O comunicado aos funcionários foi feito na manhã desta quarta-feira, 15 de janeiro, na sede da Biotrop, em Vinhedo, no interior de São Paulo. Foi uma surpresa, mas não tão inesperada.
A partir de agora, a empresa de defensivos biológicos deixa de ter no comando o seu fundador e presidente nos últimos sete anos, Antonio Carlos Zem, um dos principais nomes do mercado brasileiro de insumos nas últimas décadas.
Assume em seu lugar o até então diretor de Estratégia e Inovação, Jonas Hipólito.
A surpresa é ver o inquieto Zem deixar o cotidiano das decisões da empresa. Seu destino é que, de certa forma, já era esperado.
O agora ex-CEO vai ocupar um cargo estratégico no board global do BioFirst, conglomerado belga, que comprou a companhia brasileira no em setembro de 2023 do fundo Aqua Capital, por cerca de R$ 2,8 bilhões.
Na época, a companhia europeia, que passou recentemente por uma reorganização, chamava-se BioBest. A empresa é uma das maiores do mundo em tecnologias biológicas e naturais, com presença em mais de 70 países e receita anual de 500 milhões de euros.
A reorganização da estrutura do grupo belga transformou a Biotrop em uma divisão da holding, agora com status global responsável pelo desenvolvimento e comercialização de produtos voltados para grandes culturas em todo o mundo.
Zem, assim, desembarca da cadeira de CEO, mas não dos destinos da Biotrop. No conselho da controladora, deve continuar contribuindo para o desenvolvimento da Biotrop e demais empresas do grupo, segundo comunicado distribuído nesta manhã pela companhia.
“É uma honra assumir esta posição em um momento tão promissor para a Biotrop. Pretendo fortalecer ainda mais o nosso propósito, promovendo avanços tecnológicos e entregando valores para os nossos colaboradores, clientes e parceiros”, afirmou Hipólito no comunicado.
Hipólito é engenheiro agrônomo, formado pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado em produção vegetal sustentável pela Montpellier SupAgro, da França, e com certificados em Marketing Strategy pela Cornell University e em finanças pela Universidade de Harvard.
O novo CEO terá uma missão dupla: entregar resultados aos belgas, continuando a rota de crescimento da Biotrop, que subiu de patamar sem parar desde que foi fundada por Zem, em 2018, e suceder um líder carismático e ativo na operação.
“Agradeço a toda a equipe da Biotrop pelo apoio e compromisso apaixonado com a inovação ao longo desses anos”, afirmou Zem, em nota.
“Tenho orgulho de tudo o que conquistamos juntos e ainda vamos conquistar. E confio plenamente que Jonas está preparado para levar nossa missão adiante, além de contar com uma equipe extraordinária ao seu lado
Bom vendedor, franco em tudo o que diz, Zem é uma figura conhecida no setor de defensivos, com mais de 40 anos de atuação na indústria.
Depois de trabalhar por três décadas na gigantesca FMC, onde chegou ao cargo de presidente da companhia na América Latina, ele fundou a Biotrop, em 2018, com a ideia de fazer algo "fora do convencional", em suas palavras, mesmo sob suspeição de alguns interlocutores.
"Quando me propus a montar a Biotrop, teve gente falou que não era possível", disse Zem em entrevista ao AgFeed no fim de 2023.
“Fui lá no Aqua, fizemos uma reunião e falei: ‘Vamos crescer de maneira exponencial’. Eles olharam e pensaram: ‘O cara é totalmente doido, não é só fama’."
Com um capitão experimentado no leme, a companhia pegou na hora certa a onda dos biológicos e cresceu rapidamente, logo chamando a atenção do mercado – sempre com uma ajudinha de seu CEO, verdadeiro promotor da palavra dos biológicos.
“Digo que o biológico vai ser maior que o químico em 2030. Ninguém me desafia. Eu adoraria, porque aí eu poderia levantar todos os problemas que a indústria química tem.”
A Biotrop se tornou uma "noiva cobiçada" por vários agentes do mercado financeiro e, em setembro de 2023, acabou firmando casamento com o então Biobest, hoje BioFirst, que comprou 85% das ações da companhia por R$ 2,8 bilhões, negócio que foi considerado um dos maiores M&As do segmento de insumos biológicos no País.
Zem já queria sair do cargo quando saiu a transação, mas os belgas da BioFirst pediram mais tempo.
“Pediram que eu ficasse mais uns anos”, afirmou ao AgFeed após a assinatura dos contratos. “Não era exatamente o meu plano, mas vou ficar."
Enquanto isso, a Biotrop seguiu em sua rota de crescimento. Zem chegou a projetar que, em 2024, a companhia alcançaria um faturamento quase bilionário, de R$ 930 milhões – os belgas haviam estipulado que a Biotrop devia aumentar seu faturamento em 50% em relação a 2023.
Para dar fôlego ao volume de faturamento, a empresa também seguiu anunciando investimento. Em agosto passado, anunciou que iria aportar R$ 100 milhões para erguer duas novas fábricas, uma em Curitiba (PR), e outra em Jaguariúna (SP).
O crescimento da companhia ao longo do tempo sempre foi ancorado pelo estilo único de Zem, que ele mesmo admitia ser diferenciado.
“Sou um CEO forte, agressivo, direto. Fujo do modelo convencional de CEO. Abraço cliente, beijo cliente, vou para o campo. Não fico só cuidando da matriz.", afirmou.
"Minha mãe me dizia: ‘não põe bistáculo, garoto’. Assim mesmo, ‘bistáculo’. Eu falo isso para minha equipe. Traz solução, me dá uma saída, vou te apoiar, vou dar recursos. Somos uma empresa rentável desde o ano 1."
Além de tocar a Biotrop, Zem também é produtor rural, com negócios no Nordeste brasileiro.
Em Pernambuco, na cidade de Petrolina, o empresário é sócio atuante em quatro empresas de produção de uvas sem sementes para exportação, prioritariamente para Europa, Estados Unidos e Argentina, com 120 hectares no total.
Em Balsas, no Maranhão, mantém 7 mil hectares para plantio de grãos em sociedade com Luis Fernando Felli, head global da Massey Ferguson.
Para não cair na contradição do velho ditado “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, Zem não é apenas um produtor e vendedor de biológicos, mas também um consumidor.
“Eu trabalho forte para ir, de uma forma crescente, diminuindo a carga química nas minhas próprias fazendas, afinal de contas eu tinha que dar exemplo. E se eu não achasse isso, eu tenho um patrão. E meu patrão é o supermercado europeu”, disse.
"Nas minhas fazendas, vejo na prática a variação climática, como as plantas estão sentindo muito o calor. Não se pode ser negacionista."
Por isso, ele também havia adiantado que iria criar um outro negócio em breve, de olho nas mudanças da fisiologia das plantas com o aumento das temperaturas e da intensidade de luz.
"Vou criar uma outra empresa para justamente abordar essa questão, coisas competitivas, naturais, que vão ajudar a planta a manejar esse estresse. Mas é coisa para falarmos mais para a frente", disse no fim de 2023.