Ilhéus (BA) - O gaúcho Ernesto Neugebauer costuma dizer, em tom de brincadeira, que ouvir falar do chocolate importado lhe causa alergias. A frase revela o desejo que move o empresário gaúcho: produzir chocolate de alta qualidade no Brasil para os brasileiros.

"Eu ouvia as pessoas falando do chocolate belga e pensava que era possível fazer chocolate de alta qualidade no Brasil. Então, comecei a planejar um novo negócio e queria fazer um negócio bom. A gente gosta de fazer coisa boa, né?", conta ele, em conversa com o AgFeed durante a Expocacau, em Ilhéus.

Em 2020, ele fundou a Danke Chocolates, marca focada no público A/B e com venda em redes de varejo como Pão de Açúcar , Zaffari e Empórios de produtos de maior valor agregado.

É um novo negócio, mas com décadas de tradição por trás. A história da família Neugebauer se confunde com a história do chocolate no Brasil,

A empresa nasceu pouco depois de Ernesto vender sua parte na Harald, empresa fundada por Ernesto e seus irmãos em 1982, ao grupo japonês Fuji Oil. Pouco antes, a família havia vendido a Neugebauer, uma das primeiras fábricas de chocolates do Brasil.

Com foco no mercado B2B, a Harald produz chocolate e outros produtos para a indústria alimentícia. Com o falecimento do irmão em 2002 e a saída da sua irmã do negócio em 2015, ele também decidiu vender sua parte para os japoneses em 2019.

Após a venda, partiu em busca da realização do antigo sonho de produzir chocolate de alta qualidade. "Tenho mais de 50 anos de trabalho no cacau, não sei fazer muita coisa além de chocolate", diz o empresário, que se emociona ao lembrar da sua história.

Ele começou a trabalhar na empresa da família aind jovem, aos 17 anos. No laboratório, ajudava a fazer as análises das amêndoas. Desde então, nunca mais parou.

Em um momento em que a cacauicultura brasileira ganha cada vez mais relevância, com investimentos robustos para o cultivo em áreas não tradicionais e a busca pela inovação e melhoria da qualidade, Neugebauer aposta na evolução no campo e no varejo.

"Teremos condições de, no futuro, escolher um chocolate assim como se escolhe vinhos ou cafés especiais: com base não só no percentual de cacau, mas também nas notas sensoriais e em características como adstringência e cremosidade", avalia.

Parte dessa mudança deve acontecer não só por conta dos investimentos na melhoria da qualidade da matéria-prima, mas também na mudança do paladar do consumidor.

"Por enquanto, o que temos no setor - mesmo quando falamos de chocolate de qualidade - é algo muito rústico, ainda temos muito a melhorar. Aos poucos, com os investimentos em pesquisa, tecnologia e qualificação da mão-de-obra, acredito que teremos essa evolução do mercado", pondera.

Na Danke, a produção ainda é pequena, cerca de 500 toneladas de chocolate por ano produzidas na fábrica de Cajamar (SP). Dentro de cada embalagem da marca estão contidas não só horas e horas de pesquisas, mas o trabalho dos cerca de 100 produtores que fornecem cacau de qualidade para a companhia.

Diferente de grandes fabricantes de chocolates como Nestlé e Mars, que compram o cacau já processado das indústrias, Neugebauer decidiu investir na própria moageira.

É aí que entra o outro negócio que ele fundou em 2019, a Gencau. A companhia não divulga dados financeiros, mas em dezembro de 2024 o negócio recebeu um novo sócio.

Trata-se do International Finance Corporation (IFC), o braço do Banco Mundial para investimentos no setor privado. Na ocasião, a instituição adquiriu 12% da moageira por US$ 8 milhões.

Com cinco anos de existência, a empresa já possui duas unidades fabris, sendo uma fábrica em Tambaú, no interior de São Paulo, e uma unidade de torrefação em Medicilândia, no Pará. Ao todo são cerca de 700 funcionários, sendo 600 deles na Gencau.

O investimento no Pará se dá pela proximidade com os produtores, já que cerca de 80% dos fornecedores de cacau da companhia estão no estado. Os outros 20% estão concentrados na Bahia.

"Nossa ideia inicial, um pouco romântica até, foi de comprar o cacau direto do produtor e garantir a qualidade superior para nossos produtos desde o cultivo. Porque eu queria produzir um chocolate de qualidade superior”.

Para driblar as dificuldades de encontrar quem produzisse o cacau que atendesse às necessidades da marca, a Gencau paga mais aos produtores que produzem o cacau de qualidade. Trata-se de um prêmio que varia entre 20% e 30% sobre o valor da tonelada do cacau paga pelo mercado.

Apesar do prêmio pago ao produtor, Ernesto conta que a alta dos preços do cacau na bolsa, que teve início no final de 2023 e foi a tônica no ano passado, acabou por causar dificuldades para a indústria de cacau fino.

"Com os recordes de preços, muitos produtores acabaram optando por comercializar a totalidade de suas produções no mercado commoditiy". Com consequência, a Danke teve dificuldade de manter as prateleiras abastecidas com seus produtos.

Agora, com os preços um pouco mais baixos e a recuperação na produção de cacau fino, a retomada da presença deve se dar não só pelo volume, mas também pelo lançamento de novos produtos até o final do ano.

Ele conta que, antes de olhar a qualidade do cacau, confere a ‘qualidade do produtor’. “Olhamos com mais atenção aquele produtor que se empolga na conversa e quer falar mais de cacau, que é apaixonado pela cultura. Esse geralmente é o mais aberto a inovar e investir na diferenciação", explica.

Anualmente a Gencau processa cerca de 14 mil toneladas de amêndoas de cacau, mas tem capacidade instalada para 20 mil toneladas. Do seu processamento saem toneladas de líquor, pó e manteiga de cacau, que são comercializados para as indústrias chocolateiras e de alimentos.

Por enquanto, uma parte pequena, menos de 1%, do que é produzido pela Gencau vai para a Danke, mas com a meta de expandir o alcance da marca nos próximos anos, esse volume deve aumentar gradativamente.

"Nossa meta é estar presente em todos os locais onde o público disposto a pagar por um chocolate de melhor qualidade também está", afirma.

Para tanto, a estratégia da Danke não inclui investimentos em lojas próprias, a exemplo de outras marcas, como a Dengo, por exemplo. "Queremos continuar firmes na parceria com os varejistas". Exportar também não está nos planos.

Além das fábricas, a Gencau conta com uma fazenda em Ibirapitanga, na Bahia, onde são desenvolvidas pesquisas e testes de campo com variedades de cacau.

Em uma área com aproximadamente 15 hectares, são cultivadas cerca de 70 variedades, que são avaliadas em termos de produtividade, resistência às pragas e doenças e às variações de clima.

Outro trabalho dos pesquisadores no centro da Gencau envolve testar e avaliar novas técnicas eficazes de secagem e fermentação do cacau, além de tecnologias para automatização de processos.

No entanto, ao contrário do que o leitor possa imaginar, as pesquisas em torno da fermentação da amêndoa desenvolvidas pela equipe da companhia não são para acelerar o processo. Neugebauer explica que parte do trabalho de produção de uma amêndoa de alta qualidade passa por "deixar as coisas fluírem a seu tempo".

Assim, enquanto a média de fermentação atual é de 72 horas, ele já fala em um processo que pode levar até 7 dias e resulta em uma amêndoa não só com melhor qualidade, mas com características únicas.

“Existem algumas etapas da fermentação, algumas reações bioquímicas que precisam de calma e tempo para acontecer e que resultam em qualidade e sabor completamente diferentes", explica.

Depois de testadas, as soluções são compartilhadas e replicadas junto aos produtores parceiros da Gencau. Dessa forma, a companhia consegue criar um ciclo virtuoso, onde o produtor investe na melhoria da produção e é remunerado por produzir com mais qualidade.

Entusiasta da inovação, ele também destaca que a produção de cacau de qualidade daqui para a frente passa pela adoção de tecnologias biológicas e de fertilização mais modernas.

"Temos visto muita coisa extraordinária acontecendo, sendo testada. Aqui na Bahia mesmo já existem testes do uso de biotecnologia para o controle de doenças como a podridão parda e a vassoura com resultados surpreendentes”.

Diante das metas do setor de dobrar a produção de cacau até 2030 e chegar a 400 mil toneladas, ele se diz confiante. “É algo totalmente viável. Temos tudo o que precisamos para alcançar esses patamares".

Da mesma forma, ele explica que o Brasil tem todos os requisitos necessários para a expansão da produção do chocolate de qualidade no Brasil. "Temos um mercado consumidor potencial, todas as indústrias instaladas, tecnologia e a produção de matérias-primas”.

Quando a pergunta é sobre o que o move a continuar investindo e trabalhando na produção de chocolates ainda hoje, após mais de 50 anos, os olhos marejados de Ernesto, acompanhados de um sorriso tímido e o silêncio são a resposta mais direta que se pode receber. Mais do que a história, o amor pelo chocolate corre nas veias de Neugebauer.

Resumo

  • Ernesto Neugebauer, herdeiro de tradição chocolateira, fundou a Danke para produzir chocolates premium no Brasil
  • Com a Gencau, investe na compra direta de cacau de qualidade, pesquisa agrícola e remuneração diferenciada a produtore
  • Foco está na evolução do mercado nacional de chocolates especiais, valorizando terroir, inovação e sustentabilidade