Todo bom plano de negócios começa por números de mercado, na avaliação do tamanho da oportunidade que se descortina para quem o está elaborando.
Habituado a analisar estratégias alheias, o trio de empreendedores que apresenta ao mercado nesta segunda-feira a Avra, empresa criada para originar negócios agro para o mercado de capitais, sabe disso e tem números reluzentes para vender a sua.
Octaciano Neto, cuja experiência vai da fazenda de café da família no Espírito Santo à Faria Lima, como ex-diretor de Agronegócios da Suno Investimentos, recita o raciocínio que embala as projeções feitas em conjunto com Amanda Coura, sua ex-colega de Suno e com passagens por gestoras como a RB Capital, e Francisco Jardim, sócio da SP Ventures, gestora que ocupa lugar de destaque no ecossistema brasileiro de venture capital voltado ao agro.
“O barulho que a gente ouviu no mercado nos últimos meses mostra que a originação de ativos para o crédito não tem a qualidade que se gostaria”, afirma Octaciano. “Além disso, os grandes bancos acabam priorizando a originação de ativos com emissões acima de R$ 150 milhões. E tem um mundo de gente desatendida”.
É um pouco abaixo desse patamar que os agora sócios da Avra enxergam um filão. “As emissões entre R$ 20 milhões e R$ 150 milhões estão desatendidas, sabe?”, diz ele ao AgFeed.
Desde que deixaram a Suno, há cerca de três meses, Octaciano e Amanda passaram a escrutinar o universo de produtores e empresas rurais que entrariam nesse intervalo e que estariam aptas a cruzar uma ponte que as levassem das opções tradicionais de crédito até o mercado de operações estruturadas junto ao mercado de capitais.
O recital de dados prossegue por “um mundo gigante”, nas palavras de Octaciano. “A demanda de crédito no agro brasileiro Brasil é R$ 1,1 trilhão. Desse valor, temos R$ 144 bilhões hoje em estoque em CRA, R$ 40 bilhões em Fiagros, mas nem tudo é crédito. Então, dá R$ 180 bilhões e mais R$ 20 bilhões em dívidas. E tem sobreposições”.
Assim, estimam, cerca de 15% a 20% do mercado de crédito agro no Brasil vem do mercado de capitais, enquanto que a média de outros segmentos está em 40%. “Assim, se hoje o agro repetisse o que é a demanda de crédito nas empresas brasileiras, ele já tinha que ter mais R$ 200 bi emitidos”.
“Essa é a foto de hoje”, completa Amanda. “A foto do futuro é o quê? É o mercado da vontade. Então, a demanda é gigante”.
Ao cruzar bases de dados de várias fontes mostrando acesso às diversas formas de crédito ao agro, os empreendedores chegaram a um universo de 5 mil empresários rurais com, nas palavras deles, “potencial de acessar o mercado”.
É esse público que a nova empresa acredita ter condições de ajudar na travessia por essa ponte de R$ 200 bilhões. A Avra foi constituída com um modelo semelhante a uma DCM, (sigla em inglês para Debt Capital Markets), firmas que costumam atuar justamente na estruturação de operações de dívidas no mercado de capitais.
Os sócios preferem não usar esse jargão, que não contribuiria na compreensão no universo de produtores e empresas que pretendem garimpar para apresentar a gestoras, fundos e outros financiadores da Faria Lima.
Um dos trunfos que acreditam ter nas mangas é a capacidade de falar a língua do agro. Octaciano, por exemplo, é produtor rural, já foi secretário de Agricultura do Espírito Santo, e tem atuado há décadas junto ao setor. Amanda é filha de pecuarista do Mato Grosso do Sul.
“Eu e o Otaciano somos pessoas do interior, a gente cresceu nesse mundo. Então, o diálogo é orgânico”, afirma Amanda. “A gente está criando uma empresa cujo o centro de gravidade vai ser o ambiente agro. A gente quer ser especializado, nichado e trabalhar toda uma proposta de valor para o agronegócio, encontrando as melhores opções de financiamento”.
“A gente está fundando a empresa, juntamente com a SP Ventures, para efetivamente acelerar a entrada do empresário rural no mercado de capitais”, emenda Octaciano.
A cadeira do gestor
Do outro lado, os sócios pretendem se valer também da experiência adquirida no front investidor, quando estiveram “sentados na cadeira do gestor”, conforme diz Amanda. “A gente sentiu as dores desse mercado também”.
Ela lembra a complexidade da atuação das gestoras, que precisam analisar centenas de negócios de setores distintos, acompanhar os ativos de suas carteiras, fazer relatórios para investidores e, é claro, a originação de novos ativos.
Sem tempo para mergulhar mais a fundo em alguns segmentos, afirma, os gestores acabam se limitando às “opções mais batidas ou as mais fáceis no mercado”.
No agro, segundo apuraram os sócios da Avra, a maioria das empresas que acessam é de revendas de insumos, as primeiras a atravessar a ponte para a Faria Lima, no início da década, quando operações como emissões de CRAs e formação de Fiagros passaram a ser realizadas.
Ao seguir apenas a onda, afirma Octaciano, as gestoras acabaram deixando de estudar com mais atenção o racional por trás dos investimentos.
“O pessoal dizia ‘a revenda está próxima do produtor rural e sabe dar crédito, tem balanço auditado, tem governança’. Mas esquecia que o varejo é um negócio com a margem horrorosa de 3%, 4%”.
“Os investidores foram apostando no crescimento do mercado agro, mas em ativos muito semelhantes entre si. E aí, na crise, todos balançam juntos. A onde da RJs no setor é uma evidência disso”.
Ele lembra que o varejo, em qualquer segmento, costuma ser um negócio de margens apertadas – e no agro não é diferente, sobretudo no atual momento. “Já o produtor chega a ter 40% de margem e a agroindústria, de 10% a 15%”, diz.
Na sua visão, o produtor rural segue um outro paradigma. Não tem balanço, não tem, não tem governança, “mas esse negócio da lavoura de ciclo curto, dá 20%, 30% por cento de EBITDA, lavoura de ciclo longo dá mais que 30%”.
Mais difícil ainda para o gestor é olhar para empresas de menor porte e atuação regionalizada, como é o caso de produtores e companhias de porte médio espalhados por praticamente todo o Brasil.
“Ele não consegue atender essa fatia do pequeno, médio, empresário rural, porque ele está em outro mundo. E tem dificuldade de avaliar esses negócios e tem uma turma que não sabe da sua existência”, afirma Octaciano.
Segundo ele, a proposta da Avra é fazer conexões entre esses dois universos, já avaliando qual o melhor instrumento de crédito a ser utilizado para cada empresa.
“Temos a oportunidade de mostrar para os dois lados que existem oportunidades enormes para financiar um setor que ficou praticamente invisível ao mercado de capitais durante todo esse período”, diz Francisco Jardim, sócio da SP Ventures.
O cliente será o empresário rural, com foco em operações estruturadas, acima de três anos, entre R$ 20 milhões e R$ 70 milhões.
Octaciano acredita que o ticket médio ficará em torno de R$ 50 milhões. “Buscamos um modelo que dilua o tempo das operações e traga mais impacto para o negócio do produtor”, diz.
A receita da empresa virá de uma taxa de intermediação. Atualmente, no caso das DCMs tradicionais, essa comissão fica em torno de 3% a 4% do tamanho da operação, podendo variar conforme o volume de recursos envolvidos.
Na busca por soluções para esse cliente, garante, a Avra não terá exclusividade com nenhuma instituição da Faria Lima. “A gente vai acabar concentrando as operações, evidentemente, em duas ou três, pelo relacionamento, pela amizade”, afirma, sem citar nomes. “Só posso dizer que são empresas da Champions League do setor”.
“Mas vamos atender o empresário rural, procurar para ele o melhor desenho de operação, até porque tem gestora, por exemplo, que não gosta de investir em produtor, mas tem outros fundos que só quer produtor”.
A estreia oficial da empresa se dá nesta segunda-feira, 9 de dezembro. As últimas formalidades, com a assinatura de contratos entre os sócios e a emissão do CNPJ da Avra se deu na semana passada.
A companhia já tem alguns mandatos na mão, obtidos durante as conversas que os sócios tiveram com o mercado nos últimos meses para testar a ideia, validar seus números e refinar o modelo de negócios.
Fora da zona de conforto
Para a SP Ventures, a Avra é também a quebra de um paradigma. Ao longo dos últimos 10 anos, a empresa de venture capital tornou-se uma das líderes do País em investimentos em startups ligadas ao agronegócio.
“Essa é a primeira vez que a gente está cofundando uma companhia nova”, afirma Jardim. “Estamos saindo totalmente do que é a nossa zona de conforto”.
Segundo ele, a decisão de participar do empreendimento veio da relação com os dois outros sócios e da visão de que eles traziam uma ideia “fora da curva e de enorme relevância econômica, extremamente alinhado com o que a gente entende que a gente consegue ajudar”.
“Eles são obcecados pela causa, pelo agro”, completa Jardim. Para ele, o negócio proposto pela Avra ajuda a resolver um dos principais gargalos do setor, que é justamente abrir a ponte do mercado de capitais e o agronegócio.
Jardim conhece de perto o tamanho do desafio. Ele afirma que 40% dos recursos do Fundo 2 da SP Ventures estão alocados na categoria de fintech do agro. “A gente está vendo a mudança regulatória, as novas tecnologias, a tendência, e tem capital intelectual para ajuda-los a entregar o que propõem”.
“Está faltando originação de ativo. E como você origina esse ativo? Tem que ir lá, sujar bota, falar com o produtor, ensinar para o produtor que ele deveria estar complementando o que ele já tem de limite bancário e de concentração com algumas gestoras e poder abrir ainda mais o leque”.
De acordo com Jardim, as conexões com as investidas de seus fundos podem ajudar na avaliação dos ativos e das oportunidades a serem oferecidas ao mercado. A Avra pretende ter um modelo próprio de análise, que permitirá, segundo seus sócios, já levar pacotes prontos para gestoras ou investidores, com as soluções orientadas para cada empresá.
Acho que não tem ninguém fazendo um trabalho assim com foco no agro”, afirma Jardim. “A gente vê muita sinergia com os investimentos que a gente faz e a Avra terá o suporte de toda a SP Ventures, desde a estrutura física à nossa inteligência, acesso ao mercado”