Um movimento do empresário Rubens Ometto agitou o pregão da B3 nesta quinta-feira, 16 de janeiro. Como já era esperado, a Cosan, empresa que controla a maior parte de seus negócios bilionários, liquidou uma participação de 4,05% que detinha na mineradora Vale, levantando um total de R$ 9,1 bilhões.

Foi uma ação calculada para reduzir o endividamento da companhia, que pressiona suas contas e incomoda os investidores. E parece ter tido efeito, pelo menos imediato e parcial.

De acordo com o balanço mais recente da Cosan, a dívida líquida é de R$ 21,7 bilhões e a bruta de R$ 24,2 bilhões. Ou seja, a Cosan pode reduzir em até 42% o endividamento com a venda das 173 milhões de ações na Vale.

Assim, a notícia agradou analistas e investidores, resultando em uma valorização de 0,58% das ações da empresa ao longo do dia.

O ânimo não chegou, entretanto, aos papeis da Raízen, gigante sucroenergética que tem a Cosan como principal acionista, ao lado da Shell.

Com uma nova gestão desde novembro passado e cercada de dúvidas sobre como a empresa vai equilibrar um ambicioso projeto de construção de plantas para produção de etanol de segunda geração (E2G) com a necessidade de reduzir também sua alavancagem, eles mantiveram um roteiro de baixas que fez com que perdessem mais de 35% de seu valor nos últimos seis meses.

A explicação para a alta nas ações da Cosan pode ser vista no tom dos relatórios divulgados durante a tarde por analistas que acompanham a companhia.

Eles destacaram o esforço da companhia para usar os recursos integralmente na desalavancagem frente às seguidas altas na taxa de juros no Brasil.

Ometto, em nota sobre a operação desta quinta, havia reforçado essa intenção. “A Vale é um ativo extraordinário e confio muito na nova gestão. Entretanto, o patamar atual da taxa de juros nos obriga a reduzir a alavancagem da Cosan”, pontuou.

Da mesma forma, Marcelo Martins, CEO da Cosan, afirmou que a decisão foi “pragmática e estritamente financeira”.

“Considerando a atual taxa de juros no Brasil, ficou difícil apostar em uma valorização expressiva do mercado acionário. A Vale é um ativo de altíssima qualidade e muita liquidez, e a Cosan está em uma trajetória clara de redução de alavancagem”, completou.

Em seu relatório, Gabriel Barra, analista responsável por agronegócio, petróleo e gás no Citi Brasil, lembrou que, de fato, a Cosan já vinha avaliando a potencial venda das ações da Vale desde o segundo semestre de 2024. E saudou que tenha ido adiante com a ideia.

“Vemos a venda como um ponto positivo para a tese de investimento da Cosan, pois a consequente desalavancagem deve ajudar a empresa a enfrentar o cenário desafiador de taxas de juros mais altas no Brasil”, informou.

O Citi manteve a recomendação de compra da Cosan e tem preço-alvo em R$ 19 por ação da companhia, ante R$ 8,63 no fechamento do mercado.

Mas Barra também aponta riscos para a estratégia da companhia. Entre eles, lista os impactos do clima adverso e da queda de preços no mercado de açúcar e etanol, que afetariam resultados da Raízen, e o cenário adverso para soja e milho no curto e médio prazo, com impactos negativos para a Rumo, outra das empresas controladas pela Cosan.

Também Régis Cardoso e Helena Kelm, analistas de óleo, gás e petroquímicos da XP, fizeram uma avaliação positiva para a saída da Cosan da Vale.

“Acreditamos que o mercado apreciará a redução da alavancagem, embora esse desinvestimento fosse amplamente esperado”, relataram.

Os analistas da XP consideram as ações da Vale como “um ativo líquido (quase equivalente a caixa)”, e que a venda dos papeis não altera materialmente a capacidade da Cosan de cumprir suas obrigações de dívida atuais.

Por outro lado, destacam os analistas, a venda tem o benefício de reduzir o custo de carregamento dessa posição, já que o dividend yield - ou a porcentagem do valor do dividendo pago pela Vale sobre o preço da ação - está entre 7% e 8%, ante um custo de dívida de ao menos 15%. “Por esse motivo, consideramos esse movimento positivo”.

Régis Cardoso e Helena Kelm lembram que a Cosan ainda detém um “call spread equivalente a 1,43% do capital da Vale, que acreditamos que seja desfeito no futuro”.

Mau humor com Raízen

O mercado, aparentemente, aguarda notícias e ações efetivas também da gestão da Raízen antes de mudar seu humor em relação à companhia.

No pregão desta quinta, embora houvesse avaliações apontando que o movimento da Cosan teria o efeito de reduzir a pressão sobre a empresa sucroenergética, suas ações caíram de forma expressiva, fechando a R$ 2,01, uma desvalorização de quase 4%.

Na terça-feira, os papeis haviam atingido sua mínima histórica, em R$ 1,97. Em seguida, ensaiaram uma reação. Chegaram a ser negociadas a R$ 2,10 quando a venda das ações da Vale foi confirmada pela Cosan.

A partir de então, porém, deram nova guinada para baixo, diante da falta de menções à empresa no comunicado.

Os juros e a alta alavancagem da Raízen levaram a Cosan e a sócia Shell a iniciarem, no ano passado, um processo de reorganização, com a reavaliação de investimentos e a venda de ativos para reduzir o endividamento.

Para comandar esse processo, em outubro Ometto determinou a substituição de Ricardo Mussa por Nelson Gomes na cadeira de CEO.

Em 20 de dezembro, anunciaram a conclusão da venda de 31 projetos de geração solar distribuída para a Brasol, empresa que tem BlackRock e Siemens como sócios, por R$ 475 milhões.

A companhia tenta ainda vender a usina de açúcar e etanol localizada em Leme e até mesmo da participação na rede de lojas de conveniência Oxxo.

No dia 8 de janeiro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou a aprovação do financiamento de R$ 1 bilhão para a implantação da planta de E2G da Raízen em Andradina (SP).

No IPO da Raízen, em 2021, a companhia estabeleceu o plano de implantar 20 usinas de E2G até 2030. A Raízen já anunciou a construção de nove unidades e tem outras onze ainda em projeto. Duas dessas plantas de E2G já operam na usina Costa Pinto, em Piracicaba (SP), e na Bonfim, em Guariba (SP).

No entanto, as usinas têm tido atraso no prazo de entrega e os aportes nas unidades sofrem as mesmas altas nos juros que levaram a Cosan a se desfazer de ações da Vale para reduzir o endividamento.

No relatório sobre a Cosan, Gabriel Barra, do Citi Brasil, destacou de passagem “a tendência atual de reciclagem de portfólio na Raízen” e que a possível venda de uma participação na Compass - empresa de gás e serviços da qual a Cosan sócia - “podem contribuir ainda mais para esse processo de desalavancagem”.