Não é novidade para ninguém que o agronegócio brasileiro depende intensamente de crédito para operar. Com uma presença cada vez maior de startups, fintechs, cooperativas de crédito, bancos no geral e de empresas da Faria Lima nesse universo, a questão deixou de ser “se” o agro precisa de crédito, mas sim em como destravar esse fluxo e atender o setor, que é muito pulverizado, em sua plenitude.

Um estudo da consultoria L.E.K. Consulting, enviado com exclusividade ao AgFeed, mapeou esse ecossistema e apontou algumas soluções para desatar esse nó. Em resumo, uma presença física próxima aos produtores, sem deixar de lado as novas tecnologias que facilitam a análise de crédito é o segredo para atender o setor.

Nos cálculos da companhia, 80% dos custos de produção do agro são financiados por terceiros. A L.E.K. levantou dados do Banco Central, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA) e, considerando apenas o custeio da safra, constatou que 100% dos produtores dependem de dinheiro captado com outras empresas.

“É uma jabuticaba brasileira”, afirma Eric Emiliano, sócio da L.E.K. Consulting responsável pela prática de agronegócio na América Latina, em entrevista ao AgFeed.

“Praticamente nenhum outro lugar do mundo tem o custeio tão financiado quanto o Brasil. E, dentro desse modelo, temos o barter, que também é algo muito específico daqui, com uma escala que não se vê em outros mercados.”

Essa peculiaridade ainda transforma boa parte da cadeia de suprimentos — revendas, fabricantes de insumos, empresas de máquinas e tradings — em uma espécie de instituição financeira.

“Todo mundo que está nessa cadeia, no Brasil, tem que lidar com uma parte do negócio como se fosse um banco: analisar crédito, risco, criar mecanismos de proteção”, explica.

A L.E.K. Consulting mapeou quatro pilares fundamentais para destravar o crédito agrícola para os produtores: capilaridade, relacionamento, funding e análise de risco.

A consultoria foi fundada em 1983 e atua globalmente com 27 escritórios pelo mundo. A empresa atua prestando serviços relacionados a projetos estratégicos e M&As. O portfólio de clientes no setor agro, que a consultoria prefere não abrir, envolve grandes empresas nos segmentos de revendas, multinacionais de insumos e as tradings globais do chamado ABCD.

Para chegar nos quatro itens, Emiliano cita que a L.E.K. realizou, nos últimos anos, cerca de 2 mil entrevistas com agricultores pelo País.

A capilaridade é o primeiro e principal pilar apontado pela consultoria: o Brasil é um país muito grande que traz dificuldades de presença em todos os estados, que também têm dinâmicas regionais muito diversas entre si.

Dessa forma, as cooperativas de crédito saem na frente. “O Sicredi, por exemplo, alavancou sua presença em áreas agrícolas para expandir fortemente sua oferta de crédito nos últimos anos”, diz Eric Emiliano. A cooperativa afirma ter mais de 2,8 mil agências, em mais de 2,1 mil municípios, sendo o único agente financeiro com presença física em mais de 200 cidades.

Segundo ele, sua estrutura física bem distribuída e enraizada em comunidades do interior é um diferencial.

O Banco do Brasil, que já tem essa estrutura há décadas, também se destaca nesse pilar, e se posicionando, segundo Emiliano, na frente dos outros “bancões” como Itaú Unibanco, Bradesco e Santander.

“Eles são muito bons no funding e vêm melhorando muito a análise de risco no agro. Na capilaridade e no relacionamento ainda estão avançando. O Itaú começa no agro pelo topo da pirâmide, mas hoje já tem centenas de gerentes focados no agro. O Bradesco cresce com gente no campo e novos produtos como E-agro e agora com parte do Banco John Deere”, disse o sócio da L.E.K.

As novas iniciativas dos bancos, além de aumentar a capilaridade, também ajudam a destravar o pilar da confiança com o agricultor. Nesse pilar, que é talvez o principal foco de atenção para destravar ainda mais o crédito agrícola, as agfintechs ainda correm por fora.

Eric Emiliano cita que essas empresas nascem com uma proposta de valor baseada na tecnologia e avaliação de risco, pilar que elas se destacam, mas fica atrás na presença no campo e, consequentemente, no relacionamento e confiança dos produtores.

“Estar em todo lugar digitalmente não é o mesmo que ter capilaridade real”, observa. E como companhias como Agrolend, TerraMagna, Sette, Traive Finance, Agrotoken e Farmtech podem ganhar esse espaço físico? Segundo Emiliano, por meio de parcerias.

Ele cita o modelo de negócio de corretoras de investimento, como XP e BTG Pactual, que criaram a figura do agente autônomo, como algo a ser seguido por essas fintechs.

“Da mesma forma que um investidor não quer fazer um grande aporte sozinho e de forma 100% digital, o agricultor é da mesma forma tomando crédito, só que essa relação é ainda mais extrapolada”.

Utilizando a tecnologia como parte do negócio, ele acredita que essas startups podem crescer no mapa através de parcerias com empresas já consolidadas no setor, como cooperativas, tradings e revendas.

Com isso, a L.E.K. acredita que o verdadeiro salto de qualidade nas fintechs virá quando a capilaridade alimentar os modelos analíticos — ou seja, quando dados do campo, coletados por gente que conhece a realidade local, forem incorporados de forma estruturada aos sistemas de decisão.

Somado à dificuldade geográfica, ele cita que a L.E.K. já mapeou, em outro estudo, que o nível de satisfação dos produtores rurais com múltiplas ferramentas digitais é baixo. “Tem um monte e ele não gosta de quase nada, com exceção ao Whatsapp”, resumiu.

No quesito funding, além dos grandes bancos, com bases amplas de clientes, Emiliano cita que as cooperativas de crédito também não enfrentam problemas, pois já são instituições financeiras reguladas.

As agfintechs, por exemplo, sofrem mais por não terem essas licenças muitas vezes, e precisam fazer parcerias com securitizadoras, assets, ou criando Fiagros ou então, se embrenhando no universo da tokenização de recebíveis.

“Instituições que conseguem combinar um custo de capital eficiente com estratégias eficazes de alcance aos pequenos e médios produtores têm maiores chances de sucesso”, conclui o estudo.

Resumo

  • Estudo da L.E.K. Consulting mostra que capilaridade, relacionamento, análise de risco e funding são os pilares para destravar o crédito
  • Com presença física e confiança estabelecida, cooperativas de crédito e o Banco do Brasil são quem melhor atende às necessidades do campo
  • Assim como agentes autônomos da XP e BTG, startups do agro podem ganhar escala física por meio de parcerias com tradings, revendas e cooperativas