Quem torce que o La Niña e o calor na metade Sul do Brasil possam ameaçar a super safra de soja – e quem sabe melhorar os preços - continua sem notícias significativas nesse sentido.
A prova disso foi a divulgação dos números do Rally da Safra, nesta quinta-feira. A expedição pelas lavouras de soja, liderada pela Agroconsult, reportou perdas de produtividade em estados como Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, mas ainda assim, chegou a elevar levemente a estimativa de safra que a consultoria havia feito no fim de novembro.
Agora o time de consultores prevê que a safra brasileira 2024/2025 de soja chegue a 172,4 milhões de toneladas, o que significa um aumento de 10,8% em relação à temporada anterior e 200 mil toneladas a mais do que foi previsto durante o jantar promovido pela Anec, Associação Nacional dos Exportadores de Cereais.
Com a colheita já iniciada em áreas de Mato Grosso e Paraná, apesar do ritmo mais lento em relação ao ano passado, diferentes consultorias de mercado vêm reforçando a expectativa de que o Brasil terá a maior safra de soja da história.
O Rally da Safra apontou cinco fatores principais que reforçam essa expectativa. Um deles é o recorde na área plantada com soja, que avançou 1,5%, chegando a 47,5 milhões de hectares. Praticamente todos os principais estados produtores aumentaram a área, especialmente o Rio Grande do Sul que escolhe entre milho e soja no verão, e acabou reduzindo a área destinada ao cereal.
O segundo fator foi o plantio bem menos conturbado em relação à safra passada e o terceiro é clima favorável que predominou até agora na maioria das regiões.
Outra constatação é que todos os estados terão produtividade acima da média dos últimos cinco anos. Mato Grosso, por exemplo, que é maior produtor nacional de soja, deve colher 63 sacas por hectare, segundo o Rally, ficando bem acima, das 53,1 sacas da safra passada.
Neste quarto item pesam até mesmo os estados com produtividade considerada “boa” ou “regular” pelos analistas. No Paraná, que é o segundo maior produtor de grãos do Brasil, algumas áreas chegaram a ficar 20 dias sem chuva nas últimas semanas. Ainda assim, a consultoria prevê que a produtividade no estado fique em 63 sacas por hectare, acima das 56,1 sacas do ano passado.
A pior condição está sendo observada no Rio Grande do Sul, que planta e colhe mais tarde. Lá mais de 70% das lavouras estão em estágio vegetativo e faltou chuva em regiões como Missões e oeste da metade sul do estado. Segundo a Agroconsult, a produtividade projetada até o momento é de 49,5 sacas por hectare, abaixo das 50,8 sacas do ano passado, período em houve prejuízo com as enchentes.
De qualquer forma, mais um quinto fator leva à expectativa de uma safra recorde. É a previsão de que as chuvas devem voltar para áreas que vem sofrendo com seca ou altas temperaturas na metade Sul do Brasil, inclusive Mato Grosso do Sul.
O AgFeed questionou o time da Agroconsult se uma possível piora nas condições climáticas do Rio Grande do Sul e da Argentina, não teria chance de causar uma grande quebra, como ocorreu na safra 2022/2023.
“O Rio Grande do Sul ainda pode perder mais. Agora, ocorrer igual ao que foi em 22/23, eu acho que não, porque a região do Planalto, por exemplo, ela tem uma condição muito boa. Os maiores problemas agora, eles estão na metade sul, que é uma região importante também, mas que já tem um histórico de quantidades mais baixas, uma condição do solo diferente”, explicou André Debastiani, coordenador do Rally da Safra.
Finanças dos produtores ainda preocupam
Uma das preocupações dos produtores de soja na safra passada foram as margens apertadas ou até negativas, especialmente naqueles casos em que houve quebra na produção por problemas climáticos. Esse cenário, aliado ao alto endividamento dos produtores, acabou contribuindo para um aumento no número de pedidos de recuperação judicial.
Para 2025, o sócio diretor da Agroconsult André Pessoa disse que a margem seguirá apertada, mas que a rentabilidade ainda pode mudar já que cerca de 50% da safra foi comercializada, ou seja, “ainda há muita soja para ser vendida”.
“Como a safra é muito maior em termos de volume, talvez tenha até mais soja ainda do que o ano passado, para compor essa rentabilidade, mas como a gente não tem muita volatilidade na soja agora, de 25, já dá para ter uma ideia de margem bem apertada, porque nós tivemos uma queda muito sensível de preços”, afirmou Pessoa.
Ele lembrou ainda que o produtor não contou com uma redução nos custos suficiente para equilibrar com a queda de preço.
“Mas por que a gente não vai ter uma margem pior ainda do que o ano passado? Por causa do câmbio”, ressaltou o analista. O dólar cotado acima de R$ 6 vem ajudando os produtores a obter melhores preços e assim aumentar a receita.
“Estamos tendo, na verdade, um resultado de margem melhor do que se esperava quando essa safra estava sendo plantada”, admitiu.
Outro fator positivo para melhorar a receita dos produtores é o fato de que nesta safra, a grande maioria, colherá bem mais. “A renda tende a ser melhor em relação ao ano passado, vai por conta da produtividade que está estimada até agora”.
Questionado sobre qual cenário esperar este ano no que se refere ao número de recuperações judiciais, André Pessoa disse que ainda é difícil saber. O fato é que, a quebra de safra, no ano passado, acabou sendo “o empurrão que faltava” para produtores que já estavam em situação financeira difícil. O cenário tende a ser diferente esse ano, neste aspecto.
“Agora, não é por esse motivo da gente não ter uma quebra de safra, a semelhança do ano passado, que a gente vai deixar de ter recuperações judiciais. Nós vamos ter recuperações judiciais, sim. Por isso que a margem continua baixa. Tem muita gente que ficou com o problema de 2024 para ser resolvido em 2025”, avaliou Pessoa.
Um ponto negativo nesse cenário é o custo de capital, que subiu bastante. “Isso, para quem está com uma alavancagem muito alta e uma baixa capacidade de gerar caixa, vai deflagrar novas situações de recuperação judicial. Não dá para dizer hoje que vai ser mais ou menos do que o ano passado, mas vai continuar tendo”.
Preço e exportação
No cenário de oferta abundante, a Agroconsult prevê que o Brasil exporte 105,1 milhões de toneladas de soja em 2025, o que seria um patamar recorde.
A consultoria diz que no ciclo encerrado em setembro de 2024 a China importou 112 milhões de toneladas. Para o próximo período, iniciado em outubro, calcula que a compra dos chineses pode cair para 108 milhões de toneladas. Ainda assim, acredita que o Brasil seguirá aumentando as exportações com mais vendas, por exemplo, para países do Sudeste Asiático.
Quanto aos preços, André Pessoa vê sinais mais otimistas somente para 2026. Um dos fatores seria uma possível migração dos produtores norte-americanos da soja para o milho, algo estimado entre 5% e 6%, já que o preço do cereal vem sendo mais atrativo nos EUA.
O CEO da Agroconsult também considera as políticas americanas que envolvem as matérias-primas para fabricar biodiesel importantes nesta possibilidade de recuperação. Porém, descarta mudança significativa no cenário baixista de preços, em função da sobre oferta de soja, globalmente.
“O cenário continua estruturalmente conservador, não temos razão para acreditar em recuperação de preços expressiva ao longo dos próximos meses, tem que torcer pra não cair mais”, afirmou.
A posse de Donald Trump nos EUA, na próxima segunda-feira, é outro fator que será observado pelo mercado, já que o novo presidente dá sinais de que poderá adotar tarifas no comércio com a China, o que mexerá com os preços da soja.
Pessoa, no entanto, ponderou que boa parte da safra americana já foi contratada e que o mercado a partir de agora se volta à oferta da soja da América do Sul, por isso vê poucos reflexos no primeiro semestre. Já na segunda metade do ano haveria mais chance de efeitos nos preços.