Indaiatuba (SP) - Depois de ter lançado o Reg.IA, um consórcio de agricultura regenerativa no ano passado – reunindo empresas como Bayer, BRF, Milhão, Agrivalle, Connect Farm e entidades como o GAPS – e colher importantes resultados de estoque de carbono no campo, a agtech Produzindo Certo vai lançar projeto semelhante nos próximos meses para a promoção da pecuária regenerativa, com a ambição de alcançar 100 mil hectares.

A ideia da agtech é lançar o novo consórcio em março ou abril deste ano, com foco em intensificação de pastagens. A informação foi antecipada com exclusividade ao AgFeed por Aline Locks, CEO da Produzindo Certo.

A intensificação de pastagens é uma estratégia que mescla diferentes técnicas, incluindo correção de solo, adubação e divisão do gado em piquetes.

Com uma lotação maior de animais, há mais produtividade na produção, diminuindo a pressão de desmatar florestas para abertura de novas áreas de pasto.

"Há também todo um manejo do solo para que as pastagens tenham mais vigor e você intensifique colocando mais gado na mesma área, com o pasto suprindo a alimentação dos animais", explica Aline Locks.

A metodologia do novo consórcio deve seguir modelo parecido ao estruturado pelo Reg.IA, em que os produtores têm práticas mandatórias e opcionais a cumprir.

"Não vai ser dentro da estrutura do Reg.IA, mas vamos seguir a metodologia, identificando práticas mais comuns e eficientes no que queremos de resultados que, nesse caso, vai ser a intensificação de pastagens", afirma Aline Locks.

Além disso, assim como no Reg.IA, em que empresas participam trazendo funding e prêmios para o produtor, a ideia é replicar esse modelo no novo consórcio.

Aline Locks prefere não revelar quais empresas serão parceiras do projeto. "Ainda não temos empresas formalizadas, mas estamos em vias de assinatura de contratos", diz.

Uma pista pode estar em um evento realizado na noite da quinta-feira, 20 de fevereiro, em Indaiatuba, no interior de São Paulo, para a apresentação dos primeiros resultados do consórcio Reg.IA.

Entre os presentes na plateia estava Fábio Dias, diretor de pecuária da Friboi e líder de agricultura regenerativa da JBS no Brasil, que fez alguns questionamentos à Produzindo Certo ao longo da apresentação.

Em rápida conversa com a reportagem do AgFeed, Dias disse apenas que compareceu ao evento para entender melhor como funciona o projeto do Reg.IA.

Os detalhes e números do novo consórcio ainda estão sendo finalizados, mas a Produzindo Certo planeja incluir inicialmente no consórcio 20 propriedades de Mato Grosso e Pará, que reúnem os maiores rebanhos do Brasil, com a meta de chegar a 100 mil hectares de pastagens.

A demanda por um consórcio focado em pecuária regenerativa existia desde o lançamento do Reg.IA, voltado para grãos.

"Já tínhamos a ideia de muito em breve formatar algo similar para pecuária. O pool de empresas trabalhando junto é catalisador e importante para a pecuária", afirma Aline Locks.

A diferença entre o Reg.IA e o novo consórcio a ser lançado está no fato de que a ideia é trazer também um provedor de crédito para financiar a transformação das pastagens.

"As empresas financiam a assistência técnica para o produtor, mas toda a implementação que o produtor precisa fazer, faz por conta dele. Só que ele precisa de recurso para adoção e operacional da propriedade e a gente quer trazer algum parceiro que valorize essas práticas", afirma Locks.

Primeiros resultados

A experiência positiva do Reg.IA, lançado em agosto do ano passado, pode ajudar a atrair empresas e pecuaristas para o novo projeto.

Ao todo, o consórcio de agricultura regenerativa conseguiu alcançar até aqui cerca de 37 mil hectares de área plantada de soja. O volume estimado de produção é de 160 mil toneladas da oleaginosa.

Os números vieram um pouco abaixo do que a agtech tinha previsto originalmente, de 50 mil hectares de área plantada e 200 mil toneladas de soja produzida.

"Não foi por falta de esforço e nem por falta de vontade dos produtores”, afirmou Charton Locks, diretor de operações da Produzindo Certo.

“A régua do Reg.IA não está no chão, de forma que qualquer produtor faz. Tem um nível de esforço, um nível de tecnicidade que precisa ser implementada porque o projeto não é de uma safra para outra.”

A agtech promoveu o evento na noite de quinta-feira na sede da Agrivalle, uma das empresas que participam do projeto, justamente para apresentar resultados técnicos e preliminares da iniciativa.

Por outro lado, apesar do volume menor de área plantada que o esperado no momento, a quantidade de propriedades que toparam entrar no programa foi até maior do que o previsto.

Inicialmente, a Produzindo Certo projetava 30 fazendas e conseguiu alcançar oito a mais, chegando a 38 propriedades. A agtech projeta ainda uma produção de 300 mil toneladas de milho.

O Reg.IA também trouxe resultados sólidos de melhoria de saúde de solo, que demonstram que a intenção do projeto, de promover boas práticas no campo, está trazendo bons resultados.

A qualificação das condições da terra é um dos pilares da agricultura regenerativa, beneficiando tanto a produção agrícola, ao aumentar a resiliência dos cultivos, quanto o meio ambiente, ao reduzir a intensa pegada de carbono deixada pela atividade agrícola.

Nas estimativas da agtech até o momento, feitas com a Connect Farm, empresa parceira do consórcio, a média de estoque de carbono dos talhões do consórcio Reg.IA é de 73,4 toneladas de CO2 por hectare na camada mais profunda do solo, de 30 centímetros.

Em uma média que considera as 10 fazendas com melhores resultados, chega a 106,9 toneladas por hectare.

Como hoje não existem no mercado muitos modelos de comparação, a Connect Farm utilizou como referência a base de dados da própria empresa, com 431 produtores espalhados por oito estados, e que tem uma média de estoque de carbono de 84,1 toneladas por hectare.

Além de ter conseguido bons resultados de estoque de carbono, o Reg.IA trouxe dados demonstrando que pode haver uma redução de utilização de insumos, trazendo menos custos ao produtor.

Com as condições atuais de solo, 91,1% das áreas participantes do consórcio podem ter redução na aplicação de calcário, 46,2% podem diminuir a aplicação de fosfato, e 21,1% podem reduzir a aplicação de potássio.

“A gente tem grande oportunidade de redução de custo, redução de investimento, redução de adição de insumos dentro dessas áreas, que trazem um benefício econômico e ambiental ao produtor”, afirmou Antônio Luis Santi, co-fundador da Connect Farm e professor da Universidade Federal de Santa Maria.

A Produzindo Certo se prepara agora para finalizar o ciclo do primeiro ano do consórcio.

A agtech está fazendo uma coleta de dados das propriedades nas próximas semanas para agregar as informações da colheita e fornecer, em abril, um laudo que permitirá aos produtores receber o prêmio em cima da soja que comercializaram.

Com esse documento, eles poderão ter acesso a um prêmio já garantido de pelo menos 2% sobre sacas de soja e milho adquiridas previamente por empresas apoiadoras do projeto, como a BRF e a Milhão.

Os produtores não são necessariamente obrigados a comercializar sua produção com essas empresas, mas têm a garantia de que as companhias vão pagar o bônus caso estejam em conformidade.

O projeto do Reg.IA previa, no ano inicial, que os produtores adotassem uma prática mandatória e escolhessem uma entre quatro práticas opcionais a serem desenvolvidos no campo.

Entre as práticas mandatórias para habilitar suas fazendas ao consórcio, os agricultores poderiam escolher entre mostrar que haviam feito plantio direto de cobertura em toda a fazenda nos últimos três anos para habilitar parte dos talhões ou optar por fazer plantio de cobertura em pelo menos 25% dos talhões no caso de trazer toda a propriedade para o consórcio.

Já as práticas opcionais passavam pela possibilidade de fazer adubação orgânica, com pelo menos 20% do volume de fertilizantes sendo proveniente de fonte orgânica; pelo uso de biológicos, com os produtores fazendo ao menos uma aplicaçãod e biológico na lavoura/safra; a redução de uso de pesticidas químicos, para que fosse abaixo de 20% da média nacional; e rotação de culturas.

A maior parte dos produtores optou pelo uso de biológicos, seguido por adubação orgânica, redução de pesticidas químicos e, por último, a rotação de culturas.

A partir da próxima safra, o projeto vai também aumentar seu grau de exigência, obrigando os produtores a escolher duas práticas opcionais ao invés de apenas uma.

Dessa forma, a ideia de Charton Locks é que os produtores consigam estar cada vez mais próximos de outros programas de agricultura regenerativa já existentes no mercado.

“Espero que com, dois anos, esses produtores talvez estejam aptos para qualquer programa de agricultura regenerativa”, afirmou.

O programa é gratuito para os produtores e não há previsão de mudanças para isso ao menos no curto prazo, segundo Charton Locks. “Talvez a cobrança possa acontecer no futuro, mas não vai ser agora no ano 2 do Reg.IA”.

Para o futuro, a ideia da Produzindo Certo é expandir o projeto, seja com mais empresas aderindo ao consórcio, seja com uma quantidade maior de hectares e produtores atendidos, além de culturas abrangidas.

Além da soja e do milho, Locks disse que row crops também poderão ser consideradas pelo consórcio no futuro, ainda que nada esteja definido. É o caso de culturas como sorgo, milheto e variedades de milho pipoca.

“Todas elas cabem bem porque, geralmente, no Brasil, são plantadas de maneira combinada com uma agricultura de soja ou de milho padrão. Entram dentro de um processo de sucessão ou de rotação que já acontece”, afirmou o diretor de operações da Produzindo Certo.

“Sem dúvida vamos tentar trazer mais empresas para o consórcio. O Reg.IA começou com essas empresas, mas não tem por fim ser um consórcio apenas dessas empresas. A gente precisa de mais cérebros, inclusive para nos ajudar a pensar: Como é que a gente melhora o protocolo? Quais são as melhores regiões?”, afirmou Charton Locks.

Hoje, o consórcio da Produzindo Certo está concentrado nas 38 fazendas localizadas em 20 municípios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, nos estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. "Nesta safra já podemos ter mais estados envolvidos", disse Locks.

O diretor de operações da empresa explica, contudo, que a ampliação de estados de atuação, quantidade de produtores e de volume de hectares depende do funding das empresas participantes do consórcio e da própria demanda das companhias.

“Quando uma empresa entra investindo no Reg.IA ou assumindo um compromisso de compra, a depender do momento que entra, consegue fazer indicação de produtores”, afirmou.

Locks cita o exemplo da BRF, uma das empresas que integra a iniciativa. “A BRF me falou: ‘Charton, gostaria muito que tivessem produtores no Mato Grosso do Sul, porque eu tenho uma unidade lá, é interessante porque facilita a minha compra e tudo mais’”. Ela entrou no início e nós habilitamos produtores de lá.”

Além da BRF, da Milhão e dos produtores, o programa reúne também a Agrivalle, companhia de biológicos que dá orientações sobre a utilização desse tipo de defensivo no campo, a Bayer, que traz ferramentas de mensuração do carbono, e do Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano (Gapes), que faz a pesquisa a aplicação de novos métodos e tecnologias agrárias no Cerrado.

A Produzindo Certo vai agora validar o projeto com empresas participantes e produtores para avaliar se há o interesse de continuar no consórcio que, no futuro, pode ultrapassar até mesmo as fronteiras do Brasil, pelo fato de a agtech já possuir presença em países como Argentina, Colômbia, México e Paraguai.

Charton Locks não descarta a possibilidade de atuação no futuro na Argentina, onde a agtech já possui uma base há cerca de quatro anos.

“A gente construiu o Reg.IA para ser latinoamericano, Precisamos dar esse passo. Possivelmente, a Argentina vai ser o primeiro país a ser alcançado. Não tem uma data fechada, mas gostaria que fosse na próxima safra”, afirma.

O repórter viajou a convite da Produzindo Certo.