Não muito longe da sede corporativa da Luft Logistics, uma das maiores operadoras logísticas do País, Luciano Luft prepara o futuro da companhia em um escritório em Alphaville, na grande São Paulo.

Ali, em um espaço apartado do resto de suas operações, o CEO do grupo mantém, segundo suas próprias palavras, “uma molecada pensando todo dia em como a gente consegue fazer melhor”. É o berço de cinco startups, todas com cerca de dois anos de vida e já operacionais.

No ano passado, foram R$ 30 milhões investidos nelas, em busca de inovações que possam gerar negócios nas diversas frentes da empresa, que, entre outras coisas, é a principal operadora da gigante global de e-commerce Amazon no Brasil.

É hora de colher uma parte do que foi semeado ali nos últimos anos – e há uma atenção especial ao agro, que representa cerca de 30% dos negócios da empresa.

“Muita coisa vai acontecer nos próximos 12 meses”, afirma Luft ao AgFeed. “Talvez a gente desista de uma ou outra, mas muitas a gente tem convicção de que vão prosseguir”.

Luft tem as rotas traçadas em direção a esse futuro, que ele define como “implantar o modelo Amazon de operar no agro”. Para a companhia de Jeff Bezos, a Luft opera quase um milhão de pedidos por dia. No agro, segundo ele, são 300 mil pedidos por ano.

“A diferença é grande, mas a escala com preço baixo é o que funciona, é o que tem que funcionar. Então o que a gente está trazendo para o agro é um modelo de negócio onde o nosso cliente começa a usar a logística como estratégia de venda”, pontua.

Os primeiros quilômetros do caminho nessa direção, dentro de um mercado estimado por ele em US$ 18 bilhões, já foram percorridos e 2025 promete de fato, ser um ano de acelerar.

O empresário espera criar um ecossistema capaz de replicar, no meio rural, o sistema que deu agilidade e escala às entregas urbanas do e-commerce, fazendo com que cada vez mais consumidores aderissem às compras por meio digital.

“Temos muitas provas aqui de que e-commerce mais logística são o grande diferencial de venda”, diz. “No agro, esses serviços ainda são ruins, vivem na década de 1980”.

O projeto de Luft é “promover uma integração física e digital” de cadeias como a dos defensivos e fertilizantes agrícolas. Ele conhece a fundo esse universo, em que a Luft atua desde 1975, como uma das pioneiras na criação de uma vertical especializada para o setor.

Para isso, ele monta um verdadeiro quebra-cabeças de inovações, que já estão sobre a mesa e começam a sair do papel. Uma de suas startups, a Agrega, por exemplo, especializou-se na criação de marketplaces digitais e está desenvolvendo operações de e-commerce para gigantes do agro.

A Agrega está, entre outros, por trás da Amaggi On, plataforma online para comercialização de sementes, fertilizantes e defensivos do grupo Amaggi, lançada há pouco menos de dois anos. E, segundo Luft, deve colocar nas próximas semanas no ar outros dois projetos semelhantes, um deles para a CCAB, empresa de insumos que foi criada por agricultores brasileiros e hoje é controlada pela cooperativa francesa InVivo.

“Nossa empresa, a Agrega, não vende e não compra nada. Ela monta toda a parte sistêmica de um e-commerce, que, aparentemente, quando você tem um negócio pequeno, é meio fácil”, diz Luft.

“Mas quando você passa a ter múltiplos estoques, múltiplos compradores de múltiplos lugares, começa a correr risco de não ter o produto, de vender o que não tem... Então, sistemicamente, é muito sofisticado”.

Na operação da Amaggi On, o sistema implantado pela Agrega permite atualmente inclusive fechamento de negócios via barter ou em dólar.

Na parte física da operação, a empresa promete fazer a diferença a partir de uma estratégia de descentralização e regionalização de estoques, com aplicação de inteligência artificial e integração de novos serviços dentro de seus centros de distribuição espalhados pelo País.

O novo modelo prevê a transformação desses CDs no que a Luft já chama de centros de serviço (CS), onde, além de receber e remeter cargas, a empresa espera reunir prestadores como empresas de pulverização por drones, além de abrigar estoques de insumos ou a produção de insumos biológicos, com a operação de biofábricas para produtores dentro dos espaços da companhia.

“A gente quer ter ali dentro uma espécie de one stop shop”, diz Luft. Eles poderão funcionar, segundo ele, como plantas regionais para indústrias de defensivos ou fertilizantes, ajudando a evitar o “passeio” que encarece esses produtos ao ter de percorrer centenas e até milhares de quilômetros entre a fábrica e o consumidor final.

Em segmentos de margens cada vez mais apertadas, o empresário acredita que essa tendência se tornará irreversível. “Daqui a pouco tempo não vai ter preço para isso, ninguém vai montar uma fábrica no Rio Grande do Sul e vender para a Bahia. O cara vai gastar toda a margem dele na logística”.

Um dos grandes CDs da Luft, próximo da sede, em Alphaville, já atua nesse modelo. Outros dois – um em Ribeirão Preto e outro em Cuiabá – devem ser reconfigurados nos próximos meses para também adotarem esse formato.

O plano da empresa é ter, por exemplo, até cinco CS somente no Mato Grosso – além de Cuiabá, o grupo já tem CDs instalados em Rondonópolis, Querência, Campo Novo dos Parecis e Sorriso. Assim, em um raio de 200 quilômetros de cada um deles estará 95% do consumo de insumos do maior estado produtor de grãos do país.

“Isso faz com que a gente consiga chegar mais rápido e até possibilita o cliente de retirar o produto se tiver em uma emergência”. Hoje, no MT, a Luft tem mais de mil produtores em sua base de clientes. Para cerca de 700 deles, segundo o CEO, a empresa já é responsável pela armazenagem dos insumos.

Assim, muitos agricultores já conseguem evitar ter grandes e valiosos volumes dentro de suas propriedades – o que gera inclusive a necessidade de investimentos em segurança – e se abastecem, com o serviço da Luft, conforme a necessidade.

A proposta da empresa é levar essa possibilidade para a indústria oferecer ao produtor, com disponibilidade dos produtos e até assistência técnica no momento do uso.

Por trás do mundo físico, algoritmos desenvolvidos pela “molecada” da Luft estarão analisando, com sistema de inteligência artificial, a demanda e prevendo a necessidade de reforços pontuais de determinados produtos, também reduzindo a necessidade de manutenção de grandes volumes em estoque, cujo custo é alto e se mostrou um peso importante nas contas das revendas e indústrias nos últimos anos.

Ao integrar produtor, revenda e indústria no mesmo espaço, Luft também vislumbra ganhos de eficiência, criando uma espécie de câmara de compensação em que os negócios são realizados sem que seja necessária a movimentação física de produtos ou até de recursos.
“Em alguns casos, se temos todos integrados, você só troca o CPF do dono do produto”, diz, ressalvando que seria tudo feito de acordo com a legislação, respeitando tributação e outras questões inerentes ao comércio de insumos.

“Não é fácil, mas é um modelo que funciona bem”, reforça Luft. “A tendência desse setor, como já vem ocorrendo com outros, é de uma desintermediação enorme”.

Para ele, os elos da cadeia que não agregarem valor na venda de seus produtos ou serviços correm o risco de perder a preferência do produtor. “Não tem amizade, relação de compadre, que resista a um custo de 20% ou 30% a mais para o cara. Quando ele fizer a conta, não vai existir. Por isso, está todo mundo tentando se reinventar”.

Na velocidade da Amazon

O próximo passo, entretanto, é ainda mais ousado e também deve ser testado ainda em 2025: a criação de mini-CDs, com cerca de 800 a 1 mil metros quadrados – os menores CDs convencionais da Luft têm entre 10 mil e 15 mil metros quadrados –, que permitam fazer com que produtos encomendados pelo produtor sejam entregues em prazos de até seis horas.

O modelo de descentralização é inspirado no que vem sendo testado na Amazon, em que estão sendo “pulverizados” depósitos de até 100 metros quadrados – “às vezes, uma garagem” – para permitir, em regiões de maior concentração de pedidos, entregas expressas em tempo ainda mais curto do que o realizado atualmente

Na adaptação feita para o agro, os primeiros pilotos devem funcionar, já na próxima safra, em áreas a serem segregadas dentro dos CDs da Luft. Em cada mini CD haverá pequenos estoques, que permitirão acesso quase imediato aos produtos, enquanto em um CD de grandes dimensões, muitas vezes pode demorar mais de uma hora apenas para separar uma encomenda.

Outra hipótese estudada pela Luft é colocar, em cada um desses pontos avançados, um totem em que o produtor, com o auxílio de profissionais da empresa, possa realizar ali mesmo a compra na loja digital de um parceiro e já sair com o produto nas mãos ou, em caso de um volume maior, receber na sua propriedade em poucas horas.

“Essa é uma mudança enorme”, afirma Luft. “Quem vai faturar pra ele é uma revenda ou uma multinacional. Normalmente, leva semanas pra eles aprovarem um faturamento. Queremos fazer isso em minutos”.

Por trás desse sistema há justamente a lógica de gerar valor através da comodidade, algo que o e-commerce tradicional já consegue monetizar.

“Quanto a companhia vai poder botar a mais de preço nisso?”, questiona Luft. Ele diz ter pesquisas que revelam que o consumidor está disposto a pagar 10% a 15% a mais para ter produtos entregues de forma adequada, na hora e local em que ele precisa.

“E as pesquisas estão erradas”, continua. “Ele pagaria muito mais, até porque já paga hoje na compra da revenda, que cobra 30% dele de mark-up”

Luft compara esse modelo a uma vendinha de bairro. Comparada a um hipermercado, ela cobra mais caro pelo que vende, mas entrega o benefício do fácil acesso e da agilidade. “Muitas vezes custa mais barato pegar o carro e ir no hipermercado, mas você tem sempre essa opção na hora da necessidade”.

Se os pilotos forem bem-sucedidos, Luft imagina inclusive a criação de um modelo de franquias para esses mini-CDs. Mas esse é um processo de mais longo prazo.

Hoje, segundo ele, o produtor “ainda dá muito valor à empresa que está entregando” e a ideia de terceirizar esse processo na ponta final da logística, depende de uma mudança cultural do setor, como já aconteceu na cidade.

Além disso, lembra, no agro tem questões de legislação e de segurança, pois muitos dos defensivos, por exemplo, são produtos controlados. “Mas são barreiras que vão sendo superadas com o tempo, de uma ou outra maneira”, pondera.

Além do insumo

A profusão de ideias prossegue, sempre com foco na construção de um ecossistema com potencial, na visão dele, de causar uma disrupção no varejo de insumos para o agro.

A Agrega, sua empresa de soluções para o chamado “full commerce”, já trabalha em uma nova frente, que deve ser implantada em breve com o lançamento de uma plataforma de e-commerce desenvolvida para a CCAB.

Além da comercialização dos insumos agropecuários, a plataforma deve ter uma barra no rodapé em que os clientes terão acesso a um marketplace “de produtos que vão para a fazenda mas não são defensivos ou fertilizantes”, segundo define Luft.

Ali estarão plugadas, por exemplo, indústrias de pneus, baterias, filtros para motores, entre outros produtos. “A regra é sempre da indústria para o produtor”, explica.

Segundo o empresário, ao comprar um pneu para um trator direto da fábrica o produtor poderia pagar valores de 30% a 40% mais baixos do que no comércio tradicional.

“Com isso, a indústria vai aumentar a margem dela, a gente vai ganhar uma parte, uma revenda que fatura a compra ficaria com uma parte, o produtor vai comprar mais barato e ainda vai gerar tráfego para a página do nosso cliente”, argumenta Luft.

Outra vantagem para a operadora de logística, na visão dele, é que esse tipo de operação tem potencial de reduzir os efeitos da sazonalidade do agro sobre os seus negócios, que tem picos em momentos específicos da safra, mas fica ociosa na entressafra.

“A gente começa a deixar nossa rede mais cheia o ano inteiro e passa a ter um ecossistema que vai se retroalimentando, uma coisa gerando dinheiro para a outra”.

Antídoto aos genéricos

Por qualquer ângulo que olhe, Luft vê a conta fechando. Seu argumento de venda dos novos serviços é que a agregação de valor é fundamental com a tendência de comoditização dos insumos agrícolas.

Ele afirma que já assistiu o mesmo processo na indústria farmacêutica – outra vertical importante dentro dos negócios da Luft –, que foi transformada pelo advento dos medicamentos genéricos.

Nos últimos anos, a entrada de fabricantes de insumos químicos pós-patente no mercado, sobretudo vindos da China, já está causando impacto semelhante no mercado do agro.

“A gente recebe na Luft pelo menos uns três ou quatro chineses por semana. É um aqui em Alphaville, um lá em Luís Eduardo Magalhães, outro em Marabá...”, diz. “O mercado está se transformando muito rapidamente e quem está olhando só pra molécula vai sofrer”.

Para Luft, o que vai diferenciar um genérico do outro é serviço, que consiste em “fazer o que o cliente quer na hora que ele quer, quando ele quer”.

Segundo ele, o investimento em uma logística mais eficiente e diferenciada pode agregar algum custo à operação, mas, em troca, representar a fidelização de um cliente cada vez mais assediado por uma concorrência feroz.

“A logística no mercado de defensivos, na média, é um negócio que custa de 2,5% a 3% do valor do produto”, diz. “Para criar um super serviço, você vai gastar mais 1%. Então, o 3,5% é um negócio que está posto, não tem jeito. O produto tem que vir de algum lugar, tem que chegar em algum lugar”.

Luft repete a ideia de que, em outros segmentos, o consumidor já demonstrou estar disposto a pagar um pouco mais por um serviço de maior qualidade, que lhe traga segurança e comodidade. E que, se isso ajuda a gerar negócios a toda a cadeia, talvez esse custo final nem chegue até a ponta, já que um ecossistema integrado pode entregar economias vindas com o ganho de eficiência.

O neto de caminhoneiro sabe que, no seu negócio, é preciso acelerar e entregar e isso vale para o ecossistema que pretende construir.
“O Objetivo é fazer com que acelere, porque vai gerando negócio pra todo mundo. Nosso cliente ganha mais, a gente ganha, o mercado ganha. E no final tem um produtor mais bem atendido e comprando barato. Isso é imbatível. Não tem como voltar para trás”, conclui.

Resumo

  • Luciano Luft, CEO da Luft Logistics, quer aplicar no agronegócio um modelo logístico eficiente inspirado na Amazon
  • A Luft investiu R$ 30 milhões em cinco startups, incluindo a Agrega, responsável por criar plataformas digitais como a Amaggi On
  • O plano inclui descentralização de estoques, centros de serviço regionais e mini-CDs que prometem entregas em até seis horas