Depois da tempestade vem a bonança. A combinação de uma queda abrupta no preço dos grãos com problemas climáticos e valores de insumos ainda altos afetou toda a cadeia do agronegócio no ano passado.
Dentro dessa dinâmica, empresas do segmento de defensivos encararam um ano de 2023 para esquecer. Como não poderia ser diferente, a FMC, multinacional estadunidense, reportou resultados em baixa de janeiro a dezembro passados.
No período, o faturamento líquido global da empresa recuou 23% quando comparado a 2022, atingindo US$ 4,5 bilhões.
Com vendas em queda principalmente na América Latina, onde o Brasil representa cerca de 70% dos resultados do continente, a direção global decidiu colocar a casa em ordem.
De outubro a março deste ano, a FMC enxugou a operação e passou de um quadro de funcionários global de 6,6 mil pessoas para pouco menos de 6,2 mil. No Brasil, hoje conta com cerca de 580 trabalhadores.
Em entrevista ao AgFeed, Renato Guimarães, presidente da empresa para América Latina, afirmou que esse processo está finalizado, mostrando uma leitura rápida da FMC frente às condições de mercado.
Segundo ele, o primeiro objetivo foi ajustar a empresa para o tamanho dos negócios em 2024, já encarando os resquícios do ano de 2023.
“Aproveitamos o momento de reestruturação para fazer a FMC ser uma empresa mais simples em termos de processos e mais ágil em termos de tomada de decisão. Nos tornamos uma empresa mais clean, que pode estar mais próxima do cliente”, afirmou.
Passado o ajuste, a FMC olha para o futuro com mais otimismo. O AgFeed conversou nesta semana com Guimarães e com a diretora de negócios para o Brasil, Sinara Ferreira, que detalharam os próximos passos para a empresa voltar a crescer.
Ambos assumiram suas posições em abril, marcando o fim dessa reestruturação. Guimarães atua no agro há quase 40 anos, com grande parte desse tempo sendo diretor de uma unidade de negócios na Syngenta. Antes da FMC, era o CEO da Sinagro, empresa de distribuição de insumos que tem Bunge e UPL como sócias.
Já Sinara Ferreira está na FMC há 23 anos e já ocupou posições na área de crédito, vendas e comercial. Antes de liderar a operação nacional, era a diretora da operação “Oeste” da empresa, que engloba os estados do Mato Grosso, Rondônia e o norte do Mato Grosso do Sul.
A FMC ainda possui uma diretoria para os estados do Sul, outra chamada de “Cana e especialidades”, e a “Leste”, que engloba as vendas em Goiás, Matopiba e Pará.
No continente, a empresa possui, além da operação brasileira, uma outra diretoria para o México, América Central, Colômbia, Equador e Peru e outra, chamada de “Cone Sul”, que engloba Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile e Bolívia.
O otimismo da empresa passa por uma safra mais tranquila à frente, que segundo Guimarães, deve contar com condições climáticas mais favoráveis com uma La Niña no horizonte. “O produtor terá mais rentabilidade, não tanto quanto há quatro ou cinco safras atrás, mas ainda positiva. A temporada 2024/2025 vem mais estável do que foi a safra 2023/2024, disse Guimarães.
Além disso, o pipeline de produtos deve ganhar mais nomes na prateleira, com um foco especial nos biológicos, uma das principais apostas da FMC à nível global.
De acordo com Sinara Ferreira, 6% do faturamento global anual da empresa é destinado à P&D de produtos sintéticos e biológicos. Confira:
Como podemos relacionar esse otimismo com a próxima safra e os lançamentos de novos produtos? Como esses dois elementos se inserem dentro da estratégia da FMC para ter um ano mais positivo em 2024?
Renato Guimarães: Nós temos hoje uma combinação de soluções e produtos químicos que vamos lançar no mercado. São por volta de três a quatro novos produtos que nos ajudarão a entrar num segmento em que a FMC tinha um certo gap no portfólio, que são os fungicidas para as culturas de cereais. Também lançaremos novos inseticidas e preparamos um grande lançamento de herbicida feito de um novo ingrediente ativo que é o Isoflex para diversas culturas.
E o pipeline dos biológicos?
Renato Guimarães: Também estamos desenvolvendo um negócio de biológicos, queremos ser líderes desse mercado nos próximos 10 anos. Fomos os pioneiros em trazer biológicos para o Brasil em 2007. Já temos três novos produtos no segmento, que foram lançados no final de 2023 e chegam ao mercado agora em 2024.
Temos um produto único e diferenciado que é um feromônio. Ele está sendo preparado e esperamos que ele seja registrado até o final do ano para ser lançado no começo do ano que vem. É uma tecnologia única, que combinada com os produtos químicos e com a nossa plataforma digital de manejo de pragas e doenças, o ARC, vai levar algo muito diferente pros nossos clientes.
Qual estratégia comercial para esse produto e em qual cultura ele vai ser inserido?
Renato Guimarães: O primeiro lançamento dele vai ser para a cultura de milho, mas já pensamos na expansão logo em seguida. A primeira versão será lançada para combater a lagarta do cartucho. Depois, lançaremos para outras pragas. Ele vai para o milho primeiro pois é onde o problema é maior. Mas ele será levado para o algodão e soja, que também sofrem com a lagarta.
Esse produto já é vendido fora do País?
Renato Guimarães: O Brasil será pioneiro no lançamento dessa tecnologia. Temos outros feromônios específicos para outras lagartas, que vêm em seguida num programa de registro que preparamos para os próximos anos. Essa é uma tecnologia única, que nós queremos explorar bastante porque tem tudo a ver com o que nós prezamos: levar tecnologia e inovação e sustentabilidade para o meio ambiente.
Avaliando o balanço da FMC e olhando para a América do Sul, sabemos que a maior parte do resultado vem do Brasil. Aumentando um pouco a lupa, em qual cultura vocês são mais fortes?
Renato Guimarães: Nós temos duas fortalezas na FMC: a cana e o algodão. E hoje temos um portfólio robusto para ganhar participação no mercado em culturas de soja, milho, café, citrus, hortifruti, arroz e tabaco.
E quando falamos de linhas de produtos?
Sinara Ferreira: Se a gente olhar para a soja e milho, temos liderança nos segmentos de lagarta e nematicidas. Também lideramos o mercado de percevejos e herbicidas para pré-emergentes. E se a gente olhar para um recorte de mais de uma década, sempre fomos uma empresa muito forte em duas culturas: cana-de-açúcar e algodão. Na cana-de-açúcar nós somos líder no cultivo e temos um mercado forte principalmente nos herbicidas, nematicidas e broca. Quando a gente olha para o algodão, também somos líderes no cultivo, principalmente nos inseticidas para controle do pulgão e do bicudo, duas pragas que predominam na cultura. Hoje o produtor planta algodão somente com produtos da FMC
E qual a estratégia para ganhar essas novas culturas além da cana-de-açúcar e do algodão?
Sinara Ferreira: O nosso crescimento de market share passa por ganho de mercado em outros cereais. Falamos de um pipeline de pesquisa e desenvolvimento que prevê, até 2030, 51 novos produtos, entre químicos e biológicos, lançados. São 40 novos ingredientes ativos nos próximos 10 anos que chegarão no mercado, com 50 marcas comerciais planejadas para serem lançadas até 2033.
A estratégia de crescer nos biológicos é algo frisado pela direção global nos últimos meses. Como se dará a estratégia dessa vertical no Brasil?
Renato Guimarães: A tomada de decisão na FMC global foi que nós deveríamos, dentro da empresa, criar uma unidade de negócios específica para os biológicos, para garantir o foco do crescimento e inovação na área. Foram escolhidos alguns países para que esse negócio começasse a ser implementado e o Brasil foi um deles.Estamos implementando esse novo negócio com uma com com alguns pilares. O primeiro diz respeito ao portfólio, que envolve desenvolver produtos próprios dentro da nossa linha de P&D mas também uma série de acordos globais e parcerias a nível mundial e local, até com aquisições para que a gente possa ganhar escala o mais rápido possível.
E como acessar o mercado?
Renato Guimarães: Sabemos que os nossos distribuidores, cooperativas e time comercial precisam ser capacitados para poder levar esse negócio biológico, que é diferente do químico. Como são complementares, nosso time tem que estar melhor preparado para poder levar essa essa tecnologia para o campo.
Isso se organiza internamente de que forma na FMC?
Renato Guimarães: Vemos que esse negócio tem que ter uma estrutura dedicada. Estamos próximos a ter um head dessa área de Plant Health, que é como chamamos os biológicos, para a América Latina. Também contratamos um gerente de marketing para o Brasil e haverá novas nomeações para que a gente possa ter um time focado para fazer com que esse negócio cresça.
A FMC trabalha com uma meta de representatividade dos biológicos no faturamento?
Renato Guimarães: É difícil dar um número agora, porque tem aquisições chegando e alianças que podem acontecer, bem como o desenvolvimento de portfólio interno. O crescimento desse mercado é algo que a gente não sabe como será.
Com o pipeline atual, onde os biológicos performam melhor?
Sinara Ferreira: Vemos o Mato Grosso muito mais desenvolvido. O estado tem uma pegada mais forte pra biológico, até pela presença dos grandes grupos agrícolas por lá. Um dos nossos pilares é fazer com que o nosso representante comercial seja de fato um consultor confiável do produtor. As pessoas que vão atuar com o Plant Health vão nos ajudar muito nessa nova jornada que a gente vem traçando.
Em qual cultura vocês miram entrar com os os biológicos da FMC? A ideia é seguir o mercado dos químicos com destaque na cana e no algodão?
Renato Guimarães: Pensando nos feromônios, que é uma das grandes estrelas desse portfólio, a penetração será nas culturas de cereais, que envolve o algodão. Mas também vemos grandes oportunidades na cana em produtos que vão chegar. O mercado de cana gosta e usa muito biológico. E nós queremos estar presentes.
"Vemos o mercado dos biológicos em consolidação. Temos centenas de empresas que estão no segmento e gostaríamos de ser um desses consolidadores"
Como a FMC olha para as movimentações de fusão e aquisição? Onde estão as oportunidades?
Renato Guimarães: Nós olhamos globalmente. Logicamente que são negociações confidenciais, mas também avaliamos parcerias locais para que a gente possa ganhar tração. Mas, mais do que isso, vemos o mercado dos biológicos em consolidação. Temos centenas de empresas que estão no segmento e gostaríamos de ser um desses consolidadores no mercado, levando o contexto de ser pioneiros e liderar o mercado de biocontrole. Essa é essa é a nossa grande ambição: pioneirismo e liderança no mercado biológico nos próximos 10 anos.
Passado o ano difícil de 2023, como tem sido a operação de 2024 até agora?
Renato Guimarães: O ano tem sido positivo. Estamos em cima do laço do nosso planejamento orçamentário e entregando o que prometemos. Além disso, estamos diminuindo os estoques a nível de campo, algo que machucou o setor no passado. Vamos entrar na próxima safra com uma operação mais limpa, obviamente ainda em um ano transição, mas dentro do que estamos planejado, e acreditamos que vamos crescer. Com os números que já temos no painel da indústria mostra que estamos acima da média do mercado.
Os grandes resultados devem vir a partir de julho?
Renato Guimarães: Logicamente, o que vale no Brasil é o segundo semestre, mas os fundamentos estão muito positivos e as expectativas que nós temos são muito boas para esse segundo semestre de 2024.
Em que essa expectativa é baseada?
Sinara Ferreira: O jogo começa sempre entre maio e junho quando começa o pré-plantio. Temos um indicador de negócio que avaliamos, que é o produto aplicado, e a performance dele está positiva. Isso passa por ajustes nos nossos inventários. Se aplicamos produtos, temos um sinal positivo de que vou fazer vendas e novos negócios. Esse indicador mede, de fato, se eu não tenho inventário, se o produto está sendo aplicado, se está na prateleira do cliente ou na carteira. Essa performance tem atendido positivamente nossas expectativas.
Como a FMC se porta nesse mercado do pré-plantio, que está começando a pegar tração agora?
Renato Guimarães: Há uma mudança de hábito de compra do produtor. Historicamente, nesse momento deveríamos estar com 50% dos pedidos para a próxima safra dentro da carteira, mas hoje o produtor está comprando mais próximo do uso. Há um atraso nas compras do produtor, pois o agricultor está negociando a soja, que também está atrasada. Hoje estamos com cerca de 35% dos pedidos em carteira.
"Embora tenham saído várias notícias de RJs, não tivemos impacto e tivemos uma boa performance de recebimento na soja. Temos atrasos, mas só isso"
E como encarar isso, sendo uma indústria?
Sinara Ferreira: Temos que estar próximos e entender o momento do produtor. Antes ele fechava o pacote completo para todo o manejo e percebemos que eles estão sentando várias vezes para negociar. Ele compra os produtos para o manejo inicial e adquire os demais conforme a necessidade. Antes fechávamos um negócio para soja, milho e algodão. Agora ele fecha primeiro a oleaginosa e daqui a três meses ele fecha a pluma. Uma compra mais fracionada pede atenção do nosso time, que precisa entender essa jornada.
Ainda na foto do momento, recuperações judiciais e inadimplência têm afetado a FMC?
Sinara Ferreira: Embora tenham saído várias notícias de RJs, não tivemos impacto e tivemos uma boa performance de recebimento na soja. Temos atrasos, mas só isso. Desde janeiro a gente faz negócio. As vendas estão mais fracionadas, mas todo dia sai negócio, então podemos ter segurança de que o produtor vai plantar. Essa última quinzena percebemos que acelerou um pouco mais.
E a catástrofe no Rio Grande do Sul pode prejudicar os negócios?
Renato Guimarães: Nossa grande dúvida é o quanto o estado consegue se reestruturar para ter o plantio pronto. Ainda não sabemos o quanto o solo local foi lixiviado, então é cedo para avaliar. Esperamos que até setembro ou outubro, época que começa o plantio, tudo já esteja mais estruturado e o estado possa, através do agronegócio, se recuperar de uma catástrofe inimaginável.