Instalada em diversos segmentos do agronegócio há quase dois anos-safra, uma praga financeira tem dado demonstrações de resistência e trazido cada vez mais impacto no campo

Depois do recorde visto em 2024, as recuperações judiciais registradas por produtores e empresas do setor têm mantido o viés de alta em 2025, com números expressivos, segundo levantamento divulgado nesta terça-feira, 15 de julho, pela Serasa Experian.

O estudo aponta que, no primeiro trimestre deste ano, foram registradas nos tribunais do País 389 requisições, sendo 195 de pessoas físicas, 113 de pessoas jurídicas e 81 de empresas somente no primeiro trimestre.

Assim, o número consolidado de RJs no campo é 21,5% do que o registrado no trimestre imediatamente anterior, ou seja, o quarto trimestre de 2024.

Na comparação com o primeiro trimestre de 2024, na variação anual, a alta nos pedidos de RJ é de 44%.

Em 2024 como um todo, os pedidos de recuperação judicial de produtores rurais que atuam tanto como PF quanto como PJ somaram 1,27 mil pedidos, mais do que o dobro frente aos pouco mais de 500 pedidos de 2023.

Quando divulgou os números do último trimestre de 2024, a Serasa afirmou que o número crescente no período, que fechou com 320 pedidos, podia representar, na opinião da empresa, um “represamento de trimestres anteriores”.

Contudo, o número voltou a subir no início de 2025, como mostrado nos dados mais recentes, revelando um quadro mais grave.

O head de agronegócio da Serasa Experian, Marcelo Pimenta, considera que a nova alta nos pedidos reflete um período desafiador, que soma oscilação nos preços das commodities com uma oferta de crédito mais baixa e um cenário de custos altos, prazos longos e maiores dificuldades na rolagem de dívidas no campo.

“São fatores que pressionam o caixa e reduzem margens de manobra”, afirmou, ressalvando, entretanto, que “o número absoluto de solicitações segue sutil frente ao universo de cerca de 1,4 milhão de produtores que tomaram crédito rural no País nos últimos dois anos”, ponderou.

Os dados de RJs reforçam a percepção de outro estudo divulgado recentemente pela Serasa, que tratava da inadimplência da população rural.

Em uma entrevista concedida ao AgFeed na ocasião, Pimenta considerou que esses fatores têm feito também aumentar o número de produtores com dívidas vencidas.

Segundo o estudo, no primeiro trimestre de 2025 o indicador de inadimplência bateu 7,9% dos agropecuaristas brasileiros. Esse índice é 0,3 ponto percentual mais alto que o dado anterior, do final de 2024, e 0,9 ponto percentual superior ao do mesmo trimestre do ano passado.

Mais do que o número isolado, dois pontos chamam a atenção de Pimenta: a manutenção de uma tendência de alta do indicador de endividamento e a resiliência da inadimplência em níveis mais altos do que a média histórica do setor.

"E olha que está num patamar mais alto mesmo com os bancos mudando bastante as políticas de crédito e exigindo garantias maiores", afirmou Pimenta em entrevista ao AgFeed.

Ao olhar os números de recuperação judicial do primeiro trimestre na vírgula, é possível ver que o perfil do devedor não teve alterações.

Entre os produtores pessoa física, que formam a maior categoria avaliada, foram 195 pedidos de RJ,a maior parte deles (72) feita por arrendatários.

Nessa segmentação, a alta foi de 39,2% nas requisições ante o final do ano passado, e um avanço de mais de 80% em um ano.

“Esse é um perfil que costuma operar com margens mais estreitas, pois além dos custos da atividade em si, arca com despesas adicionais, como o pagamento pelo uso da terra”, considerou Pimenta.

“Então, em cenários de maior volatilidade climática e de crédito, encontra desafios maiores na gestão financeira e no acesso a garantias, o que explica, em parte, a busca por instrumentos de reequilíbrio judicial”.

Ainda nas PFs, os produtores de grande porte ficaram em segundo lugar, com 53 requisições, seguidos pelos pequenos proprietários, com 38 pedidos e os médios, com 32.

Por região, o Mato Grosso concentrou 50 pedidos, seguido de Goiás (38) e Minas Gerais (31) no top 3.

Já no universo das pessoas jurídicas, houve crescimento de 2,7% em relação ao trimestre anterior, mas de 31% se comparado ao mesmo período de 2024.

O Serasa pontuou que a maior incidência dos produtores desse segmento que requisitaram a recuperação judicial se deu em setores específicos, com o estudo mostrando que “criação de bovinos” e “cultivo de soja” concentraram o maior número de requisições, com 42 e 59, respectivamente.

Também nesse corte Mato Grosso foi o estado que mais registrou pedidos, com 27 RJs, mas agora seguido por Minas Gerais, com 20 e Rio Grande do Sul, com 13.

A análise das empresas relacionadas ao setor de agronegócio mostrou que foram 81 pedidos de recuperação judicial no primeiro trimestre de 2025 – número que representa aumento de 15,7% frente ao trimestre anterior e de 5,1% em relação ao mesmo período de 2024.

Por segmento, “comércio atacadista de produtos agropecuários primários” teve a maior quantidade de pedidos (23). Em sequência estavam “Agroindústrias de Transformação Primária”, que marcaram 14 pedidos, e “Comércio atacadista de produtos agropecuários processados”, com 14 requisições.

Goiás foi o estado com mais empresas entrando em RJ, com 15 casos, seguido por Mato Grosso (12) e Paraná (8).

O levantamento feito pelo Serasa Experian foi construído a partir das estatísticas de processos do número de documentos que solicitam recuperação judicial no setor, registradas mensalmente na base de dados da companhia e provenientes dos tribunais de justiça de todos os Estados.

Foram ainda contemplados nesse levantamento proprietários e produtores rurais de todos os portes que atuam como pessoas físicas e jurídicas, além de empresas demandantes do recurso analisado que possuem Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) principal constante no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da cadeia agro.

Resumo

  • Segundo o Serasa, pedidos de recuperação judicial no agro somaram 389 no primeiro trimestre de 2025
  • Elevação reflete efeito de oscilação de preços em um período de crédito mais escasso e custos mais altos
  • Maior parte das requisições foi feita por produtores pessoas físicas, com destaque para arrendatários, perfil que opera com margens mais apertadas