As queimadas indiscriminadas que atingiram diversos canaviais tiveram impacto direto sobre as lavouras e indiretos em relação às estimativas do setor. Uma delas, inclusive, a respeito do cumprimento das metas para a redução de emissões de gases causadores de efeito estufa para a comercialização de combustíveis – e a geração de créditos de descarbonização, os CBIOs.
De acordo com o levantamento parcial realizado pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) junto às usinas do estado de São Paulo, referente aos incêndios ocorridos em agosto, pelo menos 231,8 mil hectares de cana-de-açúcar foram queimados.
Mais da metade dessa área – 132 mil hectares – ainda seria colhida. As empresas que contabilizaram esses números representam mais de 75% da produção paulista de cana.
Sem sombra de dúvida, a situação é mais do que lamentável. No entanto, como consequência das queimadas, o mix de produção nas usinas acabou pendendo mais para o etanol do que para o açúcar para a safra 2024/25. Com essa divisão, espera-se uma maior emissão de CBIOs – o que já está acontecendo.
A queda de qualidade na produção de cana, já ocorrida na safra passada, foi intensificada agora, devido aos incêndios. Diante dessa situação, as usinas acabam direcionando o processamento da matéria-prima mais para o etanol. Ainda que, em termos de preços, o mercado esteja mais favorável ao açúcar.
Segundo o analista da Consultoria Agro do Itaú BBA, Lucas Brunetti, enquanto o açúcar está cotado a 22 centavos de dólar por libra-peso, o etanol fica na faixa dos 15. “A decisão de venda é baseada em preço, e o açúcar vem pagando melhor há alguns anos”, disse o especialista.
Porém, por conta da limitação da qualidade, a opção pelo biocombustível acaba sendo compulsória.
Esses fatores já levaram a Consultoria Agro do Itaú BBA a rever suas estimativas para produção e consumo de etanol de cana-de-açúcar.
Em agosto, a previsão era de 24,8 bilhões de litros na safra 2024/25. Já em seu relatório de outubro do Monitoramento Renovabio, a empresa indicou um volume de 25,8 bilhões de litros. Na mesma comparação, a estimativa de consumo doméstico de etanol carburante passou de 28,9 bilhões de litros para 32,1 bilhões de litros (incluindo também etanol de milho).
Emissão de CBIOs
Segundo Brunetti, a meta de geração de CBIOs a ser cumprida pelo Brasil este ano é de 46,4 milhões de créditos de descarbonização, somando o valor determinado pelo RenovaBio e o que não foi entregue no ano passado (cerca de 11 milhões) por empresas que judicializaram suas metas.
“Acreditamos que essas mesmas companhias não devem cumprir novamente, deixando de entregar algo em torno de 10,6 milhões de CBIOs”, afirmou o analista.
Ainda assim, o volume total deve chegar a 35,8 bilhões de créditos, elevando de 13,6 milhões para 14,6 milhões os estoques finais dos créditos de descarbonização para o ano-meta 2024, conforme o relatório do Itaú BBA.
Em termos de valores, o cenário também está mais favorável. No final de setembro, o CBIO estava cotado a R$ 79,50, preço 6% mais alto do que o registrado o mês anterior, e que representa um respiro na sequência de alguns meses com tendência de baixa. Principalmente quando se leva em consideração a distância em relação ao valor médio do ano, que é de R$ 91,40/CBIO.
O relatório da consultoria traz ainda um balanço das negociações de CBIOS, baseado nos dados da B3. Em setembro, foram emitidos 3,08 milhões de títulos de créditos de descarbonização, aumento de 14% sobre o mês anterior.
Entre janeiro e setembro deste ano, a emissão total foi de 31 milhões de CBIOs, crescimento de 24% em relação aos mesmos nove meses de 2023.
Outro estímulo para esse mercado pode vir da Lei do Combustível do Futuro, recém-sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. O texto estabelece que a margem de mistura de etanol à gasolina passará a ser de 22% a 27%, podendo chegar a 35%. Hoje, essa proporção de etanol é de, no mínimo, 18% e, no máximo, 27,5%.
Brunetti diz, no entanto, que o impacto dessa lei sobre o RenovaBio não será direto nem imediato. “Acontecerá mesmo nos próximos anos.”