Cubatão (SP) - Descarbonização é a palavra mais repetida, mas também a que mais tira o sono dos executivos da norueguesa Yara, gigante mundial do setor de fertilizantes.

Há três anos a empresa aumentou investimentos na busca de matérias-primas renováveis para produzir fertilizantes com menor pegada de carbono.

Referência em nitrogenados, tipo de adubo que costuma pesar dos balanços de carbono, a companhia precisa reduzir suas emissões e, ao mesmo tempo, garantir o futuro do negócio, oferecendo produtos mais “verdes”.

O problema é que na outra ponta, ainda faltam clientes que aceitem pagar mais por um fertilizante verde que geralmente tem custo de produção mais alto.

O exemplo desse cenário é iniciativa da Yara no Brasil para produzir amônia sustentável a partir do biometano. É resultado de um acordo com a Raízen, que ao produzir açúcar e etanol, transforma os resíduos da moagem em biogás. Esse biometano segue do interior de São Paulo via gasoduto até Cubatão, no litoral paulista, onde estão as plantas industriais da Yara.

Segundo a empresa, a amônia renovável oferece 75% de redução na pegada de carbono. Isso deve ajudar não apenas a Yara, mas também os outros elos da cadeia, como empresas agrícolas e indústrias de alimentos, a melhorar o balanço de emissões, oferecendo produtos de baixo carbono.

Nesta sexta-feira, 6 de dezembro, em Cubatão, uma cerimônia com a presença de autoridades e jornalistas marcou a “inauguração” da produção de amônia sustentável da Yara. As primeiras moléculas de biometano já chegaram e estão sendo usadas na produção de amônia e de nitrato, um tipo de fertilizante.

O Complexo Industrial da Yara em Cubatão (SP) é hoje o maior consumidor de gás natural do Estado de São Paulo e o principal produtor de amônia do País.

A parte desafiadora é encontrar mais clientes para o produto que a Yara está apostando. Um contrato já foi fechado, que consiste na venda não do fertilizante, mas da própria amônia verde para a Ajinomoto. A empresa japonesa usará a matéria-prima para produzir seus aminoácidos, como mostrou recentemente uma reportagem do AgFeed.

A amônia também é usada para indústrias não agrícolas. O vice-presidente de Soluções Industriais da Yara Internacional, Daniel Hubner, disse ao AgFeed que também há um contrato com uma fabricante de explosivos, por exemplo.

Segundo ele, serão produzidas entre 6 e 7 mil toneladas de amônia renovável por ano no Brasil – a primeira e única produção do tipo no País até o momento. A partir desse volume, espera-se produzir cerca de 15 mil toneladas de nitrato, anualmente.

No setor agrícola, nenhuma compra está 100% acertada, mas algumas negociações estão mais encaminhadas, como por exemplo a Cooxupé, maior cooperativa de café do mundo, que já está utilizando um fertilizante da Yara de baixo carbono, produzido na Europa.

São 260 toneladas das linhas YaraLiva e YaraMIla como mostrou recentemente o AgFeed. Em 2025, a empresa espera vender também para a Cooxupé o fertilizante verde que será produzido em Cubatão.

“É possível que uma parte a gente já consiga fazer daqui. Segue vindo da Europa porque é um perfil de fertilizante que só na Europa produz. A gente tem tratativas com a Cooxupé de evoluir com esse projeto e fazer uma escalada nos próximos anos”, disse Guilherme Schmitz, vice-presidente de agronomia e marketing da Yara Brasil, em entrevista ao AgFeed, após a cerimônia em Cubatão.

No café, a expectativa é que o novo fertilizante produzido no Brasil ofereça uma redução de 40% na pegada de carbono.

O tamanho do incremento nesta venda de fertilizante verde vai depender da capacidade da Cooxupé de fechar negócios com compradores que paguem mais pelo café de baixo carbono, “o que já está acontecendo”, segundo ele.

“A Cooxupé já está levantando essas informações, já está prospectando esses possíveis compradores e a quantidade que eles têm interesse para que a gente sente agora no começo do ano e consiga trabalhar esse plano melhor”, explicou.

Situação semelhante a Yara enfrenta com a gigante do setor sucroenergético Raízen. A empresa do grupo Cosan foi peça fundamental no projeto da amônia verde em função dos investimentos para levar o biometano até a planta da Yara.

Porém, enquanto de um lado a Yara cumpre sua parte de adquirir o biometano, de outro a Raízen sinaliza que só comprará o fertilizante verde quando também tiver condições de vender seus produtos de menor emissão de carbono sendo remunerada por isso.

“Temos esse trabalho de economia circular com eles (Raizen), de voltar esse fertilizante nitrogenado de menor pegada de carbono para o campo e conseguir produzir um etanol verde ou produzir um açúcar com menor pegada de carbono e conseguir ter um valor em cima disso”, explicou Schmitz.

“A gente está em tratativa com eles para desenvolver esse modelo, porque ele não é tão simples. Eu produzo um etanol de baixa pegada de carbono, mas eu preciso ter um mercado consumidor que pague por isso ou alguma política pública que gere esses créditos de carbono, que remunere eles por isso, remunere a cadeia”, reforçou.

A Raízen está fornecendo 20 mil metros cúbicos de biometano para a Yara, que representa pouco perto dos 700 mil metros cúbicos de gás que a empresa utiliza. O executivo diz que não há uma obrigação para que “a outra perna do acordo” seja concluída.

Outro setor com quem a Yara mantém negociações para a introdução dos fertilizantes verdes é o da citricultura. “As grandes companhias citrícolas já têm metas de descarbonização muito grandes”, afirmou Hubner. "O suco de laranja é um produto exportado para a Europa, que busca um produto de qaulidade e também sustentável”.

O executivo afirma que a Yara está em conversação com dois grandes grupos do setor, mas não quis adiantar quais são. Segundo Hubner, também nesse segmento, como no café, a Yara já possui clientes que compram fertilizantes com pegada de carbono reduzido importados da Europa.

“Eu acho que é um pouco da inovação aberta e o custo da inovação que a Yara tem, um pouco desse espírito, sabe? Vamos construindo, vamos encontrando esses mercados, vamos desenvolvendo os modelos. Tem o custo da inovação que a gente está disposto a pagar por ele”, disse.

Durante o evento na fábrica da Yara, executivos e lideranças do setor destacaram que há mais incentivos para a oferta de produtos verdes do que para o lado da demanda destes itens.

Era esperada a presença do vice-presidente da República Geraldo Alckmin, que lidera o Plano Nacional de Fertilizantes, mas o governo federal acabou sendo representado apenas pelo responsável pelo PNF no Ministério da Agricultura, José Carlos Polidoro.

Na visão dos executivos, o futuro da amônia sustentável e dos fertilizantes verdes passa pelas indústrias de alimentos que, ao final do ciclo, terão que oferecer produtos de baixo carbono, cumprir suas metas e por isso seriam aliadas na busca de uma melhor remuneração para estas matérias-primas.

O VP de soluções industriais da Yara disse que o plano é, no futuro, conseguir fazer a transição total da planta para que utilize 100% de biometano, mas não estabeleceu um prazo estimado para que isso aconteça.

A empresa também não dá detalhes sobre qual foi o investimento no projeto da amônia verde do Brasil. Diz que a adaptação do gás natural para o biometano não demanda tantos recursos, mas pondera que o projeto envolve toda a área de pesquisa e inovação global da companhia.