Entre Hamburgo, na Alemanha, e Campinas, no estado de São Paulo, há 10 mil quilômetros e um oceano de distância. É a medida da mudança do executivo João Aleixo, concretizada na virada do semestre.
Depois de sete anos sediado na Europa, ele retorna ao Brasil com um ambicioso projeto na bagagem. Seu cargo continua o mesmo: CEO da divisão agro do grupo químico germânico DVA Group. O que muda é que, com ele, vem para o Brasil o centro de decisão global da DVA Agro, empresa que durante nove anos esteve praticamente ausente do País.
“A DVA International fica em Hamburgo. O coração, a sede financeira da companhia está em Hamburgo. Mas a cabeça da DVA Agro vem para o Brasil”, disse ele em entrevista exclusiva ao AgFeed.
O retorno, tanto de Aleixo quanto da DVA, tem uma estratégia bem definida, desenhada cuidadosamente durante os anos de ausência.
“O Brasil está numa proporção gigantesca. Em três anos, o País vai ser do tamanho da nossa operação atual”, diz ele, referindo-se ao negócio de agroquímicos hoje presente em 53 países.
Empresa familiar, a DVA não divulga números, mas é possível compreender as suas dimensões a partir de suas principais concorrentes. Entre as companhias alemãs, está na quarta posição no ranking das indústrias de insumos para o agronegócio, atrás das gigantes Bayer e Basf e muito próxima da Helm.
Para entender o desafio de Aleixo é preciso voltar alguns anos na linha do tempo da empresa. A DVA Agro já teve uma operação expressiva de defensivos no Brasil, vendida em 2015 para o grupo indiano UPL. Na venda, a companhia alemã se comprometeu também a ficar fora desse mercado por nove anos.
O acordo de não concorrência venceu no último dia 1º de abril. Liberada para voltar a comercializar seus produtos, a companhia germânica agora tem pressa. No próprio mês de abril comunicou ao mercado seu retorno e anunciou a meta de atingir, até 2028, a marca de US$ 100 milhões em receita no País.
A mudança do comando da DVA Agro para o Brasil também estava nos planos, mas foi mantida em sigilo até agora, com o desembarque definitivo de Aleixo e o estabelecimento do novo QG em Campinas.
E a velocidade com que a estratégia vai sendo desenvolvida dá a indicar que a meta já foi redimensionada para cima.
A pergunta de muitos milhões de dólares para o executivo é: como tirar uma operação regional praticamente do zero e fazê-la responsável por dobrar as receitas globais da companhia em apenas três anos?
Aleixo demonstra confiança no modelo de negócios original que começou a ser executado no final de abril, quando a DVA anunciou uma sociedade com a Coopercitrus, maior cooperativa brasileira em número de associados, para a formação da Agroallianz, empresa que será responsável pelo desenvolvimento, produção e comercialização de seu portfólio de defensivos químicos, adjuvantes e insumos biológicos no Brasil.
Modelo inédito
“A mágica está dentro do modelo de negócio da Agroallianz”, diz ele. Pelo acordo firmado em abril, a Coopercitrus fica com 15% da nova empreitada, em um modelo inédito de participação de produtores rurais, através da entidade, em uma indústria de insumos de proteção e nutrição de plantas.
O DVA Group mantém os outros 85%, mas em breve pode ter vessa participação reduzida, com a utilização de fatias do controle para a chegada de novos parceiros.
“A gente traz as cooperativas ou outros sócios para dentro e eles são responsáveis em fazer o acesso ao mercado. A Coopercitrus acessa 42 mil produtores. Nosso plano é chegar a 100 mil”, afirma Aleixo.
“O projeto não termina com a Coopercitrus, estamos conversando com outras empresas”, antecipa ao AgFeed. As conversas, segundo ele, caminham rapidamente e envolvem outras cooperativas e traders, também com amplo acesso a produtores rurais.
Assim, novas parcerias estratégicas, sempre envolvendo a participação na sociedade, devem ser anunciadas em breve. A premissa básica é que a DVA se mantenha majoritária.
Segundo Aleixo, os primeiros meses da AgroAllianz revelam que o modelo despertou a atenção de um grande número de potenciais parceiros.
Ele começou a procurar possíveis sócios há cerca de dois anos, já com a expectativa de lançar a empresa assim que se encerrasse o período de não competição no Brasil. Naquela época, conta, poucas portas se abriram.
“Hoje tem mais gente querendo entrar do que espaço à mesa”, afirma. “Posso falar que a operação roda muito melhor do que a gente tinha previsto no plano de negócios, em termos de rentabilidade do negócio”.
Além disso, a conjuntura econômica ajudou a chamar a atenção para a empresa, que permite aos sócios, por serem donos da indústria de insumos, se protegerem de variações de preços e do câmbio, como tem ocorrido, e compartilharem dos eventuais ganhos com essa flutuação.
“Assim, a Coopercitrus, por exemplo, além de poder gerenciar melhor a situação, pode oferecer ao seu associado um produto com preço mais competitivo”, explica.
Aleixo destaca também o papel do primeiro sócio como outro ponto a chamar a atenção para a Agroallianz. A Coopercitrus, lembra, além de ser uma das maiores, é reconhecida como “uma das cooperativas com gestão e liderança mais focadas em gerar valor para o cooperado”.
No modelo desenvolvido pela DVA, esse é um aspecto crucial. Segundo Aleixo, ao invés de uma parceria convencional, baseada na relação apenas entre as áreas comerciais das duas partes, os contatos se dão em todas os pilares de gestão das companhias, buscando as sinergias e os pontos fortes de cada um.
“Investimos muito tempo na formatação da governança do negócio”, afirma Aleixo. “Podemos dizer que 80% do que pensamos está funcionando plenamente e os outros 20% ainda requerem ajustes. Mas o mais importante é que temos uma ótima comunicação, que permite conversar rápido quando as pedras aparecem e podemos tirá-las do caminho também de forma rápida”.
Em breve, entretanto, esse desafio aumenta, com a chegada de um ou mais novos sócios. Aleixo afirma estar ciente e confiante de que será possível superá-lo.
Pensando nisso, diz que a escolha dos futuros parceiros não prioriza eventuais ganhos financeiros ou volume de negócios a serem gerados. “Eles precisam ter a mesma agenda que a gente tem”.
Volta silenciosa
A nova fase pública da DVA no Brasil foi construída em silêncio durante cerca de sete anos. Em 2017, dois anos após a venda para a UPL, os alemães começaram a planejar a remontada atuando nos bastidores.
Ao mesmo tempo em que investiam globalmente na expansão do seu portfólio de produtos de especialidades – foram cerca de US$ 80 milhões em aportes nos últimos cinco anos –, no Brasil, com apenas dois profissionais, eles iniciaram um amplo processo de pedidos de registros para seus produtos, além de análises de mercado e visitas a potenciais clientes.
Segundo Aleixo, a DVA tem, no País 150 pedidos de registros. Destes, 41 foram aprovados. Os outros, estão submetidos às autoridades regulatórias ou devem ser submetidos até 2025
“Ninguém tem 150 registros no Brasil, é um investimento altíssimo”, diz. Do total, 25% são, segundo Aleixo, para produtos que hoje não existem no mercado.
A expectativa da empresa, a partir da aprovação desses pedidos, é cobrir, entre 2028 e 2029, mais de 90% das necessidades dos produtores de soja e milho, incluindo herbicidas, inseticidas, fungicidas, biostimulantes, fertilizantes foliares, antioxidantes e biológicos. Na cana, algo também próximo de 90%.
A nova DVA Brasil passou a atuar comercialmente no País em 2021, mas ainda de forma limitada à linha de especialidades, que tem três marcas: a Incentia, de bioestimulantes e fertilizantes, a Adyuvia, de adjuvantes, e a Esencys, de biológicos.
A estreia da Agroallianz no mercado ocorreu com 22 produtos químicos. A ideia é dobrar esse número em quatro anos.
Outro combustível para impulsionar os negócios por aqui é a produção de adjuvantes e tecnologias de aplicação na fábrica inaugurada no ano passado em Indaiatuba (SP), resultado de um investimento inicial de R$ 12 milhões.
Além de atender o mercado brasileiro, a unidade fornece também para outras subsidiárias da DVA na América do Sul, como Argentina, Paraguai, Bolívia e Colômbia.
No mesmo local, a DVA instalou o seu laboratório global de pesquisa e desenvolvimento, outro indicativo do novo papel que a subsidiária brasileira deve ter dentro dos negócios do grupo.
Já a chegada ao mercado de biológicos, com a marca Esencys, deve acontecer na safra 2025/2026. Os produtos devem vir, a princípio, da fábrica da empresa na região de Málaga, na Espanha.
Para 2028, uma terceira planta da companhia no Brasil deve sair do papel, segundo adiantou Aleixo ao AgFeed: uma fábrica de formulação de agroquímicos.
O local ainda não foi definido. O investimento previsto é de US$ 12 milhões, que deve começar a ser desembolsado em 2027.
Aleixo não descarta, entretanto, a possibilidade de ser antecipado. “Depende muito de quem vai entrar (na sociedade). Se entrar quem estamos esperando, talvez a gente adiante o projeto”.