Durante grande parte da história, nossa sobrevivência dependia da habilidade de transformar esforço em sustento. Um bom caçador era capaz de alimentar seu grupo por três dias, enquanto um fazendeiro bem-sucedido garantia comida por uma estação inteira.

Com o tempo, grandes empresas passaram a ocupar esse papel de provedores, sustentando cidades inteiras por meio de salários, produção em massa e organização do trabalho.

Em todos esses ciclos, havia um elo claro entre o esforço humano e o valor gerado. Agora entramos em uma era em que a tecnologia não apenas potencializa a produtividade, mas se transforma na própria fonte do valor. E isso muda tudo.

A ideia de que produtos custam por causa das matérias-primas ou das etapas envolvidas é cada vez mais frágil.

Na essência, tudo que é produzido representa uma conversão de tempo humano em algo tangível e o que chamamos de custo muitas vezes nada mais é do que uma tradução do tempo e da energia intelectual, emocional e física dedicadas por alguém àquela tarefa.

Essa é a base do chamado labor arbitrage, o conceito de que o valor de algo é definido não só pelo que é, mas por quem o construiu, quanto tempo levou e onde esse trabalho foi executado.

Empresas exploram essas diferenças geográficas e operacionais de forma sistemática, transferindo produção para locais onde o tempo das pessoas custa menos, aumentando margens e eficiência.

Mas e quando o trabalho humano deixa de ser o fator central?

À medida que a inteligência artificial avança, especialmente com a promessa da AGI, inteligência artificial geral, passamos a ver sistemas que não apenas executam tarefas, mas que aprendem, criam e se otimizam sozinhos.

O valor, nesse novo paradigma, já não vem da troca de tempo humano por entrega, mas sim da capacidade computacional de gerar soluções.

Aqui reside uma mudança silenciosa, porém profunda. A AGI não precisa de salário, nem de motivação. Ela precisa de energia e dados organizados, matéria-prima limpa, estruturada e pronta para alimentar seus modelos.

Energia elétrica para treinar, rodar, armazenar e interagir. Dados confiáveis para aprender, prever e decidir.

A base de tudo que a AGI faz é movida a energia, não mais a tempo humano. Isso nos leva a uma hipótese desconfortável, porém realista: e se, no futuro, o dinheiro deixar de ser o principal indicador de valor?

A questão não é mais se sua empresa vai adotar essas tecnologias, mas quando e em que posição do jogo. A diferença entre estar na vanguarda ou na retaguarda será medida em produtividade, margem e, em muitos casos, sobrevivência. Esse é um caminho sem volta.

Durante séculos, o dinheiro foi a métrica pela qual medimos o esforço, o tempo e o resultado, mas quando máquinas produzem valor de forma contínua, autônoma e escalável, talvez a energia, e não o dinheiro, se torne o recurso mais valioso.

O dinheiro pode continuar sendo o meio de troca, mas o ativo que define poder e soberania pode migrar para algo mais tangível e crítico, a energia, em especial aquela capaz de alimentar redes de IA em escala.

Dados brutos não valem nada sem poder computacional para processá-los. Algoritmos são apenas promessas se não houver infraestrutura para treiná-los e conectá-los ao seu negócio. A diferença entre um dashboard bonito e uma decisão que reduz custo está no grau de maturidade digital da operação.

Isso nos obriga a pensar na estrutura invisível por trás da inteligência artificial. Plataformas como OpenAI, Anthropic ou qualquer outro sistema avançado de AGI são como grandes fazendas digitais, onde o que se cultiva não é soja ou milho, mas capacidade de resolver problemas.

E como qualquer fazenda, elas dependem de um ecossistema. A diferença é que agora os insumos não são físicos, são elétricos.

As plataformas se tornam os novos territórios de produção, enquanto os provedores, empresas, startups e governos constroem sobre elas soluções específicas. A linha entre plataforma e provedor vai ficando cada vez mais tênue, principalmente quando os próprios sistemas começam a se auto aperfeiçoar, aprendendo com o uso e se atualizando em tempo real.

Estamos, portanto, diante de uma inversão. Se antes os trabalhadores precisavam de ferramentas para produzir valor, agora são as ferramentas que produzem valor e precisam de nós apenas como supervisores, orientadores ou, em breve, talvez nem isso.

A questão fundamental passa a ser: Quem alimenta a máquina? Quem controla a infraestrutura que sustenta esses sistemas? Quem detém o acesso à energia, aos chips, às nuvens computacionais, aos dados limpos e organizados?

Essa será a nova disputa geopolítica, econômica e empresarial das próximas décadas, e talvez, o novo fazendeiro não seja quem planta, mas sim quem possui os dados.

Segundo a IEA, Agência Internacional de Energia, os data centers já consomem entre 1% e 1,3% de toda a eletricidade do mundo e esse número deve dobrar até o fim da década com o avanço da inteligência artificial.

Essa é a nova variável energética invisível da economia digital, onde o poder computacional depende diretamente da energia disponível e do acesso à informação estruturada.

“Vinte anos atrás, um grande data center teria 20 megawatts”, disse Chase Lochmiller, CEO da Crusoe, uma startup que está construindo um dos maiores projetos de data center do mundo para a OpenAI no Texas.

“Hoje, um grande data center tem um gigawatt ou mais… Acreditamos que podemos construir um novo data center com múltiplos gigawatts” (Financial Times, 2025).

À medida que esse novo paradigma se consolida, o mundo também se torna mais protecionista. A redução da dependência de trabalho humano e a redistribuição do poder via tecnologia estão pressionando os blocos econômicos a fechar fronteiras, controlar recursos críticos e proteger capacidades estratégicas.

Isso porque o delta de poder está diminuindo. Nunca foi tão barato desestabilizar estruturas tradicionalmente invulneráveis.

O exemplo mais claro está nos campos de batalha. O tanque mais avançado e custoso do mundo, com blindagem de milhões de dólares, pode ser neutralizado por um drone de trezentos dólares, controlado por um operador remoto.

Isso revela que o acesso à tecnologia, mesmo que simples, tem o potencial de inverter lógicas de poder consolidadas por décadas. É a descentralização da força, da influência e da soberania.

Em um passado recente, grande parte das inovações tecnológicas era gerada dentro de laboratórios militares, em programas sigilosos de defesa. Hoje, essa lógica se inverte.

Os exércitos mais tecnificados do mundo passaram a buscar fora de casa, nas startups, universidades e empresas privadas, as soluções necessárias para se manter à frente.

A inovação se democratizou, mas com ela veio a ansiedade de quem sempre deteve o controle. O futuro, agora, está sendo construído por quem entende que o campo de batalha mudou, e que ele pode estar tão próximo quanto uma tomada na parede.

Para quem lidera empresas hoje, o recado é claro: ou você adota a máquina como parte do seu time ou será ultrapassado por quem já a colocou para trabalhar. A eficiência produtiva, antes baseada em escala e capital humano, agora será medida pela capacidade de integrar inteligência artificial ao seu fluxo operacional. Ignorar isso é como plantar sem tratar o solo, ou plantar fora da janela de plantio.

Além disso, conforme reportado pelo TechRadarPro, cerca de 78% das empresas globais ainda não têm dados prontos para alimentar adequadamente agentes de IA, o que reforça a importância da qualidade e organização de dados para a entrega de valor real.

A tecnologia já está disponível, mas os fundamentos ainda não estão no lugar. E é aí que reside a próxima vantagem competitiva.

A era da inteligência artificial nos força a rever onde o valor é criado, quem o detém e como ele é protegido. O novo poder não é mais físico nem institucional, é energético, computacional e cada vez mais invisível. E, como toda revolução silenciosa, ela favorece quem percebe a mudança antes dos demais.

O jogo já começou. Esperar é ficar para trás.

A maior abundância do nosso tempo não é dinheiro, nem tecnologia. É informação e dados. E só colhe quem sabe usar.