Com o fim da colheita do feijão, em setembro, a produção total do grão no Brasil atingiu a 3,24 milhões de toneladas, segundo levantamento recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A estimativa para o próximo período é de avançar 0,5%, no volume, chegando a 3,26 milhões de toneladas.
Por maior que seja a relevância desses cálculos para os representantes da cadeia produtiva, a definição de “resultado”, porém, está ficando cada vez mais ampla.
Embora seja um dos alimentos mais importantes e tradicionais no prato dos brasileiros, o feijão vem perdendo espaço – e por uma combinação de fatores.
“Em média, o consumo de feijão no Brasil é de 13,5 quilos por habitante/ano. Desde 2008, temos visto sinais de diminuição nesse índice”, afirmou o pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, Alcido Elenor Wander.
“Essa redução deve-se a uma conjugação de fatores, como a mudança de hábitos alimentares e a busca pela conveniência de alimentos prontos (processados).”
Tal cenário fica ainda mais desafiador devido às poucas possibilidades de aumentar o consumo tradicional do feijão no mercado interno. Outros pontos que dificultam uma mudança de rota são o preço, a falta de tempo para o preparo do alimento e até o receio que algumas pessoas têm de usar panela de pressão.
No entanto, basta um olhar diferente para que se possa vislumbrar novas possibilidades. O pesquisador da Embrapa aponta como caminho em direção a essas oportunidades a inclusão do grão em novos alimentos e receitas.
“Nesse caso, a criatividade das indústrias e dos atores da culinária e da gastronomia é desafiada no sentido de diversificar as formas de utilização e consumo do feijão como um ingrediente nobre para a alimentação humana”, disse Wander, que não está sozinho nessa percepção.
O presidente do Instituto Brasileiro de Feijão, Pulses e Colheitas Especiais (Ibrafe), Marcelo Eduardo Lüders, acredita haver espaço para aumentar o consumo interno do grão, desde que as demandas de consumo sejam atendidas.
O dirigente cita, por exemplo, o bolo feito com farinha de feijão que foi servido durante a 10ª edição do Fórum do Feijão, realizado pela entidade nos dias 2 e 3 de outubro, em Brasília (DF). “Foi elaborado por um chef e ficou muito bom. Quanto mais opções dermos à população, mais possibilidades de consumir haverá”, afirmou.
Outro caminho para abrir espaço ao feijão é a agregação de valor, até mesmo promovendo o grão da mesma forma como já se faz com café e vinho.
“Em um mercado no qual se paga cada vez mais para consumir cafés e vinhos diferenciados, com definição de terroir, provavelmente pagariam para consumir um feijão diferente”, disse Lüders.
Essa distinção a qual se refere o presidente do Ibrafe passa, antes, por outra etapa. Para o dirigente, fará muita diferença entregar ao consumidor um produto rastreado, de forma que possa identificar exatamente qual é a opção que mais lhe agrada, seja por sabor, seja por rendimento, ou por qualquer outro fator.
Essa facilidade virá com a rastreabilidade do alimento desde a semente até o produto final. Pela explicação de Lüders, o consumidor teria informação até da cultivar que foi plantada para se chegar àqueles grãos que está levando para casa.
“Outra frente que defendemos é um apoio governamental a empresas que ofereçam feijão semipronto para o consumo, embalado a vácuo ou em latas.”
Tudo isso passa, necessariamente, pela evolução nos processos de melhoramento genético, pelo desenvolvimento e pela multiplicação de cultivares que ofereçam melhores resultados agronômicos e nutricionais.
“Todos os programas de melhoramento genético procuram desenvolver cultivares de feijão que sejam mais produtivas, mais resistentes a pragas e doenças e tenham melhores características culinárias e nutricionais”, afirmou Wander.
De olho nas exportações
Atualmente, a produção brasileira de feijão é quase toda consumida internamente. Pouca coisa vai para outros países. Essa condição faz com que representantes da cadeia produtiva passem a olhar com mais atenção para a potencialidade das exportações. Inclusive como estratégia para estimular a valorização da cultura e o aumento do plantio.
O presidente do Ibrafe traz um exemplo de como isso acontece na prática. De acordo com o dirigente, há cerca de três anos vem sendo realizado um trabalho de abertura de mercado para exportação do feijão preto.
Esse esforço estimulou o aumento de área com essa variedade e resultou no envio de 70 mil toneladas para diferentes países, como México e Venezuela. “E não faltou feijão preto no mercado”, disse Lüders.
Tanto a visão quanto a ação estratégicas nesse campo podem ser intensificadas com uma iniciativa semeada durante o 10º Fórum do Feijão: a proposta de um centro de inteligência do grão.
O objetivo principal é buscar o equilíbrio entre o preço justo para os consumidores e para os produtores. Será criado um comitê dentro do Ibrafe, com a participação de integrantes de outras entidades.
Uma das principais atividades desse grupo será o levantamento de informações sobre produção e consumo, de maneira a trazer uma visão mais precisa sobre o mercado, um mapeamento que sirva de subsídio para melhor aproveitar as demandas internacionais.
“Temos a possibilidade de produzir três safras olhando as oportunidades no mundo. Sabendo o que já está cultivado no Brasil, é possível gerar um incentivo ao plantio de determinadas variedades que terão um bom preço. E sem deixar faltar qualquer tipo de feijão no mercado interno”, explicou Lüders.
Entre as oportunidades, o presidente do Ibrafe cita o mercado chinês que, segundo ele, está parando de produzir feijão, mas continua a incentivar o consumo do grão. Lüders acrescenta, inclusive, que a China solicitou um acordo fitossanitário para importar feijão do Brasil. Assim como foi feito em relação ao gergelim, e que deve sair até o final do ano.
A conquista de espaço para o feijão brasileiro mundo afora também depende da capacidade de ofertar o produto semelhante ao que é consumido nos países importadores. O pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão alerta, por exemplo, que não há mercado externo para o feijão carioca, o mais produzido e consumido no Brasil.
Desafio da semente
Um dos principais obstáculos no caminho da expansão da cultura do feijão e o fato de que menos de 20% das áreas plantadas com o grão recebem sementes certificadas, conforme alerta de Wander.
Segundo ele, além de todos os riscos que representa, essa defasagem ainda é um fator inibidor aos investimentos em melhoramento genético no Brasil.
Mudar esse cenário é um dos principais desafios da Boa Safra, líder na produção de sementes de soja, que em outubro do ano passado entrou no mercado de feijão com produção própria. A companhia já atuava no segmento, mas com a comercialização da produção de terceiros, e até para o mercado de grão mesmo.
Para a coordenadora de Sementes Feijão e Trigo da Boa Safra, Suzanna Gigo, reverter o consumo do insumo pirata para as sementes certificadas pode gerar um grande impacto na expansão da produção.
“A semente certificada tem um custo mais alto, no entanto, segundo alguns estudos, proporciona um acréscimo de até dez sacas por hectare”, afirmou.
“Já as sementes piratas não têm a mesma resistência a pragas e doenças, e ainda podem gerar problemas no consumo final, por conta da dureza, do sabor e do tempo de cozimento do grão”, acrescentou Suzanna.
Em 2023, a Boa Safra plantou 2 mil hectares de feijão para a produção de sementes, sendo que a maior parte dessa área está concentrada em Minas Gerais e Goiás, e uma parte menor está na Bahia. A comercialização dessa primeira leva do insumo começou em agosto deste ano e vai até julho de 2025.
A representatividade do feijão nos negócios da sementeira ainda é pequena, chega a 5% e dividindo essa porcentagem com outras culturas, como sorgo, trigo e forragem. Mas o caldo tende a engrossar. A produção que hoje está em 2 mil “bags” – recipientes com 3 milhões de sementes cada (antes era medida em 1.000 quilos) –, deve crescer significativamente nos próximos quatro anos.
O leque de variedades, que hoje conta com o carioca e o preto, também deve ser ampliado. “No ano que vem, teremos sementes de feijão rajado e já estamos visionando a exportação com o feijão vermelho”, disse Suzanna. “Essa exportação ainda é uma perspectiva, mas trata-se de um mercado promissor. Hoje, nossa produção é toda para o mercado interno.”
A aposta da Boa Safra no mercado de feijão é também uma estratégia para, segundo a gerente da empresa, oferecer mais produtos aos clientes e ampliar suas chances de lucratividade.
“O feijão permite abrir novas possibilidades, novos negócios. Seja para quem planta só feijão e pode agregar outras culturas, seja para quem ainda não planta feijão e pode considerar adicioná-lo a sua atividade.”