A produção recorde de milho segunda safra e a abertura recente do mercado chinês ao DDG brasileiro podem trazer novo ânimo na indústria de etanol.

É claro que as empresas do setor seguem investindo e as perspectivas futuras permanecem muito promissoras. Mas recentemente algumas das grandes produtoras de etanol de milho têm dado sinais de que o momento é de uma certa “pausa”.

A FS, por exemplo, falou em “azeitar a máquina”, em entrevista ao AgFeed, para só depois pensar em retomar o plano de abrir uma nova usina em Querência (MT). Já a Inpasa, que está inaugurando este ano uma usina em Balsas (MT) e abrirá outra em Luís Eduardo Magalhães (BA), agora diz que “não é o momento para novos investimentos”.

O cenário, porém, começa a melhorar. Um dos fatores é a safra abundante de milho em Mato Grosso, com chance de ultrapassar 50 milhões de toneladas, já que o clima vem ajudando. É mais oferta de matéria-prima e menor risco de pagar muito mais caro pelo grão.

De outro lado, o setor recebeu este mês a notícia positiva da abertura do mercado chinês para o DDG, produzido aqui. A sigla que vem do inglês - Dried Distillers Grains – dá nome ao produto resultante da fabricação do etanol de milho, quando o amido vira biocombustível, mas é gerado também o material altamente proteico, bastante usado como ração, globalmente.

“É uma notícia muito boa. Nas últimas semanas, nós temos recebido algumas delegações de empresários chineses interessados já no mercado do DDG. Acho que, obviamente, essa questão do contexto internacional de guerras tarifárias e principalmente da situação entre China e Estados Unidos acaba influenciando”, avaliou Giuseppe Lobo, diretor executivo do Bioind MT, que representa as indústrias de bioenergia de Mato Grosso, em entrevista ao AgFeed.

O otimismo tem uma razão clara. Os chineses compram 7 milhões de toneladas de DDG por ano. Em Mato Grosso, maior produtor nacional, a previsão é produzir na safra 2025/2026 um total de 2,9 milhões de toneladas do produto. Ou seja, dá para seguir ampliando a aposta, de olho no comprador asiático e não apenas na demanda da pecuária brasileira.

No Brasil, a produção de DDG para a safra que começou em abril e vai até maio de 2026 está sendo estimada em cerca de 5 milhões de toneladas, segundo a União Nacional do Etanol de Milho (Unem). O País já exporta DDG, mas o volume ainda é pequeno, abaixo de 1 milhão de toneladas.

Na visão de Giuseppe Lobo, Mato Grosso será beneficiado. “Continua acelerando, a gente continua produzindo mais, tendo o mercado para o DDG certamente vai gerar rentabilidade para a indústria também e vai criar um incentivo para esses investimentos”, afirmou.

Ainda em 2025, devem entrar em operação duas novas plantas de etanol de milho no estado. Uma delas é a usina da empresa Agrícola Alvorada, em Canarana (MT). A unidade recebeu financiamento via BNDES, de R$ 500 milhões e terá capacidade para produzir anualmente até 222 mil metros cúbicos de etanol, 147 mil toneladas de DDG e 8 mil toneladas de óleo bruto.

Também está prevista para começar a operar ainda este ano uma das usinas da RRP, de Joci Piccini, que na primeira fase vai processar mil toneladas de milho por dia, em Tapurah (MT), como já mostrou o AgFeed.

Segundo Lobo, a perspectiva é que, nos próximos 10 anos, Mato Grosso supere a marca de 80 milhões de toneladas de milho. “Então, obviamente, tendo matéria-prima é um grande incentivo para que a gente continue processando e transformando em etanol”.

A produção de etanol em Mato Grosso aumentou 17% na safra 2024/2025 em relação ao ciclo anterior, chegando a 6,7 bilhões de litros, sendo 80% etanol de milho e o restante vindo da cana-de-açúcar. Na safra 2025/2026 a previsão é atingir 6 bilhões de litros somente de etanol feito de milho e mais 1 bilhão de litros feito a partir da cana.

A Bioind MT, em parceria com o governo estadual, vem agilizando negociações para que os primeiros negócios com os chineses sejam fechados com celeridade, inclusive recebendo delegações nas últimas semanas e assinando um protocolo de cooperação.

“Eu acho que realmente o interesse da China é concreto e é imediato. Acho que a gente já tem sim capacidade este ano de fazer embarque do DDG para a China”, afirmou Lobo.

Neste cenário, o AgFeed apurou que algumas empresas voltam a fazer contas para decidir se tiram da gaveta alguns projetos de expansão, até mesmo em usinas que já estão em operação

“Tem algumas perspectivas em relação a outras usinas que ainda não foram anunciadas, mas que internamente a gente tem conversado e que podem vir anúncios nos próximos meses”, admitiu o executivo.

Ele pondera as últimas duas safras com produção menor de milho e a taxa de juros atual em patamar elevado são fatores que prejudicam os investimentos.

“Mas havia um pouco de incerteza em relação ao que fazer com o DDG. Então, criar um mercado para o DDG, é um passo importante para entrar na questão de novos investimentos. Quando a usina se instalar, ela vai incluir o DDG nessa equação e ver se vale a pena fazer o investimento”, acrescentou.

DDG ajuda, mas nem tanto

As negociações para ampliar mercados globais para o DDG brasileiro, desde 2022, vem sendo lideradas pela Unem, entidade que representa o setor de etanol de milho no Brasil.

Em entrevista ao AgFeed, o presidente da Unem, Guilherme Nolasco, disse não acreditar que o DDG sozinho seja capaz de acelerar projetos que estariam “pausados”.

“O cenário de juros altos, muita oferta de etanol no mercado, com projeção de adicionar mais 5 bilhões de litros nos próximos anos, realmente deu uma retraída nos novos projetos”, admitiu ele.

De qualquer forma, Nolasco ressalta que diversos investimentos expressivos seguem assegurados como várias usinas que entram em operação entre este ano e o próximo citando iniciativas como a 3tentos, em Mato Grosso, e a Tocantins Bionergia, em Tocantins, ambos com investimentos acima de R$ 1 bilhão, além da Coamo no Paraná.

Estimativas de mercado apontam para um total de R$ 20 bilhões que serão investidos no etanol de milho nos próximos anos.

“É lógico que a abertura da China traz um conforto, mas o DDG representa 20% do faturamento”, ponderou Nolasco.

Ele vê como efeitos mais imediatos a sustentação dos preços do DDG no mercado interno, mas acredita que a decisão das empresas envolve questões mais complexas, como a própria discussão de aumentar o percentual de mistura de etanol à gasolina, que segue indefinida.

O presidente da Unem contou ao AgFeed que essa semana já foram realizadas reuniões para iniciar o processo de habilitação das empresas interessadas em exportar para a China, junto ao Ministério da Agricultura.

A expectativa de Nolasco é que no prazo de “90 dias” já seja possível fazer o primeiro embarque. “Vamos trabalhar para isso”, disse ele, sem revelar qual seria o volume inicial.
É possível que cerca de 15 empresas se habilitem para vender aos chineses.

Para decidir pela construção de novas usinas, no entanto, ele reforça que “precisa de financiamento”, embora admita que o DDG “pode ajudar”.

No curto prazo, Nolasco acredita que o cenário mais factível é a busca de agregação de valor por parte das empresas “naquilo que elas já têm”, como o que vem ocorrendo na própria FS, ao investir na captura de carbono e nas possibilidades do SAF (combustível de aviação) nos Estados Unidos, que poderia demandar etanol brasileiro.

Resumo

  • Abertura do mercado chinês ao DDG anima o setor, com expectativa de exportações já em 2025 e potencial para impulsionar a rentabilidade das usinas
  • Investimentos seguem cautelosos, devido a juros altos e excesso de oferta de etanol
  • Empresas avaliam projetos de expansão, mas muitas ainda mantêm planos em espera