O Manual de Crédito Rural, uma publicação do Banco Central que regulamenta as operações de crédito agrícola no Brasil, estabelece que o “ano-safra” no País, começa em 1º de julho de um ano e termina em 30 de junho do ano seguinte. Quer dizer: na próxima segunda-feira já estaremos na safra 2024/2025, segundo a regra, e um novo plano, estabelecendo as condições deste crédito regulado pelo governo, já deveria estar em vigor.

Em 2024, porém, a regra não será seguida à risca. Isso porque depois de uma reunião entre o presidente Luís Inácio Lula da Silva e os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Texeira, nesta terça-feira, ficou combinado que a solenidade para anunciar o novo Plano Safra deve ocorrer somente na semana que vem. A cerimônia seria no dia 3 de julho, próxima quarta, ou "no máximo quinta", como disse Fávaro a jornalistas.

O AgFeed apurou que é a primeira vez em 16 anos que um Plano Agrícola e Pecuário é anunciado depois de iniciado o “ano-safra” do calendário do crédito rural. A última vez que isso ocorreu foi quando o ministro era Reinhold Stephanes, em 2008, com o Plano Safra sendo anunciado no Paraná no dia 2 de julho, também uma quarta-feira.

“O ideal mesmo seria que o plano fosse lançado em maio, porque teria o mês todo pra fazer a preparação dos documentos”, afirmou o consultor Ivan Wedekin, que já foi secretário de política agrícola no primeiro governo Lula, no início dos anos 2000.

Pelo levantamento feito pelo AgFeed, esse anúncio em maio, só ocorreu nos últimos anos – em 2014 e em 2016. A maior parte, nas últimas décadas, foi feita em meados de junho. No ano passado foi no dia 27 de junho e em 2022, quando o governo era outro, também saiu tarde, em 29 de junho.

No caso dos governos Lula e Dilma, o anúncio é dividido em duas solenidades, já que são dois planos e dois ministérios envolvidos. O Plano da Agricultura Familiar já atrasou outras vezes. Em 2011 e 2012, por exemplo, saiu só em julho, enquanto o Empresarial foi conhecido em junho.

Wedekin explicou que como uma parte das linhas de crédito que são anunciadas pelo governo tem juros subsidiados e precisam dos chamados recursos equalizados, pelo Tesouro Nacional, é preciso fazer e publicar portarias, que são resultado de negociações entre o Ministério da Fazenda e o BNDES, no caso do crédito de investimento, por exemplo.

“Com as taxas de juros divulgadas, é preciso mudar nas plataformas das instituições financeiras todas, isso demanda um tempo para ajustes”, explicou o especialista.

Ele esclareceu, no entanto, que se o anúncio fosse feito esta semana, como se esperava inicialmente, ainda assim estaria atrasado e o dinheiro não ficaria disponível para os produtores rurais em 1 de julho.

“É ruim por ser um plano estruturalmente atrasado no tempo, tem havido um impasse nas negociações, sempre de última hora”, avaliou Ivan Wedekin.

Se o anúncio realmente ocorrer no dia 3 de julho, os recursos devem demorar no mínimo 15 dias para chegar aos bancos, segundo o consultor.

Os especialistas dizem que a maior parte dos bancos já vai recolhendo pré-propostas junto aos clientes, para depois só ajustar de acordo com as regras que são divulgadas.

Na conversa com jornalistas, na tarde desta terça-feira, o ministro Carlos Fávaro disse que o prazo extra será para um “detalhamento maior” do que será anunciado.

Fontes do setor dizem que o impasse provavelmente esteja relacionado aos desembolsos do Tesouro para a equalização e também a detalhes técnicos que envolvem, por exemplo, o Banco Central, algo que inclui até mesmo a relação com os bancos nas linhas de recursos livres.

“A repactuação das dívidas dos produtores de Mato Grosso feita nesta safra (em função da seca) e o apoio ao Rio Grande do Sul (afetado pela enchente) já são demandas extras que tornam ainda mais difícil para o governo buscar estes recursos”, afirmou uma fonte.

As lideranças do agronegócio solicitaram ao governo um total de R$ 570 bilhões para o Plano Safra 2024/2025. Mas o governo tem sinalizado que possivelmente o volume fique acima do ano passado – R$ 436 bilhões – porém não chegue a este patamar pleiteado.

Outra duvida do setor é sobre o possível corte nas taxas de juros. Na opinião do consultor Ivan Wedekin, “há espaço para queda, afinal no plano do ano passado a Selic era de 13,75% a.a e agora está em 10,5% a.a”. Ainda assim, com a perspectiva de interrupção na queda gradual da taxa básica de juros no País, fica difícil esperar um corte significativo no Plano Safra.

Críticas do setor

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) divulgou uma nota oficial em que diz “lamentar profundamente o adiamento do Plano Safra 2024/25, numa total demonstração de desorganização e ineficiência do governo federal”.

A FPA afirma que “os produtores rurais ficarão descobertos durante a primeira semana de vigência do plano, ou seja, todos os problemas que estiverem na proposta inicial ainda precisarão ser corrigidos, o que leva mais tempo ainda para a chegada do crédito real aos produtores”.

Os parlamentares dizem que a preocupação é maior “em função da crise enfrentada pelo setor”.

Para o economista-chefe da Farsul (Federação da Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Sul), Antonio da Luz, realmente, do ponto de vista do produtor rural, o anúncio precisa ser feito em maio.

Ele critica o fato de a participação de recursos com taxas subsidiadas estar caindo, enquanto os chamados “recursos livres” aumentam. Para o segundo grupo, o atraso no prazo não chega a trazer tantos prejuízos.

“O que nós esperamos é que o valor (que for anunciado) seja efetivamente liberado. O plano safra passado foi de números recordes, mas só um milagre fara com que o volume anunciado seja alcançado. Até maio estava bem longe de atingir o que foi anunciado”, afirmou o economista.

Nos recursos livres, agentes financeiros e produtores rurais acertam o valor que vai ser tomado e o juro que será praticado.

A redução da fatia de juros controlados “é uma tendencia natural, que não se restringe a este governo, porque o agro ficou muito grande”, afirma Antonio da Luz.

Segundo ele,  de cada 3 reais, 2 são livres, sem nenhum centavo de recurso público, “Não vemos isso como coisa ruim, o crescimento maior dos recursos livres é natural, mas também esperamos que o recurso controlado cresça”, explicou.

O economista diz que os valores liberados de julho do ano passado a maio deste ano, no entanto, mostram um decréscimo nas linhas controladas, na comparação com a safra anterior.

Antonio da Luz reforçou ainda a necessidade de que neste plano sejam garantidos recursos para o Seguro Rural e para o Proagro, “ferramentas de mitigação de risco do produtor”. Além disso, considera essencial um tratamento diferenciado ao Rio Grande do Sul que enfrentou as enchentes este ano, mas já vinha de duas safras com estiagem.