Para um cidadão comum, a tecnologia de raios X está associada às tradicionais imagens usadas no diagnóstico de fraturas ósseas. No universo agronômico, entretanto, uma startup de Piracicaba (SP) acredita que ela pode promover uma revolução no mercado de análises químicas de plantas, fertilizantes, grãos e alimentos.
A Inralt acabou de levantar capital para escalar a solução que desenvolveu com esse objetivo.Fundada pelo engenheiro agrônomo Marcos Gomes, a agtech utiliza aaparelhos portáteis com tecnologia de raio-x com ondas eletromagnéticas para “enxergar” características físico-químicas desses produto e, assim, prestar serviços a produtores e indústrias.
Hoje, a empresa atende grupos agrícolas e empresas de alimentos produtoras de whey protein, como a Max Titanium e a Probiótica, analisando o teor de proteína nos compostos.
No agro, a companhia tem como clientes o CTC, a ICL e a própria Esalq, além de grupos regionais como o Sakata, de sementes. Por enquanto, a clientela está concentrada no estado de São Paulo.]
A startup recebeu um aporte do tipo pré-seed da Chaac Capital e da Famagro. A primeira é a empresa recém-aberta por José Tomé, fundador do AgTech Garage, um dos principais hubs de startups do agro e que foi comprada pela PwC no ano passado.
Já a Famagro é um grupo de investimentos paulista que atua no agro, construção civil e setor de serviços há quase 50 anos.
“Finalizamos essa rodada pré-seed em julho, com foco de terminar algumas validações de tech e colocar isso no campo com mais intensidade, estruturando uma etapa mais parruda de go to market”, afirmou Gomes. O valor da rodada não foi revelado pelo fundador.
Ao AgFeed, Tomé explicou que a Chaac Capital busca investir com cheques de R$ 100 mil a R$ 1 milhão em agtechs com tecnologias robustas, como é o caso da Inralt. Até o final do ano, ele espera investir em mais algumas startups, com um olhar especial para empresas de biotecnologia.
“A nova década vai ser marcada pela biologia sintética e digital. Sem dúvidas isso vai trazer impacto para o futuro e o Brasil tem poucas iniciativas nessa área. Colocaremos muita atenção nisso pois são tecnologias que levam tempo mas trazem resultados de mudanças mais significativas”, afirmou Tomé.
O capital para investir é do próprio Tomé e foi originado em sua saída da PwC. “Reservei um capital para fazer investimentos em startups, usando minha experiência de anos no AgTech Garage me relacionando com empresas. Vou continuar a contribuir com o ecossistema, mas de forma diferente, dessa vez com capital proprietário”.
No caso da Inralt, além da tecnologia, o histórico empreendedor e o conhecimento profundo do agro de Marcos Gomes chamaram a atenção do investidor. As conversas começaram há alguns meses e Tomé iniciou como um mentor na Inralt. “Marcos se mostrou aberto e já notei resultados logo depois das primeiras trocas”.
Tomé acredita que a tecnologia da Inralt está pronta; Agora, Gomes passará por um momento de educar mercado e ganhar espaço comercial.
Atualmente, a Inralt possui dois modelos de negócio. No primeiro, vende inteligência para empresas que já possuem equipamentos de raio-x, que “só pagam para usar a curva de calibração”, explicou Gomes.
Na prática, após a empresa rodar uma folha ou grão, por exemplo, numa máquina, a Inralt pega os dados, processa os arquivos e entrega um relatório que mostra o teor de nutrientes contidos neles. A empresa atende tanto outras companhias como produtores finais.
De acordo com Gomes, a maior demanda vem de empresas de alimentos e também de fertilizantes. Nesse caso, elas buscam fazer provas de controle de qualidade ou de um diagnóstico foliar no campo, in loco, para fazer recomendações aos clientes.
Outro segmento que tem buscado a startup são grandes produtores que não querem investir em um laboratório próprio, e acionam a Inralt para análises. Aí que mora o segundo modelo de negócio da companhia, que usa suas próprias máquinas para fazer os prognósticos.
Para o futuro, ele vê um caminho em atuar num terceiro modelo, com aluguel de máquinas com tecnologia de raio-x. A tecnologia, segundo Gomes, é utilizada em diversos segmentos da economia, como mineração e na análise de obras de arte, mas no agro é pouco conhecida. “Nosso objetivo é trazer essa tecnologia para o segmento agrícola”.
No longo prazo, o fundador vê a possibilidade de embarcar a tecnologia num implemento agrícola, como por exemplo num pulverizador.
O esalqueano de família empreendedora
Marcos Gomes, fundador da Inralt, é um engenheiro agrônomo formado na Esalq que conta com um histórico familiar bem extenso no agro. Natural de Piacatu, no interior paulista, se mudou ainda criança para Monte Alto, próximo a Ribeirão Preto, onde seu pai abriu uma revenda agrícola.
Antes da Inralt, Gomes fundou a Agroadvance, startup focada em oferecer cursos voltados ao agro, com outros sócios.
Lá, ele ficou no dia a dia da operação de 2020 até meados de2023, tocando em paralelo a operação da Inralt, que na época chamava FarmResult.
“Vi que não estava mais me encaixando e saí da operação, pois gosto de empreender. Mas ainda estou no conselho e sou um dos sócios”, diz.
Quando ele voltou para a operação da Inralt, decidiu estruturar a rodada pré-seed.
A família empreendedora não para por aí. Gomes é primo de Marcos Petean, fundador e CEO da startup Gênica. Seu xará inclusive ajudou a sua empreitada a ganhar investidores.
“Quem fez a ponte com o Tomé foi o Galaq (apelido do primo CEO nos tempos de Esalq)”, disse Alpino, como Marcos Gomes é conhecido entre os amigos de faculdade.
Gomes entrou na Esalq em 2011, onde passou a ter contato com temáticas como fertilidade do solo e nutrição de plantas. Após formado, tornou-se pesquisador no Centro de Energia Nuclear na Agricultura, instituição também ligada à USP.
Orientado pelo químico Hudson Wallace, que estudava nutrição de plantas, ele se deparou com tecnologias diferentes para análise. Uma delas foi justamente o raio-x. “Vi que físicos e químicos desenvolviam métodos mais fáceis que agrônomos”.
No doutorado, prestou serviços para empresas de fertilizantes e também fez análises de plantas vivas. Foi aí que veio o estalo de transformar a pesquisa em uma empresa. Em 2021, a empresa ganhou outra sócia: Thainara Rebelo, que fazia mestrado justamente no CENA, na área de atuação da startup.