Com a taxa Selic mais baixa nesta safra, lideranças esperavam uma queda nos juros para as principais linhas do Plano Safra nesta temporada, mas o governo acabou não mexendo nos índices no que se refere a médios e grandes produtores rurais.

A questão liderou a lista de pontos vistos como negativos por produtores e especialistas no anúncio feito na tarde desta quarta-feira, 3 de julho, pelo governo federal. Mas há vários outras ressalvas.

“Esperávamos uma subvenção um pouco melhor no juro. Só uma taxa que caiu um pouco, mas ainda assim ficou acima da Selic”, reclamou o presidente da Aprosoja Brasil, Maurício Buffon, em entrevista ao AgFeed.

O dirigente se refere a única linha que teve os juros reduzidos no Plano Safra da Agricultura Empresarial, o Moderfrota para grandes produtores comprarem máquinas e equipamentos, que era de 12,5% ao ano, e caiu para 11,5% ao ano. A taxa básica de juros no Brasil (Selic) hoje está em 10,5%, mas era de 13,5% na época em que foi lançado o plano na safra passada.

Buffon disse que embora o volume de recursos anunciados seja maior, “o valor total” não faz diferença para o produtor, que precisa mesmo é de recursos subsidiados. Dos R$ 400,6 bilhões do plano empresarial, apenas R$ 189 bilhões tem juros controlados, volume que ficou praticamente estável em relação ao ano passado.

O consultor Carlos Cogo lembrou que o Plano Safra responderá por cerca de um terço dos recursos necessários para financiamentos do setor, estimado em R$ 1,1 trilhão, sendo complementado por recursos próprios, crédito via tradings, operações de barter e empresas de insumos.

“O que se destaca em termos negativos é que há um inexpressivo incremento da oferta de recursos a juros controlados. Considerando-se a inflação do período, a disponibilidade de recursos a juros controlados teve redução em relação ao plano anterior”, avaliou Cogo.

Ele também alerta que, no plano da agricultura empresarial, com algumas taxas de juros acima da taxa Selic, considerando-se a inflação de 4% ao ano, “os juros reais do novo Plano Safra são bastante elevados, podendo chegar a até expressivos 7,5% - caso do Moderfrota, por exemplo, com taxas de 11,5% ao ano”.

Em tempos de margens mais apertadas para os produtores, o presidente da Aprosoja acredita que “haverá consequências para a produção de alimentos e consumidor pode pagar a conta”.

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também considerou “aquém do esperado” o anúncio feito pelo governo.

O diretor técnico da CNA, Bruno Lucchi, lembrou que a entidade havia solicitado R$ 570 bilhões, o que representaria uma alta de 31% em relação à safra passada. A soma dos dois planos, no entanto, representou um aumento de 9,7%.

“Fizemos esse pedido porque as margens do produtor caíram muito mais do que o custo do produção e o produtor está descapitalizado, com o mercado vendo restrição na oferta de crédito”, afirmou Lucchi, que esperava “um plano mais robusto”.

Pedro Bastos, presidente da Câmara de Máquinas Agrícolas, da Abimaq, por sua vez, disse que o volume para investimentos também é insuficiente para reverter a tendência de queda nas vendas.

Ele afirmou que os R$ 12 bilhões previstos em linhas subsidiadas tendem a acabar em 3 meses e que depois o produtor volta a ficar exposto às taxas de juros bem mais altas, desistindo de fazer investimentos.

Pequenos x médios produtores

Outro ponto que preocupa é a distância entre o que as regras do Plano Safra definem como “pequeno” e “médio produtor”.

O AgFeed conversou com Carlos Joel da Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag-RS) uma das entidades mais atuantes no âmbito da agricultura familiar.

Na opinião dele, o plano da Agricultura Familiar foi muito positivo para aqueles que se enquadram nas atuais regras do Pronaf – renda bruta anual de até R$ 50 mil.

“Os juros diminuíram um pouco, com novas linhas de financiamento, e antigas demandas nossas foram ate3ndidas, como a questão do fundo garantidor e o crédito para ajudar na regularização fundiária”, afirmou Joel.

Ele alertou, no entanto, que um número significativo de produtores que ficam na faixa intermediária, entre o Pronaf e o Pronamp (destinado aos médios e que é regido pelo Plano Safra Empresarial) também representa o universo da agricultura familiar e estão sendo prejudicados.

“No Pronaf investimento, por exemplo, o limite subiu de R$ 210 mil para R$ 250 mil, mas se considerar os valores que custam as máquinas agrícolas atualmente, é muito pouco”, disse o dirigente. Ele reforçou que no Rio Grande do Sul a situação preocupa mais porque é necessário custear a reconstrução das estruturas no campo.

Carlos Joel diz que os limites de enquadramento no Pronaf deveriam ser aumentados. “Agora muitos produtores são obrigados a buscar o crédito no Pronamp e é muito mais caro, incuisive não houve redução nos juros para os médios”.

Há outro efeito desta “distância”. É o acesso ao Proagro, modalidade de seguro rural muito buscada por pequenas e médias propriedades.

“Nós conseguimos que o governo estabelecesse no máximo 10% de alíquota para o Proagro, mas isso ficou restrito a quem usa o Pronaf”, explicou.

Segundo o presidente da Fetag, quem precisar do Proagro e estiver enquadrado como médio produtor poderá pagar mais de 20% de alíquota ao fazer o seguro. Em tempos de tantas adversidades climáticas, considera este mais um ponto preocupante do plano.

Falta de seguro

A Aprosoja Brasil também manifestou preocupação com o seguro rural. “Pedimos R$ 3 bilhões para a subvenção e um aumento no percentual que é subsidiado, mas não tivemos resposta”, afirmou Buffon.

“Seguradoras estão fugindo aqui no Rio Grande do Sul, e plantar hoje sem o seguro é arriscado. Enquanto isso o juro do Pronaf e do Pronamp ficou muito distante um do outro”, disse Carlos Joel, da Fetag.

Na cerimônia da tarde desta quarta-feira, no Palácio do Planalto, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que “o presidente Lula é a favor de que a questão do seguro rural seja contemplada na LDO (orçamento para 2025”, mas não detalhou números.

Fávaro anunciou apenas a liberação de recursos para o seguro rural voltado ao Rio Grande do Sul, estado que historicamente utiliza o mecanismo de proteção e que foi atingido pela tragédia das enchentes. O valor liberado é de R$ 210 milhões para os gaúchos.

Para a CNA, “o ponto mais importante que não foi atendido foi o seguro rural”. Bruno Lucchi disse que até agora foram liberados R$ 900 milhões para a subvenção do seguro. “Com o anúncio de hoje, para o Rio Grande do Sul, chegará em R$ 1,1 bilhão, mas nós acreditamos que o necessário seria R$ 3 bilhões este ano e R$ 4 bilhões para o ano que vem”.

Ele acrescentou que, nesse momento em que produtor estão adquirindo insumos, o dólar teve forte alta, o que tende a encarecer os produtos no segundo semestre.

“Sem oferta tão grande de crédito oficial, ele vai pagar um crédito mais caro, pode acabar repensando o pacote tecnológico ou mesmo reduzindo área plantada”, alertou.

Armazenagem

Um dos destaques do Plano Safra para a Agricultura Empresarial foi o aumento no volume de recursos para o PCA – Programa para Construção e Ampliação de Armazéns, que passou de R$ 6,65 bilhões para R$ 7,8 bilhões, alta de 17,4%.

Na cerimônia de lançamento do plano, na tarde desta quarta-feira, o ministro da Agricultura Carlos Fávaro destacou o aumento no limite dos financiamentos pelo PCA para as cooperativas, que resultou em incremento de 200% nos recursos para este segmento.

O AgFeed conversou com o presidente da Câmara de Equipamentos para Armazenagem da Abimaq, Paulo Bertolini, que considerou positivo o aumento no volume de recursos, mas ponderou que ainda estaria muito longe da demanda que existe no setor

“O Brasil precisa investir pelo menos R$ 15 bilhões por ano apenas pra acompanhar o crescimento da produção agrícola, isso reduzir o déficit de armazenagem que é de 120 milhões de toneladas”, afirmou Bertolini.

Ele explica que o País produz cerca de 10 milhões de toneladas a mais por ano e, para armazenar uma tonelada de grãos, o valor gasto é estimado em R$ 1,5 mil. “Se continuarmos a investir metade do que precisamos, como aconteceu até agora e parece que vai continuar acontecendo, o déficit de armazenagem vai aumentar”, ressaltou.

Os juros do PCA foram mantidos para a safra 2024/2025. A taxa é de 7% ao ano para armazéns com capacidade de até 6 mil toneladas e de 8,5% ao ano para os demais investimentos.

Desconto para poucos

Os agricultores com boas práticas ambientais poderão ganhar desconto de até 1 ponto porcentual nas taxas de juros de custeio do Plano Safra 2024/2025 nas linhas da Agricultura Empresarial. Serão beneficiados agricultores com Cadastro Ambiental Rural (CAR) analisado e, também, produtores rurais que adotam práticas agropecuárias consideradas mais sustentáveis.

O governo utilizará como critério a adoção dos produtores de linhas de crédito de baixo carbono. Na safra passada, o desconto estava limitado a 0,5 ponto porcentual para custeio sustentável a produtores com CAR validado.

Cogo, alerta, porém, que menos de 1% dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR) estão validados até o presente momento, “o que exclui a maior parte dos produtores dos benefícios anunciados”.

A exigência do CAR validado poderá servir de estímulo para o avanço na implementação do cadastro no País. Como isso depende mais dos Estados, essa obrigatoriedade será um estímulo e poderá servir como elemento de pressão para os governadores, ele avalia.

“Por outro lado, o produtor que já captou financiamentos pelo Renovagro ou o antigo Programa ABC programas voltados à agricultura de baixo carbono nos últimos 5 anos poderá se beneficiar da redução da taxa de juros. Esse ponto ainda está sendo formatado pelo governo” esclareceu.