Frequentemente vista como um setor tradicional e pouco inovador, a pecuária brasileira atrai cada vez mais um olhar atento da Faria Lima. A atividade não está longe dos holofotes, muito pelo contrário, mas o nível de relação com o mercado de capitais ainda pode ser bastante estreitado.
Com o maior rebanho bovino do mundo e posição de destaque global em exportações, o setor reúne características que despertam interesse de investidores. Ao mesmo tempo, expõe desafios que precisam ser superados para destravar potencial.
Em 2023, por exemplo, a produção de carne bovina foi de 9,5 milhões de toneladas, e a expectativa para este ano é de 10,2 milhões de toneladas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Desse total, foram exportadas 2,28 milhões de toneladas, que somaram mais de R$ 10,5 bilhões.
Maior exportador, o País ainda é o segundo maior produtor do mundo, atrás dos Estados Unidos, com uma produção superior às 12 milhões de toneladas. Acontece que apesar disso, o rebanho brasileiro é o maior do mundo, o que mostra que em termos de eficiência operacional, ainda há muito a evoluir na pecuária nacional.
Mesmo que o nosso rebanho seja 2,5 vezes maior que o norte-americano, na mesma comparação, a rentabilidade por boi, chega a ser 25 vezes menor aqui quando comparado aos EUA.
É aí que entra a Faria Lima, de olho em dar as mãos para essa oportunidade.
Esse abismo produtivo chamou a atenção da RB Investimentos, casa que possui R$ 3 bilhões sob custódia e um histórico de R$ 25 bilhões de distribuição em crédito estruturado, incluindo CRAs para o agro.
Em um estudo inédito, a companhia buscou destrinchar o setor, e entender como a produtividade do rebanho pode crescer e como o mercado de capitais pode ser um parceiro nessa jornada.
Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos e que produziu o estudo, reduzir o gap de produtividade e tornar a pecuária brasileira ainda mais competitiva em âmbito global passa por três pilares: adoção de tecnologia, planejamento financeiro e modernização cultural.
Em entrevista ao AgFeed, ele pontuou que a produtividade americana é mais alta devido à predominância de confinamentos no país.
“Isso permite maior controle sobre ganho de peso dos animais. Aqui no Brasil, ainda há uma resistência muito grande ao confinamento. Isso é particularmente visível em estados como São Paulo, onde estivemos recentemente para um evento de pecuária no interior”, afirmou.
Segundo ele, muitos pecuaristas, mesmo em regiões desenvolvidas, mostram estranheza com câmeras de monitoramento e outras tecnologias, preferindo métodos mais tradicionais, em linha com a expressão popular “é o olho do dono que engorda o boi”.
Essa resistência tende a se fragilizar nos próximos anos, segundo o estrategista, na medida em que novas gerações assumem a gestão das propriedades rurais.
Ele vê que filhos e sobrinhos de pecuaristas já estão, além de mais abertos à inovação, entendem como o mercado financeiro funciona, e conseguem dar essa tração tecnológica com novos tipos de financiamento.
“Isso tudo é essencial para prevenir doenças, reduzir custos com medicamentos e aumentar a produtividade", explica.
Cruz ressalta que tudo ainda depende de uma mudança estrutural na mudança de mentalidade do setor.
Para além da adoção tecnológica, ele acredita que o produtor brasileiro ainda tem dificuldade para fazer hedge e planejamento financeiro como os americanos. “Eles não conseguem se planejar mais do que alguns meses à frente, e isso trava a adoção tecnológica”, diz.
Mesmo agora, em momentos de alta na arroba do boi, onde teoricamente um produtor poderia aproveitar a maior capitalização para investir em Capex, a falta dessa cultura atrapalha um avanço mais rápido.
Segundo dados do Cepea/Esalq, a arroba do boi está cotada na faixa dos R$ 310 nesta semana, após atingir um pico de alta há dez dias, quando atingiu R$ 350. Na comparação com dezembro de 2023, houve avanço de cerca de 30% na cotação.
“O produtor entende que um momento positivo vai durar por muito tempo, e não se planeja para um momento de baixa. O agro como um todo é assim, e ainda tem dificuldade em se precaver de momentos ruins”, diz.
Felipe Neri, analista do time da RB Investimentos, acrescenta que o ciclo do gado nos EUA é mais curto que no Brasil. Enquanto lá a média fica em quatro anos, aqui tradicionalmente é de oito anos, com uma tendência de encurtamento nos próximos anos.
"Apesar dessa convergência, é cada vez mais difícil prever quando o ciclo vai mudar no Brasil. Essa imprevisibilidade complica a gestão e afeta tanto a produção quanto os preços", diz Neri.
Com o ciclo mais rápido nos EUA, os americanos conseguem ajustar sua produção às demandas de mercado de forma mais eficiente, acredita. Cruz, da RB, afirma que o Brasil tem alguns elementos que podem jogar a favor dessa melhoria de produtividade nos próximos anos.
Os custos com ração são menores aqui, já que 90% do gado é criado a pasto, enquanto que nos EUA, os confinamentos alimentam os bois com milho e soja.
A crescente abertura de novos mercados para nossa carne também pode forçar o País a acelerar sua modernização, acredita o estrategista. O fato de JBS, Marfrig e Minerva concentrarem grande parte do mercado, faz com que haja uma pressão de cima para baixo por mais tecnologia. Juntas, as três representam 57% do mercado de abate bovino nacional (30%, 16%, e 11% respectivamente).
"Os acordos comerciais trazem padrões elevados que beneficiam toda a cadeia. As grandes empresas do setor, como JBS, Marfrig e Minerva, já cumprem esses requisitos e acabam pressionando os pecuaristas a se adequarem também", afirma Cruz.
Esse aumento de produtividade vislumbrado pelo estudo não significa uma melhor margem para os frigoríficos. Conforme o Brasil seguir a agenda de mais confinamentos, o custo de produção pode aumentar.
"Nos Estados Unidos, o sistema de confinamento gera custos elevados, especialmente com insumos como milho e soja, que representam cerca de 40% do total”, estima Neri.