A guerra comercial entre China e Estados Unidos vem beneficiando as exportações brasileiras de soja. De janeiro a julho deste ano o Brasil já exportou para os chineses mais de 61 milhões de toneladas de soja, segundo dados da Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais).
O volume já está 4,6 milhões de toneladas acima do que foi exportado pelo Brasil à China no mesmo período do ano passado. O AgFeed já mostrou desde o início do ano que haveria um acréscimo nos embarques de soja brasileira ao país asiático em função da guerra de tarifas promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Tradicionalmente, no primeiro semestre a soja brasileira já é mais barata em relação ao produto americano, em função da maior oferta e competitividade.
Quando Trump tarifou as exportações chinesas, imediatamente o governo de Xi Jinping retaliou e passou a aplicar uma taxa sobre os produtos americanos.
Atualmente, está em vigor uma tarifa de 23% sobre a soja americana, o que torna inviável para a China comprar o produto nos EUA.
A China importou, de janeiro a julho deste ano, pouco mais de 6 milhões de toneladas de soja americana. No mesmo período do ano passado esse volume estava em 9,2 milhões de toneladas e, se considerados todos os embarques de 2024, foram 22,13 milhões de toneladas.
Neste cenário, é fácil entender porque Trump fala em “quadruplicar” vendas de soja para a China. Era isso que “precisaria acontecer” daqui para frente para que os EUA pudessem pelo menos empatar com o total vendido aos chineses em 2024.
“Nos últimos três meses eles (os chineses) não compraram nada nos EUA, estão lentos desde março quando começou o movimento de guerra comercial, por isso estão comprando tudo por aqui, compraram alguma coisa na Argentina, mas o principal é no Brasil”, disse o analista Vlamir Brandalizze, ao AgFeed.
Ele destacou que o período de janeiro a julho do ano passado já havia sido recorde na exportação brasileira de soja para a China e agora “é recorde novamente”.
Vale lembrar que não havia guerra comercial nem tarifas na época, ou seja, a soja brasileira foi destaque no ano passado por ser mais competitiva. O Brasil exportou 74 milhões de toneladas de soja para a China em 2024, com 70% do volume destinado ao país asiático.
“Agora o chinês está com a carta na manga, segurando a compra de soja para usar como barganha nas negociações com os EUA”, afirmou Brandalizze.
Guilherme Britzki, sênior broker da corretora internacional McDonald Pelz, confirma este cenário. As planilhas que mostram compras chinesas de soja nos EUA estão “zeradas” desde junho.
Embora a soja americana esteja, no momento, pelo menos US$ 20 por tonelada mais barata que a brasileira, em função da tarifa as compras seguem concentradas na América do Sul.
“A China já está coberta até outubro, se forem comprar nos EUA deve ser para novembro e dezembro”, avaliou Britzki. A visão dele é de que Brasil, Paraguai e Argentina juntos “quase” suportam a demanda chinesa.
Ainda assim, Brandalizze acredita que as compras do produto americano serão retomadas, “porque o Brasil não vai ter toda soja que o chinês precisa”. Ele lembra que a China deve importar 112 milhões de toneladas, globalmente. “Mais cedo ou mais tarde vão precisar comprar nos EUA”.
Ismael Menezes, da MD Commodities, concorda que a ideia de “quadruplicar” é inviável e significa mais um desejo de Trump do que a realidade, à medida que a soja brasileira é mais competitiva que a americana.
Existe risco para o Brasil?
Embora até agora o Brasil tenha sido beneficiado, exportando mais soja para a China e deixando os EUA muito longe das pretensões de Trump, ainda há riscos no radar.
Chineses e americanos prorrogaram por mais 90 dias o atual cenário de tarifas, para seguir negociando. Há grandes chances de que a retomada nas compras de soja faça parte de um novo acordo para que haja um “alívio” na pressão de tarifas sobre as exportações chinesas de eletrônicos, por exemplo.
Com a demanda chinesa aquecida, os prêmios no Brasil chegaram a patamares recordes na semana passada. O produto brasileiro para novembro 2025 era negociado a US$ 2,20 (por bushel) acima do preço praticado na Bolsa de Chicago.
Em entrevista recente ao AgFeed, o consultor Carlos Cogo, disse que quando vier o acordo entre EUA e China, a retomada das importações da soja americana poderá causar forte queda nos prêmios no Brasil.
Neste cenário, ele calculou que haveria uma perda de até R$ 12 por saca para o produtor brasileiro, que sairia do lucro para o prejuízo, pois já está trabalhando com margens muito apertadas para a safra 2025/2026.
Ismael Menezes acredita que o acordo saia mais para o final do ano, “porque envolve muitos detalhes”. Além disso, ele lembrou que no primeiro governo Trump, quando houve guerra comercial entre os dois países e depois também ocorreu um acordo, a China acabou importando mais milho dos EUA do que soja, porque o preço estava melhor, portanto, a competitividade também será um fator determinante.
Ainda assim, todos os analistas concordam que, em casos de disputa geopolítica, tudo pode mudar “do dia para a noite”.
Resumo
- Enquanto Brasil vendei 61 milhões de toneladas de soja para a China de janeiro a julho, os EUA embarcaramn apenas 10% desse total
- Para manter o mesmo volume exportado em 2024, americanos teriam quase que quadruplicar vendas, mas chineses já estão cobertos até outubro
- Assim, segundo analistas, é pouco provável que, mesmo com negociações por um acordo comercial, quadro ocorra como Donald Trump alardeia