Se no Brasil a Esalq/USP é uma universidade referência quando o assunto é pesquisa e inovação no agronegócio, nos Estados Unidos, a Universidade do Estado do Iowa é quem dita os rumos da inovação acadêmica no setor.
Localizada bem no coração do Corn Belt (Cinturão do Milho), região onde se concentra a maior parte da produção de grãos dos Estados Unidos, a instituição conta com um professor que há 15 anos atua no empreendedorismo agrícola: Kevin Kimle.
Na universidade, ele também é docente no departamento de economia e um dos diretores do Ag Startup Engine, programa da instituição para investir em startups em estágio inicial. Em 2021, a empresa montou um fundo de US$ 2,25 milhões para dar cheques de US$ 25 mil a US$ 50 mil para novos empreendedores do agro.
Na semana passada, Kimle esteve no Brasil, e fez uma pequena apresentação durante o StartSe Agrotech 2024. Além de contar um pouco de sua história, que envolve até uma posição de consultor para a Kodak nos anos 1990, ele revelou em que segmentos e soluções aposta que o agro global pode surfar nas próximas décadas.
Kimle também tem liderado uma série de parcerias público-privadas entre sua universidade, outras instituições e empresas do agro global, com players do Brasil.
“Meu primeiro contato com o agro brasileiro foi nos anos 1990. O CEO da Pioneer, onde trabalhava na época, pediu para traçarmos as tendências de consumo global, e com uma perspectiva no aumento de carne, vimos que a produção de grãos no Brasil ia aumentar”, contou.
Ele cita que há dez anos, foi procurado pela SLC Agrícola e organizou intercâmbios técnicos com estudantes de agronomia brasileiros e americanos. A prática tem se repetido ao longo dos anos.
Em 2023, data de sua última visita ao Brasil antes desta semana, foi ao Paraná onde fez parte de uma comitiva da governadora de Iowa, Kim Reynolds. Na época, os governos estaduais discutiram, em conjunto com o Invest Paraná, agência de captação de negócios local, oportunidades de novos negócios.
Kimle citou a importância de as agtechs pensarem em fontes alternativas de insumos, e vislumbrou boas oportunidades em biocombustíveis e também em "soluções criativas" para o ecossistema de crédito agrícola.
A primeira startup citada pelo professor foi a ContinuumAg. A empresa foi criada em 2015 por Mitchel Hora, um agricultor de Iowa que representa a sétima geração de sua família a atuar no campo.
A startup foi criada como uma consultoria agrícola, mas hoje é uma companhia de inteligência de dados sobre a saúde do solo que usa uma ferramenta proprietária chamada TopSoil para permitir que os agricultores lucrem com a melhoria da saúde do solo através de créditos de carbono.
“Hora é um jovem que trabalha com agricultura regenerativa, e possui a maior base de dados de saúde de solo no mundo”, afirmou Kevin Kimle.
A Continuum Ag já levantou até agora cerca de US$ 2,3 milhões, com investidores como a Clean Energy Trust, com sede em Chicago, que financia especificamente startups de tecnologia limpa, e alguns fundos como a ISA Ventures e a SVG Ventures.
Outra agtech que faz os olhos de Kevin Kimle brilhar é a Pyrone. Criada em 2021, a startup cria pesticidas alternativos, misturando biologia sintética com a química simples como a melhor forma de biofabricação.
A empresa está atualmente criando um biopesticida para combater a resistência aos inseticidas. “Estamos entrando primeiro no mercado de saúde pública, e os mosquitos são nosso principal alvo”, explica o CEO e cofundador da Pyrone, Alex Hutagalung, em seu Linkedin.
Kimle ainda citou o grupo Scheffer, que passou a produzir os próprios produtos biológicos dentro de casa. A empresa tem hoje 215 mil hectares cultivados, incluindo as duas safras anuais, e nos últimos anos atingiu faturamento "bilionário" (os números não são revelados, mas o mercado estima em R$ 1,7 bilhão em 2021) investindo principalmente na agricultura regenerativa.
Tanto que um dos investimentos recentes da Scheffer foi a construção de uma biofábrica com capacidade para produzir 2,6 milhões de litros/ano.
“Nos EUA, como os produtos de baixo custo, somos preguiçosos e não vemos tanta necessidade de mudar dos químicos para os biológicos”, brinca Kimle.
Biocombustíveis 3.0
O professor vê grandes oportunidades nos mercados de biocombustíveis, principalmente avaliando toda a demanda projetada para o combustível sustentável de aviação (SAF), e as necessidades de trocar fontes fósseis de energia por matrizes renováveis.
Kimle cita a FS Bioenergia como um exemplo disruptivo na produção de etanol. Criada por meio de uma joint venture entre a brasileira Fiagril Participações e a gestora norte-americana Summit Agricultural Group, a empresa produz atualmente 2,3 bilhões de litros de etanol de milho por ano em suas três plantas no Mato Grosso.
O grande diferencial, segundo o professor, é a matriz energética da FS.
Enquanto as usinas de etanol nos EUA utilizam gás natural para dar vida à fábrica que transforma milho no biocombustível, no Brasil a FS utiliza biomassa proveniente do cavaco de eucalipto e do bambu.
Essa diferença traz uma pegada de carbono menor para o etanol de milho brasileiro quando comparado ao americano. “A ideia do Bruce Rastetter, um dos fundadores do Summit Carbon Solutions, é levar essa experiência para os EUA”, aponta Kevin Kimle.
Uma startup citada quando o assunto é biocombustível é a ClearFlame, que adapta motores de caminhão para o uso de biocombustíveis como o etanol.
A empresa levantou neste ano US$ 30 milhões em uma rodada Série B para escalar sua solução e reduzir a emissão de carbono e produção de fuligem.
Os investimentos foram liderados pelo Mercuria Energy Group, uma das maiores empresas privadas de energia e commodities do mundo, com a Mercuria e a Breakthrough Energy Ventures reinvestindo no negócio. A empresa ainda conta com a mineradora Rio Tinto e a WIND Ventures, o braço de risco estratégico da Copec entre seus investidores.
Por fim, Kimle acredita que negócios que tragam criatividade ao sistema financeiro no crédito agrícola podem ter papel importante na agricultura do futuro.
Nesse aspecto, ele afirma que ainda está em busca de startups e empresas muito inovadoras, e acredita que o Brasil pode apresentar boas soluções.
Durante o Startse Agrotech, ele trouxe, porém, uma provocação ao setor: “Vejo um potencial na agricultura para fazermos negócios não em reais ou em dólares, mas em moedas digitais. Quando olho meu portfólio de investimento, minha melhor carteira em termos de performance está em criptomoedas”, afirmou.
“O dólar é uma moeda terrível, mas é melhor do que as outras. Mas talvez não para sempre”, finalizou.