No mercado da soja, desde o início da manhã desta quarta-feira, o assunto era um só: a “reoneração” das agroindústrias com a publicação de uma Medida Provisória (MP) que altera as regras para a utilização de créditos do PIS/Cofins.
É um cenário incerto, que deixa tradings “no escuro” para fazer a precificação de produtos como soja, farelo e óleo. Por isso, as principais corretoras de grãos confirmaram que as grandes tradings “ficaram fora do mercado” nesta quarta-feira, até que tenham maior clareza sobre os impactos da medida.
Até o início do ano, 17 setores da economia lutavam para que fosse mantida a desoneração da folha de pagamento – o governo vinha tentando derrubar a medida para aumentar a arrecadação – e acabaram tendo sucesso, o que trouxe alívio inclusive para as indústrias esmagadoras e exportadoras de soja.
Porém, o setor foi surpreendido pela publicação da MP 1.227, nesta terça-feira, onde o governo busca compensar as perdas da desoneração. A previsão é arrecadar R$ 29,3 bilhões com a mudança, valor que ficaria acima do que estaria abrindo mão com a desoneração.
Na cadeia da soja, o efeito imediato foi a interrupção dos negócios por parte das tradings à medida que os créditos de PIS/Cofins são, na prática, parte da receita nas transações.
As empresas em geral, de diferentes setores, quando pagam PIS/Cofins na compra de insumos depois podem receber de volta estes valores na forma de desconto em outros impostos, por exemplo. É o que na área tributária se chama “regime não cumulativo”.
Agora a possibilidade de usar esse crédito ficará restrita ao desconto do próprio PIS/Cofins e aumentam os casos em que é proibido receber em dinheiro o crédito presumido – algo comum na cadeia da soja.
O impacto será imediato no caixa das empresas, que terão que usar recursos para pagar impostos que antes eram pagos com os créditos de PIS/COFINS.
Entidades que representam os exportadores do complexo soja, como Abiove e Anec, ainda não se posicionaram sobre o tema, em meio ao que setor descreve como “clima de incerteza e insegurança”.
Um alto executivo de uma das maiores tradings globais de soja disse ao AgFeed que “os advogados tributaristas estão trabalhando na melhor análise para entender os impactos e que, a primeira impressão, sugere impactos muito ruins”.
Especialistas do mercado da soja, ouvidos pelo AgFeed, dizem que as tradings utilizam o PIS/Cofins no frete da mercadoria “para se creditar na exportação, que vira lucro”.
O maior impacto deve ocorrer para o caso da soja que é processada na indústria. Neste caso há a chamada alíquota presumida de 2,5%. Quando a empresa comprova que exportou o óleo ou o farelo, pode receber esse percentual que pagou como ressarcimento, em dinheiro.
“Essa medida afeta a originação de soja, porque o ABCD (ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus, como são chamados no mercado) quando origina, não determina se vai esmagar ou se vai exportar”, disse uma fonte.
Com essa mudança, a trading que exporta a soja em grão ficaria 2,5% mais competitiva do que a esmagadora, avaliam essas fontes. E como Brasil tem previsão de exportar 98 milhões de toneladas de soja neste ano e processar 55 milhões de toneladas, os efeitos no mercado, são inevitáveis.
Participantes de mercado acreditam que esse gasto extra para a indústria acabará sendo repassado ao produtor rural, que perderá no preço. Haveria risco de perda de competitividade no mercado internacional, avaliam.
Nesta quarta-feira, o dólar subiu, atingindo o patamar de R$ 5,30 o que costuma animar os sojicultores a vender parte da produção – mas os compradores haviam se retirado. Boa parte dos negócios na soja são feitos de forma antecipada por isso empresas param para fazer seus cálculos. Uma compra de soja (e exportação) já travada para o início do ano que vem por exemplo pode ter sua margem extinta dependendo da conta de cada empresa.
Economistas avaliam que os setores da agricultura e alimentação estão entre os mais afetados pela medida, assim como combustíveis e farmacêutico.
Em nota, o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) disse que a medida é "uma desproporcional e inconstitucional restrição a não cumulatividade, além de tornar o Brasil um grande exportador de resíduos tributários, em total contrariedade ao determinado em nossa Constituição Republicana acerca da exoneração das exportações".
Já a Abrafrigo, afirmou que a MP “traz enorme impacto e aumento da carga fiscal para as indústrias frigoríficas produtoras e exportadoras de carne bovina”, com prejuízos especialmente para pequenas e médias empresas do setor.
A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) também se manifestou sobre o tema. Segundo a entidade, “as medidas anunciadas violam frontalmente a imunidade das exportações, o princípio da não-cumulatividade, o princípio do não confisco, todos previstos na Constituição Federal, ao revogar uma série de mecanismos da legislação da contribuição ao PIS e Cofins, que possibilitariam a compensação do saldo credor de créditos presumidos dessas contribuições com quaisquer débitos controlados pela Receita Federal ou ressarcidos em dinheiro”.
O texto diz que as medidas, “por terem um perfil confiscatório, são um retrocesso, impactando fortemente os recursos financeiros das companhias, ampliando custos e reduzindo a rentabilidade de toda a cadeia do agro”.
A Abag destacou ainda que a desoneração da folha de pagamento terá uma mudança gradual a partir de 2025, enquanto as medidas em relação ao uso dos créditos de PIS/Cofins, bem como da vedação ao ressarcimento do saldo credor derivado de crédito presumido são permanentes e com efeito imediato. Com isso, a entidade defendeu a devolução da MP 1.227 pelo Congresso Nacional, “especialmente por violar os requisitos constitucionais”.
A Sociedade Rural Brasileira também divulgou nota manifestando preocupação com a MP. A entidade diz que as medidas impactam diversos setores essenciais e “evidenciam o descumprimento do princípio básico constitucional de respeito à legislação aprovada pelo Congresso Nacional”, gerando insegurança jurídica.