A Petrobras ainda nem tinha sido criada no Brasil e os representantes dos irmãos franceses Schlumberger já faziam seus primeiros testes para a futura exploração de petróleo por aqui, ajudando a desbravar a bacia do Recôncavo, na Bahia.

A empresa de 98 anos, que hoje tem ações negociadas na Bolsa de Nova York e valor de mercado de cerca de US$ 70 bilhões, é mais uma das tradicionais do petróleo que passaram a ter foco na transição energética.

Em 2022, para marcar uma mudança estratégica, a Schlumberger mudou de nome e passou a se chamar SLB.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o diretor de desenvolvimento de negócios para a América Latina da SLB, Augusto Carvalho, explicou que houve a decisão, há cerca de quatro anos, em ter mais foco na questão das mudanças climáticas.

“Significa o nosso compromisso de atingir o net zero e seguir trabalhando pela descarbonização da indústria. A mudança no branding teve um sentido não só de marketing, foi o lançamento de um novo propósito de existência da empresa, que está ligado a impulsionar e liderar o desenvolvimento de tecnologia que vá permitir o acesso à energia de forma sustentável, para o bem da sociedade”, afirmou o executivo.

A partir desse momento, a SLB criou uma nova área de negócios voltada a soluções de transição energética. Entre os destaques estão os projetos para captura e armazenamento de carbono, com grande potencial de crescimento na América Latina.

Também estão no portfolio projetos de energia geotermal, ou seja, usar o calor da terra para produzir eletricidade. São iniciativas que podem ser desenvolvidas ao longo de 30 anos, que demandam investimento elevado, mas que podem ser o “pulo do gato” para companhias que precisam de um lado contribuir para a descarbonização e, de outro, aproveitar oportunidades de criar receitas adicionais a partir da venda de produtos de baixo carbono.

Carvalho conta que nesta tecnologia que utiliza calor da terra, a SLB possui uma empresa, chamada Celsius, cujo prédio sede em Paris já usa aquecimento e refrigeração a partir da energia gerada pelos poços. O portfólio ainda inclui soluções para produzir hidrogênio verde, inclusive a partir do biogás.

A empresa também oferece sistemas de geração e armazenamento de energia heliotérmica, ou seja, proveniente dos raios solares de maneira indireta. Nesta área, o diretor da SLB disse que em breve deve anunciar um novo projeto no Brasil. “Não posso dar detalhes porque estamos concluindo os acordos”.

Parceria com a FS com foco no etanol

No mercado brasileiro, o grande projeto da SLB fora do universo petrolífero é a anunciada “planta de carbono” que será construída pela FS, uma das maiores empresas de etanol de milho do País.

Em maio deste ano, a produtora de etanol anunciou a conclusão dos estudos geológicos que comprovaram a viabilidade da injeção de CO2 no subsolo. Trata-se do carbono emitido na fase de fermentação da produção do biocombustível.

Quem perfurou o poço e fez o estudo geológico foi a SLB. A multinacional segue analisando dados e trabalhando junto da FS para que em 2025 comece a construção da planta de carbono.

A expectativa da empresa brasileira com o projeto é se tornar a primeira produtora de etanol com pegada negativa em carbono do mundo e a primeira a desenvolver a tecnologia BECCS (sigla em inglês para produção de bioenergia com captura e armazenamento de carbono) na produção de etanol, fora dos Estados Unidos.

A FS já investiu R$ 100 milhões no projeto até agora e estima ter que gastar mais R$ 350 milhões para finalizar a construção da planta.

Em entrevista recente ao AgFeed, o CEO da FS, Rafael Abud, explicou que o projeto só não anda mais rápido porque ainda há algumas pendências, como por exemplo a regulação deste tipo de atividade (injeção de carbono no solo) no Brasil. A expectativa é de que ações como o projeto chamado de Combustível do Futuro, que tramita no Congresso Nacional, ajude nesse processo.

Somente depois disso será mais fácil buscar incentivos financeiros internacionais para vender créditos de carbono ou pelo menos receber um prêmio pelo etanol com pegada bem inferior se comparado ao norte-americano.

“A FS está sendo pioneiríssima, super inovadora, admiro demais o espírito do time. São muito seguros, têm uma visão fantástica da perspectiva desse negócio para o futuro, e isso vai se tornar um exemplo que vai ser seguido”, afirmou Carvalho, da SLB.

Poço para avaliação de viabilidade geológica na planta da FS, em Lucas do Rio Verde-Mt

A gestora americana sócia da FS, a Summit Ag, também está em fase de planejamento para construir uma planta de captura de carbono nos Estados Unidos.

O time da SLB, neste momento, não está trabalhando mais em Lucas do Rio Verde, onde será a planta da FS. O poço que foi perfurado está agora “cimentado”, mas será reutilizado quando houver a obra. As últimas análises em laboratório estão sendo feitas em Houston, no Texas, onde fica a sede global da empresa.

Carvalho prevê que, após iniciada, a obra leve um ano e meio para ser concluída, por isso acredita que operação para valer, possivelmente, será vista em 2027.

Mesmo depois de construída a planta, a expectativa é de que o contrato da SLB com a FS dure os 30 anos do projeto, já que, segundo a empresa, tão importante quanto instalar a planta é fazer o monitoramento contínuo da atividade.

“Você vai estar injetando gás ao longo de 30 anos. Terá que comprovar aos órgãos reguladores que a injeção está acontecendo como esperado, que o CO2 está se expandindo de acordo com o planejado”, explicou o diretor da SLB.

Potencial de expansão (inclusive na cana)

Desde 2018, a captura, utilização e sequestro de carbono (CCUS, na sigla em inglês) vem sendo impulsionada, no mundo inteiro, segundo a SLB.

Os projetos anunciados envolvem mais de 200 novas instalações em operação até 2030, capturando mais de 220 milhões de toneladas métricas de CO2 por ano.

A SLB diz estar envolvida em mais de 100 projetos de CCUS em todo o mundo e em diversos setores, nas últimas duas décadas. As iniciativas globais, segundo a companhia, abrangem aplicações e indústrias onshore e offshore, incluindo etanol, metanol, hidrogênio azul, bioenergia com CCS (BECCS), processamento de petróleo e gás, recuperação aprimorada de petróleo, cimento, energia, aço, entre outros.

No Brasil, porém, a SLB tem clareza que o grande potencial está no etanol – e não apenas naquele feito a partir do milho, a viabilidade está no biocombustível feito a partir da cana, de seus resíduos, ou mesmo de outras matérias-primas.

O diretor da SLB disse ao AgFeed que a bacia sedimentar do Paraná, onde está por exemplo o estado de São Paulo, grande produtor de etanol, também está apta para projetos de captura e injeção de carbono no solo.

Ele admite que já está tocando projetos com outras empresas brasileiras que, por enquanto, ainda estão na fase de avaliação geológica, já que começaram “um pouco depois” da FS.

“A emissão do etanol tem quase CO2 puro, é 95% ou mais, bem diferente de outros grandes emissores que são muito mais difíceis de separar (o carbono de outros gases)”, explicou Carvalho. No caso de outras indústrias, a “fumaça” emitida, repleta de outros compostos, acaba inviabilizando essa captura e injeção no solo. “O volume é tão gigantesco, tem tanta coisa misturada com vapor de água que os sistemas não vão funcionar e a rocha não vai receber”.

Também ajuda o etanol brasileiro o fato de já existir o Renovabio e o mercado de CBios, títulos que remuneram a redução nas emissões. Mas o executivo lembra que os valores hoje praticados no programa ainda estão longe de viabilizar os investimentos necessários para uma planta de carbono.

Ele lembra o índice de carbono da produção de etanol do Brasil, por exemplo, é em torno de 21 a 27, enquanto nos Estados Unidos, fica entre 56 e 60.

“Eles não conseguem ter a mesma eficiência e redução de carbono que a nossa. Se você aplicar um CCS no etanol brasileiro, esse etanol, de fato, vai ficar negativo em carbono. O americano, na melhor das hipóteses, vai ficar um pouco perto do que a gente tem hoje. Nem vai chegar no mesmo valor. Então, o etanol brasileiro com CCS é incomparável”, defende.

É por isso, segundo ele, que as empresas que estão querendo promover esses projetos estão de olho em valorizar esse etanol lá fora e receber incentivos também de outros lugares.

O AgFeed perguntou ao executivo da SLB onde ele acredita que o Brasil poderá ver seu segundo projeto de injeção de carbono no solo. A resposta foi: “tem boa possibilidade de ser na região Centro-Sul”. É onde estão as maiores usinas de etanol a partir da cana, de primeira e segunda geração.

O interesse das empresas, segundo ele, está relacionado à possibilidade de exportar etanol de baixa pegada de carbono e também às perspectivas futuros para o SAF – combustível sustentável de aviação. “Deve representar uma porta de entrada muito interessante para o etanol negativo aqui do Brasil”.

“Não podemos dizer que vai ser algo muito rápido, mas alguns players já estão bastante interessados e à medida que começar a se materializar o êxito da FS, e alguns outros que estão vindo a rebote, isso vai chamar a atenção, é uma perspectiva muito positiva”, acrescentou.

A SLB registrou um faturamento em 2023 de US$ 33,14 bilhões, o que representou uma alta de 18% em relação ao ano anterior. No segundo trimestre deste ano a receita global avançou 13% enquanto na América Latina o crescimento foi de 7%.

A empresa não informa quanto de sua receita já está sendo gerada pelas chamadas soluções ligadas à transição energética, mas diz que estima investimentos na unidade de “Novas Energias” de US$ 3 bilhões até o final desta década e de pelo menos US$ 10 bilhões até o final da próxima década.

Dados da consultoria Wood Mackenzie indicam que nos próximos 10 anos devem ser investidos US$ 196 bilhões em projetos de CCUS – captura, uso e sequestro de carbono – inclusive com participação de recursos públicos, principalmente na América do Norte e Europa.