Em novembro de 2023, o Grupo de Estudos Avançados de Aprimoramento do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária entregou ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, um estudo de 12 páginas.

O relatório sugeria uma detalhada reavaliação do modelo de gestão da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e uma reestruturação do modelo institucional vigente da estatal.

O grupo foi criado pelo próprio ministro, no primeiro mês de mandato, e tinha cinco notáveis como membros: o ex-presidente da Embrapa Silvio Crestana, os ex-ministros da Agricultura Roberto Rodrigues e Luís Carlos Guedes Pinto, Ana Célia Castro e Pedro Camargo Neto.

A principal sugestão era a descentralização no modelo de gestão da Embrapa, com poderes de decisão às unidades de pesquisa.

Pouco mais de um ano depois de as propostas serem entregues, nenhuma ação sugerida foi tomada. Enquanto isso, como mostrou o AgFeed na semana passada, a Embrapa seguiu em crise financeira e encerrou 2024 com um déficit de R$ 200 milhões e cortou novos projetos de pesquisa.

As unidades descentralizadas tiveram de agir por conta própria para cortar gastos e renegociar dívidas, mas não por sugestão dos notáveis e, no caso, para não paralisarem as atividades.

“Não tenho conhecimento do que fizeram com o relatório que entregamos ao ministro Fávaro. Nunca fomos informados se aproveitaram o resultado e a impressão que tenho é que ficou guardado em alguma estante”, relatou Camargo Neto, ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura.

“Acredito que, caso aproveitado, mesmo parcial, teríamos escutado seus reflexos. Uma pena. Da minha parte, considero a missão cumprida”.

Segundo ele, durante os meses de trabalho, os cinco membros conversaram com dezenas de pesquisadores e representantes do agronegócio e as respostas somente confirmavam o consenso do grupo.

No relatório, alertam que a proposta encaminhada difere da orientação do Conselho de Administração (Consad) da Embrapa.

Segundo o documento, a primeira premissa no processo de descentralização da gestão da Embrapa consiste em recomendar que a Diretoria Executiva adote medidas para delegar responsabilidades aos chefes das unidades descentralizadas e reduzir a ingerência da sede da estatal, em Brasília.

Com a descentralização, comitês ou grupos de trabalho seriam criados nas unidades para a tomada de decisões e os chefes teriam autonomia orçamentária e financeira.

“Constata-se a existência de um excesso de concentração de poder na sede, na forma de recursos, pessoal, avaliação de compras, processos administrativos, que reduzem a criatividade das unidades descentralizadas em particular, e da Empresa em geral”, relatam os membros do grupo no documento.

No mesmo paper é sugerido um amplo processo para desburocratizar os procedimentos na Embrapa, com a eliminação ou simplificação das normas.

Além disso, os membros do grupo de trabalho pedem a reavaliação dos procedimentos de gestão pessoal, a criação de um novo sistema de avaliação de desempenho e maior transparência na definição dos cargos de chefia, com mandato fixo e com uma única recondução.

O relatório pede ainda a reavaliação dos benefícios adicionais recebidos por ocupar cargos de chefia que representem custos e podem distorcer o equilíbrio profissional.

Reportagem do colunista Tácio Lorran, publicada no portal Metrópoles nesta segunda-feira, 13 de janeiro, mostrou que a Embrapa chegou a pagar salários de até R$ 1 milhão para funcionários com direito a uma licença especial.

Essa gratificação é dada aos admitidos na Embrapa até 24 de abril de 1998. O empregado pode usufruir dos dias de descanso ou converter a licença em dinheiro. Por ano, o gasto chegou a R$ 25 milhões.

Teletrabalho

O relatório também sugere uma menor rigidez do controle de frequência, com adoção de outras maneiras de garantir o cumprimento dos objetivos e metas dos colaboradores da Embrapa, inclusive incentivando o esquema de teletrabalho.

Reportagem publicada em dezembro pelo AgFeed mostra exatamente o contrário do sugerido: um memorando assinado por chefes-gerais de unidades da estatal pedia o fim do modelo híbrido de trabalho na Embrapa.

O AgFeed procurou desde a manhã desta segunda-feira o Ministério da Agricultura para informar os motivos de as ações sugeridas no documento não terem sido adotadas, bem como para uma avaliação do rombo nas contas da estatal.

O único posicionamento é que a demanda da reportagem foi recebida e que uma resposta seria dada assim que possível, o que não ocorreu até o momento.

Em entrevista realizada em 11 dezembro, o ministro Carlos Fávaro relatou, ao ser questionado pelo AgFeed, que o grupo de notáveis “fez um belíssimo trabalho de prospecção (...) falaram com os demandadores, com o público privado, estruturaram ideias e, baseado nos seus conhecimentos, escreveram o que consideraram a Embrapa do futuro”.

Fávaro afirmou que os integrantes do grupo de trabalho “mostraram um rumo para a Embrapa moderno e eficiente”. Disse ainda que pediu para a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, junto com o presidente do Conselho de Administração, Carlos Augustin, que o plano fosse implementado, o que estaria sendo feito "a passos largos”.

“Não é simplesmente uma descentralização, são medidas que fazem ela (Embrapa) ser mais eficiente, mais moderna e ter mais sensibilidade econômica para que possa seguir cumprindo esse papel para a agropecuária brasileira”, concluiu.

A presidente da Embrapa segue de férias desde o final do ano passado e não tem se manifestado. Augustin foi procurado pela reportagem e não respondeu aos pedidos de entrevista.