O mercado de certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) começou 2025 em marcha lenta. No intervalo de janeiro a junho, o número de operações registradas pelas securitizadoras caiu de 317 para 256 emissões, uma retração de 19,2% que refletiu um ambiente menos favorável à captação.

Dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) citam que o mercado de CRAs somou R$ 14,2 bilhões no primeiro semestre, uma queda de 26% no montante financeiro.

Jogaram contra o cenário de juros em alta, incertezas macroeconômicas fiscais e um reflexo do aperto feito pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), no ano passado para restringir os lastros usados nas operações do tipo.

Há, contudo, quem consiga manter, pelo menos em quantidade de emissões, o mesmo nível do ano passado. Na securitizadora Virgo, uma das mais ativas desse mercado, as emissões saíram de 16 no primeiro semestre do ano passado para 15 neste ano. Junto dos CRIs, a Virgo emitiu 47 certificados no primeiro semestre deste ano, o mesmo número do ano passado

Na frente da Virgo no ranking em conjunto com os CRIs está a Opea, que comprou, no ano passado, a True, outra securitizadora ativa no segmento, com 77 emissões, 28 a menos do que em 2024.

Mesmo assim, a empresa registrou uma queda no volume financeiro, de R$ 7 bilhões para R$ 2,5 bilhões neste ano.

“Em número de operações, ficamos praticamente iguais, mas o mercado em geral ficou mais seletivo. Tivemos um primeiro semestre com menos ‘nomes novos’ e mais companhias de perfil triple A”, conta Luisa Herkenhoff, gerente de securitização da Virgo.

Na securitizadora, o primeiro semestre foi marcado por operações de companhias já “tradicionais” desse mercado de CRAs. Herkenhoff destaca um CRA de R$ 50 milhões para a Cocal, do setor sucroenergético, um de R$ 800 milhões para a Seara, da JBS, e um de R$ 200 milhões para a cooperativa sul-mato-grossense Copasul.

Ao olhar para o primeiro semestre de 2024, a executiva relembra que houve emissões de estreantes, como a Cooperativa LAR, que emitiu um CRA de R$ 700 milhões. “Foram muitas emissões de cooperativas. Não aconteceu tanto isso neste primeiro semestre”.

Além de uma Selic que subiu degraus até atingir o atual patamar de 15% ao ano, Herkenhoff cita que notícias envolvendo recuperações judiciais no setor estressaram os investidores, principalmente aqueles que não conhecem o setor.

“Desde o ano passado vemos muita restrição dos investidores em alocar dinheiro no agro. Para quem olha o imobiliário como alternativa, alguns preferiram alocar lá e de fato houve investidor que entrou no setor sem o devido conhecimento. Não vimos também emissões novas de fundo, que compram CRAs. Não teve dinheiro novo entrando”, afirmou.

Além disso, 2025 é o primeiro ano a se iniciar com as novas regras do CMN que, no início de 2024, fixou novas regras para emissões de títulos de investimento, tanto do agronegócio quanto do imobiliário.

Na prática, o órgão federal delimitou que papéis como CRAs não podem mais ser lastreados em títulos de dívida, como debêntures, emitidos por companhias não relacionadas ao setor agrícola.

A justificativa do governo é que a medida foi tomada para combater um "desvio de finalidade" dos CRAs. Por consequência, a ideia é garantir que o certificado seja utilizado apenas por empresas ligadas ao agro de forma mais direta.

Herkenhoff acredita que essa restrição atingiu mais o mercado imobiliário e os CRIs, mas que também afetou o agro.

Ao olhar para o segundo semestre, que se iniciou há poucas semanas, a perspectiva é mais otimista e a Virgo aposta em repetir o montante financeiro emitido em CRAs em todo o ano passado: R$ 15 bilhões. No ano passado, foram 45 emissões que somaram esse capital.

“Acho factível, primeiro porque o segundo semestre é naturalmente mais aquecido. No agro, temos setores com boas margens como café, cacau, cítricos e a própria pecuária, que vem de anos mais apagada”, cita.

O segundo semestre já começou, de fato, aquecido na casa, que com apenas uma emissão já pode dobrar o emitido de janeiro a junho. No início de julho, a Minerva anunciou que emitirá até R$ 2,5 bilhões em “crâbentures”. Na prática, o frigorífico emite as debêntures, a Virgo as compra e na sequência as distribui como CRAs ao mercado.

Outro aspecto que pode colaborar com o semestre mais aquecido é a MP (Medida Provisória) proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em tributar o rendimento de ativos que até agora são isentos, como os CRAs.

“O fim da isenção pode levar uma corrida a novas emissões de títulos incentivados”, acredita Herkenhoff. Se de fato a MP entrar em vigor, todo e qualquer rendimento obtido com títulos como CRAs, CPRs, CDCAs e LCAs emitidos a partir do ano que vem será tributada em 5%.

Até mesmo as RJs parecem não assustar mais o investidor e até mesmo as cotações de Fiagros têm recuperado parte das perdas que registraram em 2024.

No caso da Virgo, Herkenhoff cita que houve alguns casos de ativos estressados que demandaram assembleias e repactuação de dívidas, mas sem default de fato.

Em 2023, a Usina Ester entrou em recuperação judicial com dívidas que ultrapassavam R$ 600 milhões, e fez um acordo com os detentores de CRAs da companhia, que foram emitidos pela Virgo e que possuíam inclusive cotas encarteiradas em Fiagros da XP (XPCA11 e XPAG11).

Na ocasião, o acordo firmado evitou maiores perdas para os investidores. A companhia renegociou com a Virgo, detentora dos créditos vinculados aos CRA, uma repactuação da dívida, com redução da exposição e sem conceder descontos.

As garantias originais foram mantidas, a execução judicial foi suspensa até a quitação integral e parte dos bens que estavam arrestados foi liberada proporcionalmente ao que já foi amortizado.

Resumo

  • Securitizadora Virgo manteve o mesmo número de emissões de CRA no primeiro semestre deste ano, enquanto o mercado recuou quase 20% em operações e 26% em volume
  • O valor captado caiu de R$ 7 bilhões para R$ 2,5 bilhões, com operações concentradas em nomes como Seara, Minerva e Copasul
  • A empresa aposta em um segundo semestre mais aquecido, com expectativa de repetir os R$ 15 bilhões emitidos em 2024