da cooperativa
- Com novo CEO, Cotribá tenta vender ativos para equilibrar situação, mas não responde a demandas dos credores