Depois de 20 anos de carreira em bancos internacionais, tendo sido presidente do Banco ABN AMRO no Brasil até 2021, o empresário Fausto Caron agora lidera um plano audacioso que deve beneficiar o agronegócio no País.

O começo dessa história tem a ver com a amizade de Caron – hoje uma sociedade – com o indiano Ritesh Sharma, um experiente executivo de multinacionais, que veio para o Brasil em 2016.

Em 2021, em função de questões familiares, Sharma passou seis meses na Índia. Lá viu o governo indiano anunciar na TV a conclusão de pesquisas de uma tecnologia com potencial para revolucionar padrões de custo e produtividade na agricultura.

Era a “nano ureia líquida”, que demandou nada menos do que US$ 300 milhões em pesquisas.

Na época, ao ser apresentada comercialmente ao mercado pela IFFCO (Indian Farmers Fertiliser Cooperative Limited), cooperativa considerada a maior do mundo em número de associados – são 55 milhões de produtores –, o novo fertilizante feito a partir da nanotecnologia prometia substituir quase 14 milhões de toneladas de ureia convencional em apenas dois anos.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, Fausto Caron, agora CEO da Nanofert, empresa que já investe em pesquisa e faz a distribuição de nanofertilizantes no Brasil, contou os detalhes de um novo salto que pretende dar com base nesta “joia indiana”.

Embora trabalhasse em bancos, ele diz que sempre gostou do agro e teve contatos no setor. Quando resolveu entender a fundo a história trazida pelo amigo indiano, afirma que ficou impressionado, começando pelo tamanho da IFFCO, maior produtora mundial de ureia, com 6 milhões de toneladas.

“Na Índia, todo mundo tem um pouquinho de agro, porque são 600 milhões de pessoas que moram na área rural. Lá a agricultura é uma atividade milenar. São pequenas propriedades, de 4 mil metros quadrados, em média. Mas é uma ilusão a gente achar que eles não são eficientes”, diz ele.

Caron lembra que, ao longo de décadas, por esse perfil de agricultura familiar e pelo foco absoluto em segurança alimentar, o governo indiano subsidiava em até 90% do custo do fertilizante aos produtores, chegando a gastar até R$ 30 bilhões nesta ajuda, anualmente.

É por isso que o investimento de US$ 300 milhões para desenvolver nanofertilizantes e reduzir o uso do produto tradicional “saiu barato” de certa forma. O trabalho envolveu os cientistas mais notáveis da Índia, como o Instituto Tecnológico do País e a
Tamil Nadu Agricultural University,

O que nem eles esperavam com tanta rapidez era a oportunidade de levar a inovação para fora da Índia. Sob o incentivo de Fausto Caron e Ritesh Sharma, chegaram ao mercado da potência agrícola chamada Brasil. Na primeira fase apenas fazendo testes em campo, distribuindo produtos importados para alguns clientes, mas logo perceberam que o potencial era maior que isso.

Fábrica no Brasil

Logo após o lançamento de mais um nanofertilizante na Índia, o nano DAP, que agora oferecia a possibilidade de substituir o fosfatado tradicional, a dupla Caron e Sharma fechou um acordo os indianos.

Nesta aproximação houve um papel importante também do pesquisador do Instituo Agronômico de Campinas (IAC) Heitor Cantarella, considerado um dos maiores especialistas em nitrogênio no País, que ajudou no sucesso da primeira fase do projeto, com foco em ampliar as pesquisas com os nanofertilizantes indianos nas lavouras brasileiras.

Os produtos foram trazidos para o Brasil e testados em 10 mil hectares, principalmente áreas comerciais, e por meio de parcerias com instituições como Fundação Mato Grosso e Instituto Agronómico (IAC), além de órgãos de Goiás e Paraná.

Em 2023 Caron e Sharma criaram a empresa Nanofert, no Brasil.

“Conseguimos assinar um contrato com eles (indianos) para importar e distribuir o produto com exclusividade, desde que garantíssemos determinados volumes, mas o primeiro ano era para registrar, fazer os testes de campo, falar para eles se precisavam de alguma alteração do produto, registrar no Mapa (Ministério da Agricultura), e fazer toda essa parte burocrática”, explicou Caron.

Em junho desse ano, os sócios da Nanofert receberam a visita de Arunachalam Lakshmanan, principal cientista envolvido nas pesquisas na Índia, e de Yogendra Kumar, diretor comercial da IFFCO.

O grupo visitou fazendas, conversou com grandes empresas do setor. Segundo Fausto Caron, ficaram impressionados com a extensão das lavouras no Cerrado e com a demanda potencial do produto no Brasil.

A partir disso, veio o acordo que acaba de ser fechado. Foi assinado em setembro e levará, em breve, à construção de uma fábrica de nanofertilizantes em solo brasileiro já a partir de 2025.

“Sempre achamos que seria viável realmente se produzir no Brasil. Melhor do que trazer o produto da Índia, são 12 mil quilômetros de navio”, disse o empresário. “A missão deles (IFFCO) é entregar o fertilizante para o associado, esses 55 milhões de agricultores, mas eles viram que tinha um mar de oportunidades aqui, o mercado é bom”.

Lá na Índia foi criada uma nova empresa, a IFFCO Nanoventions, uma subsidiária da “cooperativa mãe”. Um dos sócios é o cientista Lakshmanan, além de outros pesquisadores que são referência no tema – o grupo ficou com a metade da nova companhia. O sistema de cooperativas IFFCO tem 50% de participação.

Fausto Caron e Sharma viraram sócios da IFFCO Nanoventions em uma nova empresa aqui, que poderá se chamar Nanoventions Brasil. A participação majoritária é dos indianos.

O local da fábrica ainda não foi definido. “Estamos decidindo entre São Paulo e Paraná”, disse o executivo. Estariam no páreo regiões próximas à Campinas ou Curitiba.

O investimento previsto para a fase inicial, de capacidade ainda reduzida, deve ser de até R$ 100 milhões. Segundo Caron, todos os recursos são dos acionistas, não haverá captação junto a investidores.

O grupo admite apenas que poderá estudar oportunidades de incentivo governamental, como as próprias ações que visam aumentar a produção nacional de fertilizantes, para reduzir importações, ou mesmo linhas de bancos estatais.

A Nanofert continuará existindo, tendo Caron e Sharma como majoritários. O papel dela é ser o braço de distribuição, tanto de produtos importados da Índia como daqueles que passarão a ser fabricados no Brasil.

A capacidade inicial da fábrica será de 5 milhões de litros de nanofertilizantes. “Mais adiante vamos dobrar ou triplicar de tamanho, vai depender do mercado, da velocidade que a gente conseguir imprimir nesse crescimento”.

O empresário calcula que a fábrica poderá atender 3 milhões de hectares de lavouras. Com base nesse potencial, estima que poderá faturar até R$ 480 milhões no prazo de cinco anos.

Fausto Caron explica que a nova empresa não vai vender diretamente “nano ureia” ou “nano DAP”. Já pretende comercializar marcas próprias, produtos um pouco diferentes, mas todos baseados em nanotecnologia. O trabalho dos últimos meses já tem sido a definição do portfolio e registro de marcas. Contratos B2B também estariam no escopo.

“Vamos definir os detalhes que faltam até o fim do ano, mas o objetivo é construir no ano que vem. A fábrica em si é relativamente simples, para produzir fertilizantes líquidos não é um negócio complexo”, acrescentou.

A ideia é de que a fábrica brasileira tenha o mesmo modelo de laboratórios das plantas na IFFCO na Índia. Lá já estão operando quatro fábricas e a produção total ultrapassa 50 milhões de litros de nanofertilizantes. A expectativa é de que boa parte das máquinas também venham prontas da Índia.

Melhor custo x benefício

O investimento na produção de nanofertilizantes é baseado na expectativa de que a demanda pelo produto deve crescer fortemente, em função de custos mais baixos e ganhos de produtividade.

“A nanotecnologia permite que você obtenha o mesmo resultado usando muito menos produto. Por estar em tamanho nano, as moléculas têm uma biodisponibilidade muito maior para a planta, a absorção é muito maior”, afirma o CEO da Nanofert.

Como comparação, ele diz que uma molécula nano da lua seria do tamanho de uma bola de futebol. “Está avançando muito, inclusive na saúde humana. A vacina da Pfizer, de RNA, foi possível por conta da nanotecnologia”.

Caron aforma que já há 9 mil patentes com nanotecnologia para saúde humana, “enquanto no agro, mundialmente, são apenas 200, então está chegando agora no setor”.

Nas pesquisas em campo, o empresário diz que foi possível obter até 14%, em média, de ganho de produtividade. Enquanto isso, o custo diminui, segundo ele. Na Índia produtores teriam reduzido em até 30% o uso de nitrogênio tradicional, substituindo por 1 litro de nano ureia via foliar por hectare.

Aqui no Brasil, a empresa diz que “no caso da soja, por exemplo, tirou 30% do fertilizante de solo, do MAP, e aplicou um litro do produto, produzindo uma saca a mais do que a área em que foi usado 100% do produto do solo”. Na cana-de-açúcar, o ganho de produtividade teria sido de 7% na comparação com o NPK convencional.

A expectativa é oferecer um custo 10% menor que o fertilizante tradicional. Além disso, haveria outros benefícios, como o fato de a aplicação também ser mais simples e com menor impacto ambiental, já que o fertilizante não é aplicado no solo e portanto não interfere na microbiota, acrescentou.