Produtores, processadores e exportadores iniciaram, nesta terça-feira, 14 de janeiro, o desenho do Pacto de Conformidade Ambiental da Soja.

O documento, elaborado entre os três elos da cadeia, pretende ser um manual de referência em sustentabilidade para os negócios feitos com a oleaginosa no País e já é tratado no setor como um acordo ambicioso e complexo.

Nas próximas duas semanas, o grupo de trabalho deve elaborar o texto para ser apresentado em um novo encontro do setor. O documento deve prever desde as regras ambientais que produtores devem seguir para a produção sustentável até trazer uma assistência legal para que eles se regularizem.

Nos bastidores, representantes do setor ouvidos pelo AgFeed entendem que o pacto, se assinado, custará caro financeiramente e trará desgastes. Isso ocorrerá porque todos os elos da cadeia terão de pagar a conta da regularização. Produtores investirão recursos para regularizar suas áreas e o consórcio a ser criado terá de ajudar os que têm passivos a se regularizarem.

Tratado como um mutirão da legalidade, o pacto tem como um dos princípios criar um arcabouço legal privado para o comércio da soja. A proposta também surgiu como um caminho alternativo para substituir a chamada “moratória da soja”, acordo que desde 2008 define que tradings não comprariam o produto de áreas onde houvesse desmatamento.

“Estão sendo desenvolvidos os princípios, o planejamento e a infraestrutura tecnológica para dar suporte ao processo. Aos poucos, o documento vai sendo refinado até chegarmos a algo para dar uma acreditação do mercado à produção brasileira”, disse Thiago Rocha, consultor de relações governamentais da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil).

Ele adiantou, no entanto, que a entidade de produtores não assinará qualquer acordo com indústrias processadoras e exportadoras se a moratória da soja não for extinta.

Firmada entre a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), a moratória proíbe que as empresas comprem soja de áreas desmatadas a partir de 2008 e gerou insatisfação de produtores.

Dados da Aprosoja Brasil apontam que mais de 4,2 mil produtores rurais estão na “lista da moratória” nos estados do Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima. Eles são impedidos de vender às tradings signatárias da moratória e ficam sem acesso a financiamentos públicos. Os produtores alegam, no entanto, que cumprem o Código Florestal e que poderiam abrir áreas de floresta para o cultivo dependendo de cada bioma.

Em outubro passado, o governador Mauro Mendes sancionou a lei que corta incentivos fiscais do estado a empresas que estejam organizadas em acordos comerciais nacionais ou internacionais que ocasionam restrição de mercado, perda de competitividade do produto, ou obstrução ao desenvolvimento econômico e social dos municípios. É o caso da moratória da soja.

A aplicação da lei foi suspensa no final de dezembro, por liminar, no Supremo Tribunal Federal (STF) e o tema só deve ser julgado em fevereiro, após o recesso do Judiciário. Ainda em dezembro, a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) entrou com pedido de denúncia formal ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que o órgão investigue a conduta de cartel das empresas signatárias do acordo anti-desmatamento.

“O acordo final só vai avançar no momento em que a moratória for extinta. Até porque o assunto está sendo discutido no STF, no Cade e os próprios associados da Aprosoja não vão legitimar e aprovar isso”, explicou Rocha, da Aprosoja Brasil.

Procurada, a Abiove informou que não vai se manifestar sobre a reunião de hoje. Em nota divulgada após o último encontro setorial, há um mês, a Abiove informou que o “pacto que reúne produtores rurais, tradings e o Ministério Público Federal (...) respeitará integralmente a legislação brasileira vigente, ao mesmo tempo em que promoverá a produção sustentável de soja no Brasil”.

A Abiove destacou também “a importância da participação ativa de todos os atores da cadeia produtiva” e reafirmou “o compromisso com a transparência, a sustentabilidade ambiental e a valorização do setor agrícola brasileiro”.

No entanto, o Pacto de Conformidade Ambiental da Soja não será assinado por representantes do setor público, segundo o consultor da Aprosoja Brasil. “O grupo será privado, com parceria e orientação do poder público. Se colocar o poder público, o acordo fica engessado, enquanto queremos ser mais dinâmicos e dar respostas mais rápidas”, concluiu Rocha.

O AgFeed procurou a Anec, mas a entidade informou que não vai se manifestar sobre o encontro realizado nesta terça-feira.

Feliz Natal terá projeto-piloto

No encontro, realizado em Cuiabá (MT), foi definido que o município de ⁠Feliz Natal (530 km de Cuiabá) será a sede do projeto-piloto do Pacto de Conformidade Ambiental da Soja.

“O município foi escolhido durante nossa reunião por ser um dos que mais enfrentam problemas relacionados à aprovação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Então definimos exatamente por essa peculiaridade”, explicou a deputada federal Coronel Fernanda (PL-MT), que atua na tentativa de acordo no setor privado.

Também foi definido durante a reunião a consolidação de uma parceria entre a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA-MT), Aprosoja Brasil, Anec e Abiove para realizarem um diagnóstico da situação da regularização ambiental das propriedades rurais do município mato-grossense.

“Outro ponto definido no encontro é que após a elaboração deste diagnóstico, uma audiência com os produtores e a SEMA-MT será realizada para discutir os impactos do acordo na região. Nosso objetivo é que Feliz Natal mostre a viabilidade do pacto e que possamos derrubar de vez a moratória da soja, que tanto prejuízo tem nos causado ao longo destes anos”, informou a deputada federal.