Nascido em Mineiros, Goiás, o advogado Edsmar Carvalho Resende, hoje um especialista em inovação no agro, pode até circular bem no ambiente da Faria Lima, mas as raízes de quem conhece o campo de perto sempre falam mais alto.
A família de Edsmar tinha propriedade em Rondonópolis, Mato Grosso, com presença até nas fronteiras mais distantes como em Confresa, no Pará.
Por isso, quando hoje avalia onde colocar os investimentos da gestora Tarpon 10b, diferentemente de profissionais formados essencialmente no mercado financeiro, ele não olha só para planilhas e números. Vai até a fazenda, conhecer a lavoura e a estrutura, a logística envolvida e até as pessoas que vão tocar aquele negócio.
A Tarpon 10b tem sob gestão R$ 800 milhões que foram “integralmente investidos na cadeia do agro e de alimentos”, destacou Resende, em entrevista ao AgFeed.
Ele fez a faculdade de direito em Londrina, mas lá mesmo começou a fazer especializações e direcionar a carreira para inovação, sustentabilidade e estratégia.
Foram estudos que envolveram desde o terceiro setor, com uma ONG de inclusão digital, passando por mineração, até que se aproximou do mercado financeiro e foi contratado por uma gestora (hoje a KPTL) e começou a prospectar novos negócios, passando a investir muito em agro e energia.
“Analisei mais de mil startups nesse período. Me aproximei do pessoal da Tarpon (que na época investia na BRF) e começamos a mostrar o que tinha de oportunidades. Alertei que já existia solução para muitos desafios que se levantam hoje”, contou Resende.
O desafio, segundo ele, sempre foi “conectar esses dois universos e falar a mesma língua, porque às vezes a língua de um não é a do outro”.
Ele brinca que grandes companhias, por exemplo, falam que querem fazer startups, “mas se elas mesmas tivessem que se submeter ao seu processo de suprimentos, não seriam cliente ou fornecedor de si mesma”, pelo tamanho da complexidade.
A Tarpon existe há 22 anos e já investiu R$ 30 bilhões ao longo desse período, sendo um terço no agronegócio.
A presença mais forte no setor veio com a criação da Tarpon 10b, em 2018. Edsmar Resende participou da fundação, com mais três sócios. O foco era agro, alimentos e natureza.
“A 10b surge numa visão dos 10 bilhões de habitantes que a gente vai ter (no planeta) em 2050. Se vamos ou não vamos, é outra questão, mas é como que a gente leva alimentos de forma saudável e sustentável para essa população”, ressaltou.
Do leite aos silos e suplementos vitamínicos
O primeiro investimento da Tarpon 10b foi na origem da Rúmina, plataforma digital para pecuária (softwares e soluções) com foco na pecuária leiteira.
“É a nossa plataforma de pecuária. Hoje a gente prepara a produção de leite, temos 8 mil fazendas como clientes e 15% do leite do Brasil passando em nossas mãos. E é tanto para grandes produtores como produtores menores. Mas dos 100 maiores, 75 são clientes nossos”, descreve Resende.
Em 2019, um segundo investimento importante ocorreu na Kepler Weber, tradicional empresa fabricante de equipamentos de armazenagem de grãos, hoje o chamado “pós-colheita”.
“Vimos um ângulo de oportunidade, porque naquele momento já existia o déficit de armazenagem, era um problema logístico grave no País, mas nenhum governo tinha admitido”, lembra o executivo.
Assim, a gestora virou acionista de referência da companhia por um período, ocupando uma fatia que antes era do Banco do Brasil e da Previ.
“O que era o faturamento (da Kepler) em 2019, em 2024 já é o Ebitda da empresa, veja o tamanho do crescimento”, afirmou.
É fato, porém, que o ciclo de commodities virou, com preços de grãos em patamares mais baixos e o produtor de soja, com menor rentabilidade, ficou menos propenso a investir.
No início de 2024, a Tarpon reduziu sua participação na Kepler Weber para cerca de 5%. Ao final de Novembro fechou um ciclo zerando a sua posição. No ciclo atingiu 35% de participação.
Edsmar Resende, no entanto, segue acreditando no segmento. “A armazenagem coloca 16% de receita líquida a mais para o produtor. Então não é só comprar terra”.
Em outubro de 2021, em Belo Horizonte, foi a vez da Seedz receber investimento, uma vertical software que ajuda a digitalizar a cadeia do agro em programas de relacionamento e inteligência da cadeia de ponta a ponta. Ela é liderada por Matheus Ganem e Daniel Rosa.
Em 2022, a Tarpon investiu na Rehagro, uma plataforma de educação e aprendizagem para o campo, que inclui teoria e também conhecimento prático.
Segundo o confundador da Tarpon 10b, hoje a Rehagro tem também consultoria, laboratório e pesquisa. “Em consultoria, temos fazendas em mais de 200 municípios, ou seja, eu tenho quase, vamos dizer, laboratórios a céu aberto em 200 cidades ao mesmo tempo”.
O investimento mais recente da 10b foi a True Source, uma empresa de vitaminas e suplementos para humanos, do Espírito Santo. Nela estaria o melhor índice de crescimento relativo neste último período, segundo o executivo.
“É uma tendência que o Brasil ainda está longe dos Estados Unidos, em termos de adoção, mas está num crescimento frenético”.
Na visão da Tarpon 10b, a True Source entra como “cadeia estendida do agro”.
“Um dos produtos mais vendidos é o whey, que é feito de leite, portanto está ligado com a cadeia do leite, é quase um subproduto, então eu olho muito também para essa parte de ingredientes”.
Aposta mantida pra os biológicos
Outro marco importante na história da Tarpon 10b tem a ver com o crescente e promissor mercado de insumos biológicos para a agricultura.
O principal investimento foi em 2020, quando a gestora adquiriu o controle da fabricante de bioinsumos Agrivalle, com sede em Indaiatuba, interior de São Paulo, por R$ 160 milhões.
Edsmar Resende contou ao AgFeed que, logo no início da 10b, em 2018, ele defendeu os investimentos em biológicos, mas que todos ainda viam com desconfiança.
“Eu disse vamos sim (investir), porque acompanhei o processo da venda da Bug para a Koppert e a Rizoflora para a Stoller. Tem mais de 13 anos que a gente já olhava o setor”, disse.
Ele diz que suas apostas seguem a tendência do “vir a ser” e não o “hype”, ou seja, aquilo que todo mundo está fazendo quase porque está na moda.
Neste aspecto, reforça que a Tarpon 10b descartou desde cedo investir em revendas de insumos. E era exatamente numa época de forte consolidação desse setor, com fundos de investimentos aportando recursos e criando gigantes como AgroGalaxy – empresa que entrou em recuperação judicial em 2024.
Nem todas as empresas do ramo, segundo ele, foram mal sucedidas. Resende elogiou o modelo da gaúcha 3tentos, “que é vencedor, tem uma questão ligada à originação”.
Em cenário onde a venda de insumos está ruim, a empresa origina mais e compensa, mas também não é só uma trading, por isso não fica frágil.
A Tarpon 10b, segundo Resende, tem uma “participação muito pequena”, na 3tentos.
“A Agrivalle veio muito nessa visão (do vir a ser) porque o setor, os players naquele momento, todos falavam só do MIP (manejo integrado de pragas), como se fosse uma vergonha ele querer ofender o cara do químico porque eu estou oferecendo o biológico. Hoje quem defende o MIP são as químicas. Então, o timing mudou e todo mundo está olhando”, afirmou.
Quando optou por investir na Agrivalle, Edsmar lembra que as pesquisas indicavam que de 20% a 40% do mercado global de defensivo se converteria para biológico.
O que está sendo feito hoje em biológicos, na visão dele, é apenas a ponta do iceberg. Adubação biológica tende a crescer ou categorias que nem existem hoje, como para trazer incremento nutricional para os alimentos.
“Eu, pessoalmente, no meu CPF, quero, nos próximos 30 anos, sempre ter um negócio de biológicos na minha carteira. Só que, como é que eu vejo? Vai ter mudanças, etapas, perfis diferentes. Então, a gente tem que estar sempre atento de o que o mercado está mudando agora e o que está pedindo. É mais renovação? É mais essa linha? Então, esse vai ser um ajuste”, ressaltou.
Perguntado sobre o “ajuste do agro”, que até nos biológicos foi capaz de desacelerar o crescimento das vendas, Resende disse que lá no início a expectativa era de que o setor cresceria 10% ou 14% ao ano.
O fato atípico teria sido o crescimento maior que isso, que foi influenciado por diferentes fatores, como por exemplo a quebra na cadeia de suprimentos globalmente com a pandemia, que fez o Brasil ter avanço de 40% ao ano, lembrou ele. “O biológico tinha um fornecimento local que não era dolarizado”.
A discussão sobre o uso on farm (biofábricas nas fazendas) também ajudou a popularizar esses produtos, na visão dele.
Ao mesmo tempo, houve um crescimento expressivo na produção de milho, principalmente para etanol, e o controle biológico se mostrou eficaz para o controle de um dos maiores problemas da cultura, a cigarrinha do milho.
“Agora chegou na ressaca. A gente talvez tenha tido os anos dourados mais dourados da vida do agro. Não se repetem tão facilmente, vai voltar para o normal. Só que aí você está tendo a pressão... estavam crescendo 40%, e agora estão crescendo 25%. Mas que setor ainda está crescendo 25%?”, indagou.
As últimas estimativas da CropLife têm sinalizado aumento nas vendas de biológicos em torno de 15%. Porém, segundo Resende, ainda é muito difícil ter dados exatos e abrangentes do setor.
Ele lembra que pesquisas de consultorias mostram um universo de 180 empresas, enquanto grandes entidades têm 16 associadas. Fabricantes relevantes como a Biotrop e a Simbiose não estariam em muitas dessas estatísticas.
“Você tem uma subestimação do mercado porque você tem uma cauda longa, gigantesca, de empresas até R$ 50 milhões (de receita), que estão espalhadas por um monte de lugar que a gente nem sabe, nem está computando. Então, na verdade, o mercado biológico é muito maior do que aparece”.
Resende estima que os biológicos no Brasil hoje já representem 15% do mercado de defensivos, algo em torno de US$ 1,5 bilhão. Mundialmente, ainda estaria em cerca de 7%.
Na visão do cofundador da Tarpon 10b, a “Faria Lima” ainda não conhece a dinâmica do agro, por isso nem sempre esse potencial gigante do setor se reflete na valorização das empresas, por exemplo.
Brinca mencionando o que chamou de “C22C” (cútis a 22 graus celsius) versus a “sola de sapato”, aqueles que realmente estão vendo o pé de soja.
“E se o agro é complexo, biológico é mais complexo ainda”, diz. Ele explica que as formulações são melhoradas ao longo do tempo, ficam mais eficazes, então fica difícil comparar produtos.
Sobre o futuro dos biológicos, Edsmar Resende acredita “na linha de multifuncionalidade”, com cada vez mais produtos que sejam não apenas um defensivo, por exemplo, mas também um bioestimulante, que gera mais produtividade.
A expectativa é que a regulamentação da nova lei de bioinsumos – sancionada em dezembro – possa dar clareza para essas questões, como produtos de dupla aptidão, porém o processo deve demorar pelo menos um ano.
“O marco legal do setor de bioinsumos é importante, mas ficamos seis anos discutindo muito no viés só de onfarm e esquecemos de outras coisas importantes. É bom que a gente virou essa página do livro, mas a gente na verdade está ficando para trás. Eu queria estar na manchete nos EUA para lançar primeiro bioinseticida com RNAi, e não estar falando só do marco legal”, disse Resende.
“Ficamos muito nessa briga do produtor poder dizer ‘eu posso’, mas não é só isso. Será que o produtor tem as melhores ferramentas? O produtor pode, mas não adianta você usar uma tecnologia que está ultrapassada”.
O executivo também defendeu a importância de o agro se comunicar melhor com seus diferentes stakeholders. “Não pensar que estamos nos anos 1980, em que eu choro e o governo salva. No financiamento, se ele faz o que ele fazia nos anos 1980, ele assusta a Faria Lima”.
Sobre os resultados da Agrivalle, especificamente, Resende admitiu que a meta de faturar R$ 1 bilhão em 2025 dificilmente será atingida. Mas diz que a empresa está à frente do que foi projetado na época do investimento. O mercado também amadureceu muito rápido.
“Em 2023 o mercado projetado para 2030 já foi alcançado. A gente vem mantendo a meta de ter um percentual relevante do faturamento sempre em cima de inovação, de lançamentos e geração de barreiras tecnológicas. Isso é importante para sustentação e diferenciação nesse mercado tão especial e em evidência”.
A empresa deve fechar com crescimento “acima de 25% em 2024, ele disse, mantendo o mesmo ritmo para 2025.
O que está “no radar” para 2025
O executivo da Tarpon 10b admite que o próximo ainda será “duro” do ponto de vista de crédito, não só par ao agro, para todo o setor produtivo.
“Ter muita eficiência, muito foco nos resultados. É importante tentar desalavancar essas coisas”, disse.
Ele ressalta, no entanto, que cenário como o atual é uma oportunidade para “testar um pouco das suas premissas e as convicções de linhas de investimento que você vem buscando”.
“Quando você tem macro-teses, pensando em premissas muito fortes, sólidas, mesmo que mude, ele não sofre tanto impacto, você continua fazendo isso, dá uma constância e uma certeza na sua caminhada. Então, a gente vai continuar olhando o agro, alimentos, natureza. Dentro da Tarpon 10b, como tudo, a gente também olha muito para a logística, para a energia, a gente olha para o agro muito forte, de uma forma muito mais ampla. A gente vai continuar olhando para isso”, explicou.
Entre os temas que estão no radar Resende diz que a “gestão de risco” está entre as prioridades. “Às vezes, tem um preconceito, principalmente no agro, de falar de mudança climática, de ESG, como se fossem pautas adicionais”.
Nessa linha, entram as oportunidades de economia verde, por exemplo, e tecnologias que aumentem a resiliência climática, o que reduz risco para o banco, para a seguradora, e para o próprio produtor.
“Logística também é um problema, é um gargalo em todos os sentidos, desde faltar armazém, faltar porto, faltar ferrovia, faltar caminhão, faltar software, faltar tudo. Então, eu acho que esse é um macro de longuíssimo prazo, de infra”, lembrou.
Nessa área, a Tarpon investe na nstech, uma plataforma de logística, que tem previsão de faturar R$ 1 bilhão, sendo 25% do agro.
A gestora também não deve ficar de fora da tendência, já comentada em 2024, de novos investimentos na área de sementes. “Alguns falam que está caro, mas eu acho que o valor certo é achar o ângulo”.
Resende diz que, na área de sementes, assim como na irrigação, a Tarpon 10b “não tem pressa”.
“Está tendo um monte de mudanças estruturais de culturas como cacau, citros, café. E uma das bases das mudanças é a irrigação, que a gente olha desde 2018, mas a gente não achou o ângulo. Mas é uma coisa que o radar sempre está ligado. Então, uma hora vai ter”.
Conta a favor da tese o fato de que a água é um grande ativo, que precisa ser usado cada vez mais forma racional. “A irrigação vai ser muito importante para as novas fronteiras das culturas que estão se deslocando nesse momento”.
No caso das sementes, a crença é de que os “insumos essenciais” ao plantio são a semente e o óleo diesel. “Então, o produtor hoje vê a semente, que é 10% do custo da soja, como um grande investimento na linha genética, o potencial produtivo”.
Resende diz que a semente entra na linha de adaptação à questão climática e que a irrigação ajuda a mitigar o risco, garantindo o mínimo de produtividade.
“Independente da tese, o fato é que os desafios continuam para 2025, especialmente pela taxa Selic elevada. Você tem que ter um negócio muito bom para fazer, se não qualquer dinheiro no banco rende mais. Esse é um dificultador. Você tem que levar projetos cada vez melhores e mais qualificados”.