Em reais, o valor é pequeno para os parâmetros do universo corporativo do agro empresarial brasileiro. Mas, além da quantia, uma operação de apenas R$ 2 milhões, realizada entre uma fazenda com apetite para tecnologia e um banco com presença em diversos mercados, pode indicar toda uma estratégia para abrir mais caminho no meio rural.

É o que acontece com a operação de crédito assinada esta semana entre a Fazenda Reunidas Baumgart – pertencente ao tradicional grupo empresarial paulista dono de marcas como Vedacit e Shopping Center Norte – e o Banco BV – braço financeiro do não menos tradicional grupo Votorantim.

De um lado está um projeto ambicioso da empresa agrícola de ter todos seus quase 10 mil hectares de área cultivada em Rio Verde (GO) operados por meio de robôs autônomos. Do outro, uma instituição que busca expandir seus espaços no financiamento do agronegócio especializando-se em emissões verdes, ou ESG, envolvendo sustentabilidade e tecnologia.

Na operação com a Baumgart, o Banco BV concedeu o crédito por meio da linha Inovagro, do BNDES, para financiar a aquisição de sete robôs Solix, da agtech Solinftec.

Trata-se da primeira operação dentro dessa linha tanto para o banco quanto para o grupo agrícola, segundo revelavam executivos das duas empresas em primeira mão ao AgFeed.

De acordo com o BV, só no primeiro quadrimestre deste ano (o último período com dados consolidados), foram distribuídos R$ 23 bilhões por meio de 15 operações classificadas como “ESG no mercado de capitais”. Mais da metade delas está ligada a empresas do agro.

Dessas operações, quatro foram internacionais e 11 nacionais. As 11 operações nacionais somaram R$ 7,6 bilhões e o BV atuou como coordenador líder ou coordenador em cinco delas.

Os recursos foram usados em projetos de energia renovável, agronegócio de baixo carbono, saneamento, entre outros, com metas ambientais, sociais e climáticas ou uso do recurso direcionado às temáticas ESG.

“Esse foi um dos melhores períodos para o BV na emissão de títulos voltados à temática ESG”, diz Rogério Monori, diretor executivo do Atacado do banco BV. “Nosso compromisso público é financiar ou distribuir no mercado de capitais R$ 80 bilhões para negócios aderentes aos critérios ESG até 2030”

Somado a isso, o Banco BV inaugurou um serviço de consultoria para emissões ESG neste ano, ajudando empresas a enquadrar seus projetos ou metas relacionadas a temas de sustentabilidade.

“Hoje oferecemos desde orientação para enquadrar projetos ou metas atreladas ao temas em estruturas financeiras de dívidas ou linhas como essa em parceria com o BNDES. Atualmente somos a segunda maior instituição com maiores emissões ESG no mercado”, estimou Tathyane Brait, superintendente de produtos do banco BV.

No Grupo Votorantim, uma das maiores holdings do Brasil, o agronegócio é parte relevante dos negócios. Ele é controlador da Citrosuco, líder global na produção de suco de laranja e dona de 26 fazendas que somam 60 mil hectares dedicados ao fruto. A companhia estima encerrar a safra 2024/25 com um faturamento acima dos US$ 1,5 bilhão, recorde histórico.

Em junho deste ano, o AgFeed mostrou também em primeira mão que o BV celebrou um acordo para o primeiro Adiantamento de Operações de Câmbio (AOC) sustentável, no valor de US$ 10 milhões com a Caramuru Alimentos, uma das maiores empresas de processamento de grãos do País.

Antes conhecido no mercado como ACC (Adiantamento sobre Contratos de Câmbio), o AOC é uma modalidade de proteção cambial que permite às empresas anteciparem recursos financeiros a serem recebidos nas fases pré-embarque das mercadorias.

No caso desta operação, especificamente, as condições foram atreladas a indicadores de sustentabilidade, demonstrando a possibilidade real de obter valor a partir da demonstração do uso de boas práticas em vários processos dentro da agroindústria.

A Caramuru pretende utilizar os recursos para comprar soja, milho e girassol de produtores que participam de seu programa chamado "Sustentar", com foco em agricultura de baixo carbono e práticas sustentáveis.

Atualmente, são 711 produtores da base de mais de 5 mil fornecedores da Caramuru que fazem parte da iniciativa. "Começamos o programa em 2015 e ele conta com 164 indicadores para que o produtor rural receba esse certificado", explicou na época, Júlio Costa, diretor-presidente da Caramuru.

Fazenda 100% robotizada

O enquadramento sustentável da operação da Baumgart deve-se à proposta de utilizar os robôs da Solinftec para a redução do uso dos herbicidas, diminuição da compactação do solo e da pegada de carbono das lavouras, ao mesmo tempo que incrementa a produção.

David Panades, CFO da Reunidas Baumgart, explica que a fazenda comprou vinte robôs Solix e, por enquanto, conseguiu esse financiamento para sete. “É difícil inovar e adotar boas práticas para adição de carbono no solo sem financiamento para isso. Buscamos o máximo de linhas”.

Os R$ 2 milhões podem ser considerados baixos, mas nos termos do BNDES, é o máximo de valor permitido pelo programa por beneficiário final e por ano agrícola. Para além disso, a linha prevê uma série de compromissos ESG para liberação do capital.

De acordo com Tathyane Brait, no caso desse financiamento com a Reunidas Baumgart, o BNDES exigiu uma análise técnica robusta não só do bem financiado, mas também dos riscos socioambientais de quem capta os recursos.

Hoje, a Reunidas já obtém receitas provenientes de seu trabalho na área ambiental. Além da emissão de títulos verdes, fatura com créditos provenientes da conversão, para a agricultura de baixo carbono, de áreas antes degradadas. Panades estima que hoje são 3,4 milhões de CPRs verdes advindas de área de reserva legal, preservando o Cerrado.

Segundo David Panades, o BV auxilia o grupo a consolidar as práticas ESG, ajudando na em todo o “framework sustentável” da fazenda. “Conseguimos emitir um relatório para comprovar as práticas, tudo isso chancelado por um banco como o BV”, comentou.

A aposta do grupo agrícola em tecnificar a fazenda ocorre em meio a um momento turbulento do agro. Apesar de melhor que na temporada anterior, quando o Centro-Oeste sofreu com secas severas em diversas regiões, a Reunidas Baumgart projeta uma safra mais controlada, mas prevê uma safrinha comprometida.

“Atrasou o plantio mas plantamos 9,1 mil hectares de soja e projetamos cultivar 6 mil hectares de milho na segunda safra. Sem riscos, para não sobrepor as janelas. Esse foi um ano que as chuvas atrasaram 15 dias e isso impactou o plantio”, afirmou.
É aí, segundo ele, que entra a tecnologia dos robôs, que atuam mitigando os riscos desse atraso.

“A possibilidade de medir e quantificar o plantio é muito rico para compensar essa postergação de plantio. O Solix não só reduz o uso de herbicida, mas também mapeia o plantio e evita falhas de espaçamento e sementes”, disse o CFO.

“Fazemos o plantio da melhor forma para garantir uma produtividade esperada”, acrescentou.

Em entrevista ao AgFeed em maio passado, além de antecipar a estratégia de uso dos robôs na fazenda, Panades afirmou que a produtividade na safra 2023/2024 foi de 78 sacas por hectare.

Isso em um período difícil, em que a falta de chuvas prejudicou as colheitas em boa parte da região. "Por aqui, quem colheu 50 sacas está comemorando", disse na ocasião.

De acordo com David Panades, a parceria com o BV na emissão se deu pois o grupo agrícola buscava benefícios na captação de dívidas num contraponto às boas práticas da fazenda.

“Pegada verde e crédito de carbono não pode ser algo só bonito de falar. Tem que mostrar que traz produtividade e que isso se transforma em ganho econômico. Como o BV tinha um time focado nisso, dentre nossos bancos parceiros foi um dos únicos com essa vontade de tirar do papel”, reforçou o CFO.

O BNDES não detalha o os recursos disponpiveis para esse programa específico, mas para a temporada 2024/2025 alocou um orçamento recorde de R$ 66,5 bilhões, sendo metade equalizado e metade com recursos próprios, dentro do Plano Safra, marcando um aumento de 73% em relação à safra anterior.

Este valor inclui recursos para diversos programas agropecuários, como o Inovagro, que faz parte dos Programas Agropecuários do Governo Federal (PAGFs).

Brait, do BV, afirma que tanto os bancos quanto os captadores do recurso pleiteiam um aumento no limite. “Seguimos prospectando e tentando entender a melhor linha para cada necessidade”.