Ribeirão Preto (SP) - “É minha primeira feira com a Grunner”. José Reche fala com entusiasmo de novato, mas é um veterano de Agrishow. Literalmente vestindo a camisa da empresa em que atua há menos de um ano, ele estampa, além da logomarca da empresa que agora representa, a também a famosa “estrela” de três pontas da Mercedes-Benz, sua antiga casa em outras tantas edições da maior feira de tecnologia agrícola da América Latina.
Criadora de uma nova categoria de veículos agrícolas, que combinam características de máquinas e caminhões – ou smart machines, como a empresa batizou – a Grunner mantém uma parceria estreita com a montadora alemã – cujos chassis sustentam as inovações desenvolvidas pela empresa da família Belei, os produtores rurais que, para resolver o problema de pisoteio nos canaviais, criaram uma família de caminhões de transbordo com largura de eixos e suspensão.
A Grunner hoje é uma indústria original, não apenas pelas inovações que tem trazido para diferentes operações nas lavouras, mas pela forma ousada como, mesmo com sua origem modesta em Lençois Paulista, no interior de São Paulo, chamou a atenção e até confrontou gigantes do mercado global de caminhões e máquinas agrícolas.
Com mais de três décadas de serviço à Mercedes, Reche - agora COO e diretor comercial da empresa - conhece de perto essa história. “Eu fui uma das pessoas que estava do lado de lá quando a família Belei teve esse grande insight, esse grande momento de disruptura”, conta.
“Desde o início eu sempre acreditei no projeto e foi muito bom a Mercedes ter acreditado no projeto. E aí, depois de 32 anos e meio de Mercedes, no ano passado recebi o convite da família Belei pra assumir a operação e o comercial. E topei”.
Agora “do lado de cá”, uma das primeiras missões de Reche na sua estreia como Grunner na Agrishow foi agir como guardião da propriedade intelectual da companhia.
Em janeiro de 2024, o AgFeed contou com exclusividade que, protegido por patentes então recém-concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), a empresa enviou notificações extrajudiciais a concorrentes como Volkswagen, Scania e Volvo após identificar, em equipamentos dessas montadoras, elementos considerados “cópias fieis” de suas inovações.
Agora, pouco mais de um ano depois, Reche aproveitou as primeiras horas de Agrishow para colocar sua equipe a rodar estandes de concorrentes para uma nova verificação.
Segundo ele, nova decisão favorável do INPI, recebida no final de fevereiro, reforçou a posição da Grunner como dona de patente de inovação, válida até 2033, após recurso dos próprios concorrentes.
No final da manhã do primeiro dia de feira, Reche informou ao AgFeed: “Já identificamos dois casos de infração dessa patente. Isso foi comunicado aos nossos advogados, que estão vindo pessoalmente aqui para tirar foto e mandar para o INPI, mandar pra cá quem cabe de direito”.
A proteção do INPI, de acordo com a Grunner, envolve a a patente do cilindro do eixo, a patente de desenvolvimento que diz respeito as bitolas e a patente de utilidade.
O executivo não cita nomes, mas diz que “a concorrência está correndo um sério risco de vender e ter que recolher o veículo por conta das patentes”.
Em um ano que, segundo Reche, “tem sido difícil pra todo agro”, proteger seu mercado é ainda mais estratégico. O veterano novato reconhece que a empresa, mesmo com o posicionamento inovador, sentiu os efeitos de um comportamento mais arredio do produtor no que se refere a investimentos.
O antídoto, então, segundo ele, foi aproveitar o momento de mercado mais lento para acelerar a área de desenvolvimento.
“Foi um ano desafiador, mas de muita criatividade”, diz ele, citando especificamente o lançamento, em outubro, da chamada Série S de suas smart machines.
“A estratégia foi muito ousada”, diz. “Naquele momento em que o agro estava desacelerando por conta de vários fatores, principalmente macroeconômicos. Nós apostamos no lançamento porque entendemos que precisávamos de um fôlego para o mercado entender que a gente estava trazendo de novidade”.
Assim, a companhia organizou, pela primeira vez, o Gruner Day, em que recebeu potenciais clientes e revendedores para apresentar nada menos que 15 inovações, como melhoria de viragem dos transbordos, com um sistema novo do eixo de hidráulico.
“Testamos no nosso maior laboratório a céu aberto, que tem 6.500 hectares de plantação de cana, e apresentamos para os principais players do mercado da compra”, afirma ele, referindo-se às terras da família Belei.
“E isso nos deu uma guinada e no nosso primeiro trimestre já tivemos mais de 100 unidades vendidas”. Dessas, 89 são da nova Série S e as demais de outros equipamentos do portfólio.
Comparando com o primeiro trimestre de 2024, isso representa, de acordo com Reche, um crescimento na ordem de 70%.
“Não quer dizer que o ano terá um crescimento de 70%. O que acontece é que nós conseguimos, com isso, mostrar e antecipar a compra dos nossos clientes. Então, muitos que comprariam, por exemplo, na Agrishow viram uma oportunidade e anteciparam as compras”.
Como um movimento leva a outro, a preocupação da Grunner, então, foi não perder essa tração obtida nos últimos meses e chegar à Agrishow com algo novo a colocar na vitrine.
A solução, então, foi agilizar a complementação da série S apresentada no Grunner Day – “S vem de Super, vem de Speed”, diz Reche.

Então, o que se vê na feira são versões S de alguns de seus produtos já conhecidos, como o carro chefe da companhia, os veículos de transbordo ATR, usado no apoio das colheitadeiras nos canaviais.
Os entendedores entenderão: “As máquinas da série S têm um novo sistema hidráulico do eixo direcional, que proporciona uma maior viragem.
Com isso, o nosso raio de viragem ficou em 17 metros, aproximadamente, o que tornou a operação muito mais rápida, com melhor flexibilidade, menos manobra, ou seja, menos pisoteio, menos escapada de borda”.
Na mesma linha vêm o ASP-S, modelo com tanque de aspersão para distribuição de vinhaça, com versão de 20 mil litros, um distribuidor de sólidos (ADS-S) com capacidade 30% menor que os primeiros, que transportavam mais de 30 toneladas.
O peso da inovação
“A gente está atendendo o que o mercado pediu”. Na própria segunda-feira, por exemplo, a empresa revelou um equipamento que, no início da feira, estava coberto por uma lona preta: um transbordo com capacidade de 50 metros cúbicos.
Mais que o volume de carga, entretanto, o novo modelo traz, segundo o executivo, um dispositivo com sensores, batizado de Mirror Cam, que usa câmeras para aumentar a visibilidade do operador, eliminando ponto cegos.
E também “uma coisa que grandes usineiros estão pedindo cada vez mais por causa da lei da balança” um sistema de controle de peso no ato da colheita, já integrado no transbordo.
Aqui, a Grunner ataca uma das grandes dores do setor – a aferição dos volumes de cana entregues pelo produtor à usina, que, em última instância, é o que faz o preço da operação entre as duas partes.
Os dois lados aceitarão esse novo modelo, questiono Reche? “Esse é o desafio”, ele responde. “Nós estamos apresentando a solução e testamos na prática. O que a gente tem visto é a diferença entre o peso da nossa balança digital versus o peso da usina deu 1% de diferença. É calibragem nossa ou é calibragem da usina?”
Reche garante que a usina adorou o sistema, sobretudo porque, através dele, aumente o controle das operações por meio de telemetria, uma área em que a empresa promete manter trazendo atualizações e novidades em série.
Em breve, antecipa, o cliente da marca vai poder ver, de seu centro de operações agrícolas, o que e onde cada máquina está carregando. “A balança é extremamente necessária para i o futuro da telemetria, para o futuro da gestão, por isso tem que funcionar. Nós testamos três tipos de balança, achamos a que melhor coube no nosso segmento e estamos apresentando aqui”.
Outra coisa a companhia vem incorporando nas novas versões dos transbordos é o controle de pressão do sistema pneumático que controla o equilíbrio dos veículos na operação com grandes pesos e em terrenos ruins.
O “Smart Gruner”, apresentado como protótipo na feira, consegue, segundo ele, entender sozinho como está o transbordamento e qual é o desnível do chão e, assim, corrigir esse equilíbrio e evitando tombamentos, que não são incomuns em operações de campo.
Toda essa inovação é desenvolvida em laboratórios e com recursos próprios. Este ano a companhia já aportou R$ 10 milhões na área de pesquisa e desenvolvimento;
“E não queremos parar por aí. A gente brinca que tem 6.500 hectares de laboratório a céu aberto e 550 metros de área construída, coberta, para a nossa área de desenvolvimento”.
Essa área foi retirada de dentro da fábrica e levada para outro ponto mais protegido – novamente a defesa da propriedade industrial entra em cena – com acesso restrito e rigoroso controle de entrada e saída.
Mesmo abrindo mais espaço na unidade fabril, há um projeto de expansão para a construção de uma nova fábrica, hoje tratada por Reche como uma “intenção”, embora já exista um protocolo de intenções assinado com a prefeitura de Macatuba, município vizinho de Lençois Paulista, onde fica a sede da empresa.
A Grunner tem 46 mil metros quadrados de área disponibilizada para a obra, cujo cronograma provisório prevê obras e entrega para 2027. A companhia mantém uma agenda mensal para a prefeitura para reportar processos de desenvolvimento e explicar o andamento de cada fase do projeto, de forma a deixar claro que cumprem os requisitos necessários para a obtenção de benefícios municipais.
Qual o investimento? Reche justifica a resposta incompleta: “Temos um acordo com a prefeitura e só vou poder revelar depois que estivermos com todos os pontos alinhados com o município e também o governo de São Paulo, que também está atuante, está junto”.
O que adiantou ao AgFeed é que a ideia da Gruner, com a futura unidade, é ampliar a capacidade de produção de 380 unidades para 700 unidades por ano – ou seja, praticamente dobrando a produção.
A semente dos grãos
A Grunner nasceu e cresceu no meio dos canaviais, mas sabe que sua grande fronteira está mais ao norte do estado de São Paulo, nas regiões produtoras do Centro-Oeste e do Matopiba.
No ano passado, a empresa chegou a apresentar protótipos de máquinas voltadas para operações em lavouras de soja, mas pisou no freio após os primeiros testes e voltou para o laboratório, uma correção de rota.
“Nós revisitamos os nossos clientes e nessa revisita eles nos pediram algumas adaptações”, explica Reche. Segundo ele, esses ajustes foram feitos e no próximo Grunner Day, entre setembro e outubro próximo, os produtos serão reapresentados, já com um modelo pré-comercial.
“Digo pra você, o produto vai ser muito atrativo não só financeiramente mas também em capacidade de produção dele. As melhorias propostas pelos clientes foram muito rápidas e estão já colocadas aí nos protótipos”.
“Vamos revelar o que vem para o grão e também para a silvicultura”, promete. “Será um evento dedicado a isso”.
De acordo com Reche, a Grunner tem trabalhado em parceria com dois grandes players do segmento de celulose no desenvolvimento de smart machines específicas para o trabalho em florestas plantadas.
“A gente já tem um protótipo rodando aqui pertinho da gente e gente deve começar com outro protótipo ainda esse semestre com outro grande player”, adianta.