A cada ano que passa, produtores rurais e seguradoras revivem seu dia da marmota, tradição norte-americana que ficou famosa no filme “Feitiço do Tempo”, de 1993, onde o personagem se vê preso ao reviver uma mesma situação repetidas vezes.

Nesse caso a falta de dinheiro para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) é a situação que se repete a cada ano.

O orçamento da União para o seguro rural já é feito com recursos aquém do que o setor produtivo pede e o Ministério da Agricultura e Pecuária se vê sem poder quando a área econômica precisa fazer contingenciamentos de despesas. Assim, as seguradoras acabam tendo seu poder de atuação limitado.

O quadro não foi diferente em 2024, com o agravante de fenômenos climáticos que afetaram diferentes regiões do País ao longo deste ano, das enchentes no Rio Grande do Sul no primeiro semestre às secas e queimadas que afetaram o Centro-Oeste e Sudeste na metade final do ano.

A Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) projeta que o seguro rural cresça apenas 0,5% em 2024, quadro bem diferente do fim do ano passado, quando a entidade estimava um avanço de 23,1%.

“Essa projeção tinha a ver com uma expectativa de uma ampliação da subvenção governamental para o seguro rural, o que acabou não acontecendo. E a própria execução do recurso disponível tem ficado bastante abaixo da expectativa”, afirmou Dyogo Oliveira, presidente da CNSeg, em entrevista coletiva em setembro.

Com a demora na execução dos recursos do PSR, até outubro, as seguradoras haviam arrecadado R$ 12,265 bilhões, queda de 0,2% em comparação com 2023. Já as indenizações somaram R$ 3,758 bilhões, queda de 2,5% em relação ao ano passado.

Neste ano, o orçamento total do PSR foi de R$ 1,15 bilhão. Em agosto, uma parte desse valor (R$ 210 milhões) foi destinada exclusivamente para apoiar a contratação de apólices no Rio Grande do Sul, após a enchente que atingiu o estado em maio.

Houve também um contigenciamento de R$ 52,9 milhões do PSR, dentro do plano geral de contigenciamento de despesas de R$ 15 bilhões elaborado pelo governo federal para conter o déficit primário.

Para Glaucio Toyama, presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), o seguro rural sofreu principalmente no primeiro semestre, com o desempenho afetado pelos eventos climáticos e menor confiança do produtor devido à queda dos preços das commodities.

No primeiro bimestre do ano, um levantamento da CNseg e da FenSeg indicou que as indenizações atingiram R$ 997,7 milhões aos produtores rurais, enquanto que a arrecadação com prêmio alcançou aproximadamente R$ 808,0 milhões no período, ou seja, o saldo foi negativo para as empresas.

“O grande impacto no ano de 2024, no primeiro semestre, se deve às operações de inverno. Houve uma redução na compra de seguros agrícolas de inverno por conta da expectativa favorável climática do produtor, por conta do impacto no Rio Grande do Sul, que é um grande produtor de trigo, e porque a confiança do produtor caiu, afetando também produtos como seguros patrimoniais”, afirma Toyama.

A Mapfre, uma das maiores seguradoras privadas do país na área de seguro rural, registrou uma queda de quase 30% na quantidade de prêmios de seguro agrícola devido às condições de mercado desfavoráveis.

“2024 foi um dos anos mais desafiadores em relação a entendimento do que tava acontecendo no mercado. Houve a queda do valor das commodities, que apertou a margem do produtor e houve uma redução da busca pelo crédito, o dinheiro ficou mais caro e isso trouxe uma boa redução na busca por contratação de seguros, principalmente os agrícolas”, afirma Fabio Damasceno, diretor técnico de Seguro Rural da Mapfre, ao AgFeed.

Por outro lado, Damasceno diz que houve um aumento da demanda por seguros patrimoniais, influenciado pelas catástrofes climáticas, mas ainda assim incapaz de conter a queda das apólices do agrícola.

“O patrimonial vai crescer um pouco, mas ele não é suficiente para a gente retomar esse espaço de prêmio que o agrícola deixou”, afirma.

Em 2023, a Mapfre fechou o ano em R$ 1,26 bilhão em prêmios emitidos, com uma alta de 10% em relação a 2022. Para 2024, a projeção é de que o número seja parecido com o de 2023, segundo Damasceno relatou à reportagem em agosto.

Com a expectativa de que a safra 2024/2025 seja mais positiva e com o subsídio repassado pelo governo aos produtores gaúchos, Glaucio Toyama, da FenSeg, diz que as seguradoras sentiram o mercado mais aquecido na reta final do ano.

“O mercado de seguros já está vendo um crescimento de contratação de milho safrinha em 2024 para 2025 bastante robusto, por conta da percepção de incremento de preço, redução de custos, e de certa forma, um pouquinho mais de margem por parte do produtor”, diz Toyama.

Para o ano que vem, a CNSeg projeta um crescimento de 6% no seguro rural e, dessa vez, uma alteração nas regras orçamentárias do governo pode beneficiar o setor.

No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, o programa de seguro rural entrou em uma linha de despesas que não poderão ser contingenciadas pelo governo, após um movimento do relator do PLDO, senador Confúcio Moura (MDB-RO).

O governo projeta destinar R$ 1,06 bilhão para o PSR no próximo ano, assim como tem feito nos últimos anos, mas o valor sempre acaba menor na versão final do orçamento.

Em 2024, por exemplo, o montante total passou de R$ 1,06 bilhão para R$ 964,5 milhões e, depois, para R$ 947,5 milhões.

Mudanças à vista

Além da possibilidade de estabilidade no valor da subvenção, o setor também espera a aprovação do projeto de lei nº 2951, que tramita no Senado e foi apresentado neste ano pela senadora Tereza Cristina (PP-MS).

A proposta sugere a alteração das leis 8.171/1991 e 10.823/823, que tratam das leis de política agrícola e seguro rural, respectivamente, e também projeta uma remodelação do Fundo Catástrofe, criado pelo governo federal pela Lei Complementar nº 137, de 2010, que nunca chegou a operar de fato.

Nas leis de política agrícola e seguro rural, a senadora propôs que o PSR seja enquadrado nas Operações Oficiais de Crédito, sob administração do Tesouro Nacional, tornando-se uma despesa obrigatória do governo.

Dessa forma, os recursos do seguro rural não poderiam ser contingenciados, pois sairiam da linha de despesas discricionárias do Ministério da Agricultura, ou seja, passíveis de cortes.

Já em relação ao Fundo Catástrofe, a senadora propôs que o mecanismo tenha a participação da União, mas também das seguradoras e sociedades resseguradoras que integram o PSR.

A ideia é que o Executivo aporte até R$ 4 bilhões no veículo, em forma de valores em espécie, em títulos públicos, em ações de sociedade com participação minoritária do governo, e ações de sociedades de economia mista federais excedentes ao necessário para manutenção de seu controle acionário.

Já as seguradoras e sociedade resseguradoras que integram o PSR seriam obrigadas a aderir ao mecanismo para poderem acessar o programa governamental.

A proposta foi bem recebida e é defendida pelas entidades do setor de seguros. “O seguro agrícola é um negócio que tem menos de 20 anos e merecia, de certa forma, uma grande reformulação. É o que está acontecendo”, afirma Toyama, da FenSeg.

Para Gustavo Dantas Lobo, pesquisador da consultoria Agroicone, a retomada do fundo é bem-vinda para que o valor das apólices possa diminuir.

“Atualmente, quem compartilha o risco é produtor, governo, seguradora e resseguradora. Quando você constrói um fundo, traz mais um elemento para compartilhamento de risco, e, por consequência, existe a expectativa de que os preços tendam a cair porque vai haver mais um ente compartilhador de risco.”, afirma.

Além do fundo, Lobo lembra que, em 2025, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva vai publicar seu primeiro Plano Trienal do Seguro Rural (PTSR), que define as regras para o percentual de subvenção governamental aos prêmios ao longo de três anos. O plano anterior foi lançado ainda na gestão de Jair Bolsonaro, em 2021.

“É uma janela de oportunidade para o governo federal em botar a sua marca em relação à política de seguros. A gente observou, nos últimos dois Plano Safra, anúncios muito tímidos em relação ao PSR, restritos apenas à dotação orçamentária, sem tentativas de programas-piloto ou mudanças no regramento em termos de percentual de subvenção por regiões e culturas”, afirma o pesquisador.