Cunha (SP) – De longe, encantam pela beleza imponente. De perto, impressionam pela altura. As montanhas da Serra da Mantiqueira, nas proximidades de municípios do Vale do Rio Paraíba, na divisa entre os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, representam ao mesmo tempo sonho e pesadelo de turistas, forasteiros, moradores e também das indústrias de papel e celulose.

Sonho porque a paisagem é inesquecível, o ar, puro, e a riqueza natural, única. Pesadelo porque o declive das áreas representa um perigo para quem se arrisca a subir ou descer as áreas a pé – e mesmo de caminhonete – além de impactar o desenvolvimento da economia local pelas dificuldades de acesso e transporte.

Mesmo assim, com todas as dificuldades, as indústrias do setor florestal têm desbravado os arredores da região do Vale do Paraíba para plantar florestas de eucalipto nos últimos 50 anos, sendo cerca de 69 mil hectares ocupados por eucalipto na década passada, de acordo com dados do Censo Agropecuário mais recente, divulgado em 2017 em IBGE.

Isso acontece com muitas dificuldades no caminho. Em algumas áreas, o declive é tão grande que várias florestas de eucalipto acabam sendo abandonadas pelas dificuldades de se colher a madeira.

Outras áreas que poderiam receber a cultura são ignoradas pela dificuldade de manejar o solo. Além disso, depois de serem derrubadas, os resíduos das árvores continuam no solo onde novos eucaliptos serão plantados, dificultando todo o processo, pela dificuldade de retirar tudo o que fica.

Uma empresa mineira, a Reflorestar Soluções Florestais, que faz a prestação de serviços para os principais players do setor como Suzano e Bracell, entre outras, atuando do plantio à colheita da madeira, pretende mudar essa história.

A empresa vem, desde o começo do ano, subindo a Serra da Mantiqueira e colocando suas máquinas em ação em quatro fazendas da multinacional brasileira Suzano no Vale do Paraíba para fazer o plantio mecanizado em cerca de 2,8 mil hectares na região.

"Nesse tipo de terreno são poucas empresas que se arriscam a fazer esse tipo de operação. Isso abre um espaço, isso traz uma vitrine para nós", avalia Igor Dutra de Souza, diretor florestal da Reflorestar.

A empresa começou a trabalhar na silvicultura desde o fim de 2023 e pretende acelerar sua participação nesse segmento, de olho nas possibilidades que o setor florestal traz com os sucessivos anúncios de investimentos em novas plantas, que exigirão novas florestas.

O diferencial da empresa é fazer o processo de forma mecanizada, e não manual, que ainda é o formato mais comum especialmente em áreas de difícil acesso.

“Se olharmos para o horizonte dos próximos 5 anos, temos mais de R$ 100 bilhões de investimentos no setor florestal, que dependem de silvicultura. Não poderíamos ficar de fora desse processo, uma vez que temos a mecanização no nosso DNA. A gente quis trazer todo o conceito de mecanização de estrutura de colheita e carregamento para a silvicultura”, explica Souza.

Esse processo, no entanto, é recheado de dificuldades. O AgFeed acompanhou o trabalho em três fazendas da Suzano localizadas em cidades do Vale do Paraíba ao longo desta semana e pode entender um pouco melhor os desafios - e também os benefícios gerados - de todo o processo.

As dificuldades se iniciam antes mesmo do plantio, pelas necessidade de preparar o solo, com as máquinas trabalhando em terrenos com até 45 graus de inclinação frontal e 28 graus de inclinação lateral. "Se você for pensar, sem a utilização das máquinas, é tudo na base do 'enxadão'", explica Souza, diretor florestal da Reflorestar.

O trabalho das máquinas é feito 24 horas por dia, em diferentes turnos de trabalho, e exige meticulosidade por parte dos operadores.

As máquinas utilizadas realizam, simultaneamente, a subsolagem – que descompacta o solo, retirando "tocos" de eucalipto e outras vegetações daninhas para a entrada das novas mudas – e a adubação da base, com um funil que vai jorrando o fertilizante NPK no solo.

Logo após, vem a etapa do plantio propriamente dita. Com um estoque de mudas de eucalipto na traseira, a máquina vai enxertando com uma espécie de “ garra” cada muda no solo, sendo capaz de plantar entre 500 e 550 mudas por hora.

Todo esse processo exige uma preparação prévia para que as linhas de plantio sigam o necessário em cada talhão, para que cada planta se desenvolva perfeitamente ao longo dos próximos sete anos de plantio.

Além de plantar as bases das árvores, a mesma máquina também é capaz de, ao mesmo tempo, irrigar o solo, favorecendo o início do desenvolvimento das plantas. "Tem um tanque de água atrás da máquina e um "chuveirinho", com o operador dando o comando para irrigar", explica Souza.

No processo manual, mangueirões d’água precisariam ser espalhados pela área plantada, o que exigiria pelo menos 10 pessoas, segundo Souza, e a necessidade de subidas e descidas permanentes ao longo de todo o percurso.

“Já com a mecanização, você deixa estacionado um caminhão-pipa e o reabastecimento de água é feito diretamente na máquina”, explica.

Depois que as árvores já estão plantadas e irrigadas, é necessário fazer ainda a roçada nas áreas.

O AgFeed acompanhou uma demonstração desse processo em uma floresta de eucalipto já desenvolvida, com pelo menos 4 ou 5 anos de existência, situada em Lavrinhas (SP).

Uma máquina subia e descia nas entrelinhas da floresta limpando os galhos e massas secas que ficam entre cada árvore de forma perfeita, sem derrubar nenhuma árvore em pé.

Todo esse processo exigiu adaptações nas máquinas. Souza diz que que nos primeiros testes feitos com a máquina de plantio, um modelo da Komatsu, apresentaram falhas em testes feitos inicialmente em Ribas do Rio Pardo (MS), exigindo mudanças nos processos de abastecimento, entre outros. “Todas foram acatadas pela empresa”, garante.

O negócio

Apesar de ter iniciado sua operação na silvicultura há apenas dois anos, no fim de 2023, a Reflorestar está no mercado há mais tempo.

A empresa pertence ao Grupo Emília Cordeiro, com sede em Turmalina (MG). A origem da organização foi modesta, ainda na década de 1960, quando Olimar Alves Cordeiro produzia tijolos maciços em um engenho movido a tração animal numa pequena olaria.

O grupo, cujo nome é uma homenagem à matriarca da família Cordeiro, passou a existir formalmente desde 1986, com a criação de sua primeira empresa, a Cerâmica Cordeiro, e foi crescendo aos poucos ao longo dos últimos 30 anos.

Hoje, são outras seis empresas: Reflorestar, Cerâmica Cordeiro: Cerâmica Forte, Cerâmica Brasileira, Divina Terra e Ecoliptus.

A Reflorestar em si foi criada há pouco mais de 20 anos, em 2004, quando a Cerâmica Cordeiro foi contratada pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) para a prestação de serviços de supressão vegetal no local onde seria construída a Usina Hidrelétrica de Irapé, na região do região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.

A empresa atuava inicialmente nas áreas de colheita e carregamento da madeira extraída do eucalipto – que ainda são o carro-chefe do faturamento – e, mais recentemente, também passou a operar no início do processo, com plantio e preparo de solo mecanizados, de olho nos vários investimentos prometidos pelo setor florestal. “Estou plantando hoje para colher daqui a 7 anos. Estou plantando a receita do futuro”, afirma Souza.

O escopo de serviços prestados pela empresa varia de acordo com a preferência de cada cliente no momento de fechar os contratos, que podem durar de um a quatro anos.

Hoje, a empresa está presente além do interior de São Paulo, com bases nos estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Bahia e Espírito Santo, onde mantém contratos de prestação de plantio, carregamento e colheita.

Apesar de a Reflorestar ser um negócio mais recente, atualmente 60% do faturamento do Grupo Emília Cordeiro vem da empresa, que projeta que seu faturamento cresça 25% neste ano, chegando a R$ 142 milhões, ante R$ 113,8 milhões registrados no ano passado. Há cinco anos, em 2020, não passava de R$ 50 milhões.

Além dos contratos no Vale do Paraíba, a empresa em breve deve iniciar mais dois contratos de prestação de serviços de preparo de solo e plantio com a Suzano.

Um deles se inicia na segunda quinzena de outubro, em Água Clara (MS), e outro, na segunda quinzena de setembro, em Lençóis Paulista (SP), com a previsão de plantio de 540 hectares e irrigação de 1,5 mil hectares em ambos os contratos.

A operação de Água Clara deve receber uma plantadora da marca Plantmax capaz de plantar 2 mil mudas por hora. “É hoje a máquina mais moderna de plantio”, diz Souza.

Com os novos contratos com a Suzano, a Reflorestar deve passar dos atuais 345 funcionários para 500 funcionários até o fim deste ano.

Além da indústria da família Feffer, a empresa mineira também acumula em sua lista de clientes serviços para grandes nomes do setor de celulose como Bracell e Veracell, além de companhias do setor de siderurgia como Gerdau e ArcelorMittal. "Atendemos os maiores players dos segmentos de celulose e siderurgia hoje", resume Souza.

Novos contratos com outros clientes estão sendo negociados, segundo Souza. "As últimas duas semanas foram intensas em termos de precificação, com coisas para pensar já em 2026", antecipa o executivo, que diz estar negociando com a Klabin.

Com isso, a Reflorestar também consegue dar fôlego ao seu plano de investimento previsto para este ano, que tinha como meta aportar R$ 65 milhões.

Até o momento, já foram executados R$ 41,5 milhões, sendo que 67% desse montante total foi destinado para aportes em silvicultura, que se justificam dado o valor expressivo de cada máquina do processo.

"Uma máquina de roçada mecanizada, por exemplo, custa R$ 3 milhões. Uma feller buncher [máquina que corta árvores] custa próximo de R$ 5 milhões. Uma plantadora custa R$ 8 milhões", enumera Souza. Ao todo, a companhia deve fechar o ano com uma frota de 77 equipamentos, entre escavadeiras, tratores e colheitadeiras.

O repórter viajou a convite da Reflorestar Soluções Florestais.

Resumo

  • Reflorestar desafia alta declividade e faz o plantio e preparo de solo mecanizado para a silvicultura na Serra da Mantiqueira
  • Companhia firmou contratos com a Suzano no interior paulista e vai começar a prestar mais serviços para a empresa em outras localidades nos próximos meses
  • Faturamento da empresa deve crescer 25% neste ano, chegando a chegando a R$ 142 milhões; investimento previsto em 2025 é de R$ 65 milhões

Preparo do solo, com as máquinas trabalhando em terrenos com até 45 graus de inclinação

Operação nas enconstas da Serra da Mantinqueira

Limpeza nas entrelinhas: máquinas tiveram de ser adpatadas para operar em terrenos íngremes