No novo capítulo da novela sobre a moratória da soja, um pacto criado nesta terça-feira, 17 de dezembro, tenta extinguir, de fato, o acordo firmado em 2006 entre as indústrias do setor e que proibiu, desde julho de 2008, a compra da oleaginosa produzida em propriedades onde onde houvesse desmatamento.

Os detalhes do novo pacto começaram a ser costurados em uma reunião, em Brasília, com representantes de todos os elos da cadeia produtiva da oleaginosa, do Ministério Público Federal e do Legislativo.

O setor tentará mostrar para a sociedade, principalmente os clientes internacionais, que a soja brasileira é sustentável, que a produção segue rigorosamente o Código Florestal e que eventuais desmatamentos em estados da Amazônia para o cultivo do grão são permitidos dentro do porcentual de até 20% da propriedade.

O acordo também prevê fomentar governos estaduais e federal para que invistam na fiscalização e na regularização dos produtores.

A moratória da soja, firmada entre a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), proíbe a compra pelas tradings e processadoras da soja de áreas desmatadas a partir de 2008 e gerou insatisfação de produtores.

Segundo dados da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), mais de 4,2 mil CPFs de produtores rurais na “lista da moratória” nos estados do Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima, são impedidos de vender às tradings signatárias do acordo e estão sem acesso a financiamentos públicos. Os produtores alegam, no entanto, que cumprem o Código Florestal e que podem abrir áreas em determinados percentuais, dependendo de cada bioma.

A pressão chegou ao Legislativo e ao Executivo de Mato Grosso, maior produtor do País. Em outubro, o governador Mauro Mendes sancionou a lei que corta incentivos fiscais do estado a empresas que estejam organizadas em acordos comerciais nacionais ou internacionais que ocasionam restrição de mercado, perda de competitividade do produto, ou obstrução ao desenvolvimento econômico e social dos municípios. É o caso da moratória da soja.

Na semana passada, a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) entrou com pedido de denúncia formal ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para que o órgão investigue a conduta de cartel das empresas signatárias do acordo anti-desmatamento.

A associação admite que o pedido ao órgão que avalia práticas concorrenciais é só uma etapa em busca de indenizações para produtores que teriam sido prejudicados pela moratória da soja.

A tentativa de pacificação iniciada hoje, sob intermediação da deputada Coronel Fernanda (PL-MT), parte da premissa, segundo a parlamentar, de que “a moratória da soja já foi extinta” pela legislação de Mato Grosso e por outras legislações semelhantes em outros estados.

A deputada prega o acordo e o trabalho conjunto entre os elos da cadeia produtiva da commodity. “O trabalho vai ser feito entre todos os entes. Vamos mostrar que o processo produtivo é inteiramente sustentável e que é uma falácia dizer que produtores rurais desmatam”, afirmou Fernanda ao AgFeed.

Segundo ela, enquanto produtores se adequam ao Código Florestal e preservam o meio ambiente e as tradings investem em eficiência, “o Estado é burocrático e ineficiente na fiscalização e regularização fundiária”.

Por isso, na próxima reunião, prevista para 15 de janeiro, representantes das secretarias de Meio Ambiente de todos os estados da Amazônia Legal e do governo federal serão convidados, de acordo com a deputada.

“Vamos chamar todos os personagens, ter um alinhamento e definir qual a melhor forma de agir para viabilizar esse acordo. Pode ser um projeto de lei, um pacto com MInistério Público, mas o que importa é caminhar e tentar ser o menos burocrático”, concluiu a parlamentar.

Para Fabrício Rosa, diretor-executivo da Aprosoja, a entidade dos produtores “sempre desejou esse tipo de ação e os programas de sustentabilidade realizados por nós sempre foram nesse sentido”. Segundo ele, o encontro de hoje, ainda na fase de entendimento, “evolui bem e todas as partes convergem”, afirmou.

“Passaremos para a fase de elaboração dos planos estratégicos, com sugestões, propostas e o pacto pressupõe que todos os agentes estejam envolvidos, incluindo o Ministério Público, órgãos ambientais, que obstaculizam a regularização, e o Legislativo.”

Em nota, a Abiove informou que o “pacto que reúne produtores rurais, tradings e o Ministério Público Federal (...) respeitará integralmente a legislação brasileira vigente, ao mesmo tempo em que promoverá a produção sustentável de soja no Brasil”.

A Abiove destacou também “a importância da participação ativa de todos os atores da cadeia produtiva” e reafirmou “o compromisso com a transparência, a sustentabilidade ambiental e a valorização do setor agrícola brasileiro”.

Dados do consórcio da moratória da soja apontam que 94,9% dos desmatamentos nos 124 municípios produtores de soja monitorados no período da moratória da soja não estavam associados à conversão de florestas para a produção da oleaginosa até a safra 2022/2023. Segundo o levantamento, dez municípios concentram 56% da soja em desacordo com a moratória.