Está cada vez mais difícil saber qual a “janela” de compra de insumos para as principais culturas agrícolas no Brasil, desde que as margens ficaram mais apertadas e os produtores seguem descontentes com os níveis de preço.
Até o fim de maio, a comercialização de insumos para a safra de grãos, principalmente a soja, estava muito lenta, no menor ritmo dos últimos anos, o que gerava preocupações para o plantio, que começa em setembro.
No quinto mês do ano, apenas um terço de todo fertilizante que será usado na primeira safra de culturas como a soja havia sido adquirido pelos produtores. Na época, agricultores acompanhavam com lupa a disparada do dólar, de quase R$ 0,20 ao longo do mês, encerrando o período no patamar de R$ 5,24.
A partir dali, a cotação da moeda norte-americana não parou de subir, alcançando patamares não vistos desde 2022, acima de R$ 5,60 ao fim de julho.
Com preços melhores em reais, o produtor resolveu avançar na comercialização da safra e como o modelo de barter (troca por insumos) predomina, a partir desse momento a compra de fertilizantes também ganhou fôlego, alcançando 86% até 26 de julho, segundo levantamento da Agroconsult.
O sócio-diretor da consultoria, Cléber Vieira, destaca que até o fim de maio, as vendas haviam atingido 33% do total que seria usado este ano, “um número desconfortável”, diz. No mesmo período de 2023, esse ritmo estava em 45%.
“A venda estava atrasada em relação ao ano passado, no ritmo mais lento já registrado. Mas houve bastante movimentação em junho e julho e deu uma acelerada”, reforçou Vieira.
É um comportamento diferente dos últimos anos. O executivo da Agroconsult lembra que, em fevereiro de 2021, por exemplo, as vendas de fertilizantes estavam em 60%. No mesmo mês de 2023, alcançavam 40% e, no mesmo mês, este ano, estavam em apenas 20%.
Com a corrida dos últimos meses, o total de 86% já vendido de insumos pra soja supera o mesmo período do ano passado, quando o ritmo estava em 80%.
Em relatório recente, que fala do “comportamento errático dos produtores rurais” no título, o time da agro da XP menciona a recente aceleração nas vendas da próxima safra e também os desafios no ritmo de comercialização dos fertilizantes.
Para os analistas da XP, Leonardo Alencar, Pedro Fonseca e Samuel Isaak, o atraso significativo nas vendas de insumos em comparação com as médias históricas para soja e milho da safra 2024/2025 pode ser atribuído à “piora da viabilidade econômica dos fertilizantes” e “à redução das margens para os agricultores” após a derrocada dos preços das principais commodities na última safra e o maior custo de produção.
Atraso histórico no milho
O cenário para a segunda safra de milho, que é a maior do País e começa a ser plantada em janeiro, está repetindo o atraso histórico visto ao longo do ano na compra de fertilizantes.
Até 26 de julho, produtores compraram apenas 32% em adubos em relação ao volume que se espera para o milho em 2024/2025, segundo a Agroconsult.
Vieira explica que o ritmo está abaixo do registrado na mesma época do ano passado, quando chegou a 35%. “Baseado no que vimos até 2021, nesta época do ano, já tinha 60% vendido (no Brasil)”, diz.
O relatório da XP também destaca que o ritmo de compra de fertilizantes para o milho está abaixo da média histórica em todos os principais estados que plantam segunda safra.
No Paraná, por exemplo, apenas 9% dos adubos foram adquiridos para a safrinha, enquanto o normal seria 21%. Já em Mato Grosso, o relatório mostra que 45% foram comprados, mas a média de cinco anos é de 70% para essa época do ano.
O analista da Agroconsult acredita que as vendas ganharão fôlego entre o fim de outubro e novembro, principalmente, se os preços dos insumos caírem.
Ele ressalta que o preço do fertilizante nitrogenado, utilizado na segunda safra de milho, aumentou entre 25% e 30% na passagem de maio para junho. Com isso, o produtor aguarda melhores condições comerciais para fechar compra, o que justifica o ritmo de negócios mais lento.
Fatores não faltam para deixar o produtor brasileiro mais desanimado com o carro-chefe da segunda safra.
O consultor Carlos Cogo não descarta que possa haver uma redução de área de milho, com o agricultor priorizando o plantio de outras culturas.
“O que vimos no ano passado pode se repetir, que é o aumento de área plantada de sorgo e da segunda safra de algodão, principalmente, no Cerrado. A área de sorgo cresceu 12% na última safra. Ela tem um custo menor em relação ao menor”, endossa.
Cogo diz que as vendas de insumos, para as duas safras, estão mais adiantadas para a região Cerrado e mais atrasadas para o Sul, diante da tragédia climática no Rio Grande do Sul.
Em relação ao estado gaúcho, onde só se planta milho verão, o consultor diz que é cedo para “cravar” impactos na área plantada de grãos após as fortes chuvas registradas entre abril e maio. Todavia, ele acredita que haverá atraso no plantio de soja, algo já visto com o trigo. “Mas não dá para descartar que o Rio Grande do Sul pode plantar menos”, finaliza.
O sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, Carlos Cogo, acrescenta que o preço mais baixo da soja também influenciou na venda mais lenta. "A gente vinha de praticamente três seguidas safras com as vendas de insumos começando em fevereiro e, em junho, já estava praticamente tudo negociado. No ano passado, a comercialização começou a andar devagar", comenta.
Relação de troca piora
Para o sócio-diretor da Agroconsult, tal movimento, mais lento, demonstra que, com o passar dos anos, o produtor vem estabelecendo um novo padrão de compra de insumos em meio às condições comerciais que eles vêm encontrando.
O indicador determinante na tomada de decisão costuma ser a chamada relação de troca, que determina quanto de uma commodity é preciso vender para comprar uma certa quantidade de fertilizante.
“Houve uma mudança na relação de troca", afirmou Cleber Vieira. Do ponto de vista do produtor, a mudança foi para pior.
Os dados da consultoria mostram que a relação de troca em Mato Grosso, praça referência do mercado da soja, foi de 24,7 sacas para uma tonelada de fertilizantes, em julho deste ano. No mesmo mês de 2023, essa relação foi de 20,6 sacas para a compra de uma tonelada de insumos.
No caso do milho, no mês passado, a relação de troca envolveu 72,3 sacas do grão para a mesma quantidade de fertilizantes. Enquanto no ano anterior, foram necessárias 65,2 sacas para uma tonelada de insumos, aponta o levantamento da Agroconsult.
Segundo Cogo, produtores esperavam uma melhora nos preços da soja que, por influência da taxa de câmbio, passou a subir em reais, enquanto recua no exterior. “Além disso, o prêmio nos portos está muito alto, com a safra menor e uma boa demanda pelo grão. Daí, os preços têm melhorado no decorrer do ano, com preço-médio saindo de R$ 94 para R$ 121”, ressalta.
Contudo, o sócio-diretor da Cogo Inteligência pondera que, ao longo de julho, diante do salto da cotação, o valor da moeda americana passou a ser repassado para o preço do fertilizante, que também começou a subir no exterior.
O consultor destaca que os preços de fertilizantes fosfatados, importantes para o plantio de soja, tiveram altas “bem expressivas”, o que pode ter levado produtores a perderem o “timing” de compra. “A relação de troca piorou com isso, mas o preço da soja ajudou a amenizar o impacto vindo dos fertilizantes”, pondera.
Apesar da aceleração nas vendas entre junho e julho, Vieira, da Agroconsult, diz que o movimento é normal, uma vez que o plantio da primeira safra começa em setembro e o fertilizante importado leva 60 dias para chegar no Brasil.
"Nós somos importadores de fertilizantes. É natural que as vendas tenham acelerado nesta época, independentemente do preço do insumo e da cotação do dólar. O produtor espera até o último momento para conseguir negociações mais atrativas”, reforça.