Promessas de campanha são só promessas – no governo, a realidade é sempre diferente. Até mesmo para o impetuoso bilionário Donald Trump, colocar em prática o discurso que o levou à vitória nas eleições presidenciais americanas pode ser difícil diante da conjuntura do país.
É no que acreditam os líderes de empresas e entidades exportadoras brasileiras com negócios relevantes nos Estados Unidos.
Diante do resultado do pleito naquele país, a primeira reação tem sido entender como o futuro governo pode afetar as receitas e as parcerias comerciais, sobretudo se Trump declarar uma nova “trade war” envolvendo os EUA e a China, dois grandes importadores de produtos brasileiros.
No primeiro mandato, Trump se mostrou protecionista, aumentando tarifas e renegociando acordos comerciais. Se a abordagem se repetir, essa defesa ao agro americano poderia elevar tarifas sobre importações de alguns produtos no país.
Entre os produtos agrícolas brasileiros, artigos como café, suco de laranja e carnes bovinas seriam aqueles mais expostos ao risco de elevação na taxação, a julgar pelos discursos de campanha.
Joga contra o desejo de Trump, porém, a conjuntura interna dos EUA. Aumento de demanda e redução na produção desses itens, largamente consumidos pela população americana, devem fazer com que o governo repense eventuais medidas de restrição à importação, sob o risco de causar menor oferta e pressão inflacionária.
“Nas empresas de proteína animal, o efeito de um Trade War seria menos relevante dado o cenário de queda na produção de proteínas nos EUA, particularmente de carne bovina e suínos, o que já reduziu o volume exportado para a China nos últimos meses”, acrescentou o head de agro, alimentos e bebidas da XP, Leonardo Alencar.
É com essa visão que trabalha a Minerva Foods, maior exportadora de carnes bovinas da América do Sul. “Na situação que está lá, o preço da carne está alto, está faltando carne no mercado americano porque a produção caiu.”, afirmou Edson Ticle, CFO da empresa.
“Se estiver pensando no consumo doméstico, tem que fazer o contrário. Tem que incentivar a importação, dado que você não mexe na oferta de carne bovina em curto prazo. Precisa esperar o ciclo virar de novo, que é algo que deve acontecer só em 2028”.
Quadro semelhante se dá com o suco de laranja. Os efeitos do furacão Milton, que devastou o estado americano da Flórida em setembro, serão sentidos ainda por um bom tempo pelos citricultores da principal região produtora dos EUA. E assim, a dependência do produto importado também se manterá alta.
No café, a demanda em alta favorece os exportadores. Por isso, em nota oficial, o presidente do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), Márcio Ferreira, pontuou que apesar do discurso de campanha, em que Trump cita uma tributação de produtos importados, ainda é necessário aguardar as medidas oficiais do governo. "Os Estados Unidos são o principal parceiro comercial dos cafés brasileiros há décadas”, relembra Ferreira.
De janeiro a setembro de 2024, os norte-americanos importaram 5,7 milhões de sacas de 60kg do produto, volume que representa 15,8% das exportações cafeeiras totais realizadas pelo Brasil no período e implica crescimento de 31,9% na comparação com as aquisições no mesmo intervalo de nove meses de 2023.
Ferreira ainda afirmou que diante de um cenário de consumo crescente por café em todo o mundo, de gargalos logísticos no comércio global, de conflitos geopolíticos e de adversidades climáticas impactando os produtores, o Brasil “tem se mostrado resiliente e o único país do mundo capaz de suprir essa maior demanda pelo produto”.
“Com base na diplomacia e no histórico de bom relacionamento comercial, entendemos que a racionalidade se fará presente nas transações dos cafés do Brasil com seu principal parceiro comercial, os Estados Unidos”, acrescentou o presidente do Cecafé.
Rafael Gaspar, sócio da Pinheiro Neto Advogados, acredita que não dá para se basear no primeiro governo de Trump para projetar o segundo. De lá para cá, a situação fiscal mudou drasticamente, e os juros norte-americanos iniciaram uma trajetória de alta desde então.
“Mesmo com um Congresso republicano, não acho que ele consiga, no começo do governo, tocar a agenda que prometeu. Corre um risco de dar um tiro no pé, com propostas economicamente inviáveis”, afirmou.
Procuradas, a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), a Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), a Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão) e a CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos) afirmaram à reportagem que não possuem um posicionamento oficial em relação à vitória de Trump.
Dólar e empresas
Do lado positivo e no curto-prazo, produtores de grãos com estoque podem se beneficiar de um dólar em disparada para aumentar sua margem. Nesta tarde, a moeda americana bateu R$ 5,86.
Em julho, quando o dólar estava cotado a R$ 5,40, um patamar elevado frente ao visto em 2023, por exemplo, o sócio da consultoria MB Agro, Alexandre Mendonça de Barros, disse ao AgFeed que estava recomendando aos clientes da empresa que vendessem seus produtos para aproveitar a alta da moeda. De lá pra cá, até o pico desta tarde, houve uma valorização de quase 15% na cotação.
Gaspar, da Pinheiro Neto, acredita que pelo lado da venda, o dólar alto beneficia os produtores, mas na compra de insumos, prejudica.
Avaliando que estamos no final do ano, num momento em que a maior parte dos produtores já comprou seus fertilizantes, o jurista vê uma oportunidade grande para travar vendas em patamares elevados da moeda.
O dólar alto pode beneficiar também empresas produtoras de papel e celulose, segundo avaliou João Daronco, analista da Suno Research. Mesmo considerando cedo para avaliar os reflexos das políticas do novo presidente, companhias com receitas dolarizadas e custos em reais podem surfar no momento.
“Pensando por exemplo na Klabin, falamos de uma empresa que vai ter repasse dos preços enquanto o custo não sobe”.
Do lado negativos, as captações em dólar por parte de empresas e produtores nacionais devem continuar frias até o ano que vem, projeta Rafael Gaspar.
“Por mais que o agro tenha incentivo natural, pois vende em dólar, hoje a captação está cara. Até por isso o mercado internacional para emissões brasileiro tá devagar, e vemos menos emissões de bonds”, afirmou.
Uma eventual política expansionista de Trump, que ajude a baixar juros americanos, pode melhorar a captação para os brasileiros lá fora, mas só entre 2026 e 2027.
“Ao mesmo tempo, o mercado local segue andando com ferramentas que funcionam bem como CRAs e Fiagros. É uma válvula de escape para captações de brasileiros potentes nesse momento de mercado exterior está restrito”, finalizou o sócio da Pinheiro Neto.
A questão China
Outro aspecto que pode pesar em empresas do setor é a relação dos EUA com a China. Para setores como os de grãos e algodão, por exemplo, a expectativa é positiva. Produtores e empresas do segmento trazem na memória os efeitos da política protecionista de Trump em seu primeiro mandato.
"A última gestão de Trump foi boa para o Brasil, incluindo para o agronegócio, pois abriu espaço para a ampliação do comércio com a China", comentou o coordenador do centro de estudos Insper, Marcos Jank, em conversa recente com o AgFeed.
Na avaliação de Rafael Gaspar, uma briga entre o primeiro e o segundo maior exportador agrícola (EUA e China), favorece o terceiro lugar (Brasil).
“Como a briga de Trump é mais focada na China, pode trazer oportunidades para as exportações Brasileiras, principalmente em meio a um movimento de expansão dos BRICs. Uma chance de criar novos mercados, criando janelas de oportunidades se os EUA fecharem portas”, disse ao AgFeed.
Em um relatório publicado alguns meses antes da eleição de Donald Trump, Leonardo Alencar, da XP, pontuou que empresas como SLC e BrasilAgro, produtores de grãos, podem aumentar suas margens caso as tensões entre os EUA e a China ganhem traços mais fortes.
Nos cálculos do analista, a receita da SLC e da BrasilAgro é 86% e 64% originada de vendas para o gigante asiático, respectivamente. Nesta quarta, dia após o resultado da eleição americana, as ações das duas empresas subiram na B3, com a ação SLCE3 subindo 2,65% e o AGRO3 valorizando 3,03%.
“Acreditamos que o equilíbrio entre oferta e demanda continue sendo crucial, porém o impacto de uma possível guerra comercial deve ser positivo para os players agro produtores, e serviços. O aumento da demanda de exportação para a China provavelmente impulsiona os preços da soja e do milho”, afirmou o analista.
Para empresas de serviços no agro, como 3tentos, Boa Safra, Vittia e Agrogalaxy, Alencar vê um efeito positivo, mas indireto. Com os agricultores aumentando as margens com uma alta tanto no dólar quanto na demanda, a procura por insumos e serviços agrícolas pode aumentar.
Para frigoríficos, embora maiores preços de grãos aumentem provavelmente os custos de produção de frangos e suínos e gado nos EUA, o impacto geral pode ser positivo para as empresas com exposição à China, como a Minerva, acredita Alencar.