A pressão por redução do desmatamento e o aperfeiçoamento dos critérios de controle da cadeia de produção são uma realidade que o agronegócio brasileiro tem enfrentado nos últimos anos.
Em busca de responder a essa pressão e padronizar as ferramentas de controle, foi lançado nesta quarta-feira, 24 de abril, o Protocolo de Monitoramento Voluntário de Fornecedores de Gado do Cerrado, um mecanismo de controle voluntário para empresas que atuam nesse bioma brasileiro.
O protocolo é um esforço coordenado entre empresas, entidades do setor pecuário como a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), sociedade civil e as organizações Proforest, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e National Wildlife Federation (NWF). Conta ainda com contribuições diretas de WWF Brasil, da indústria alimentícia e Ministério Público Federal.
Das cerca de 40 empresas associadas da Abiec, cinco já integram ativamente o novo instrumento: Marfrig, JBS, Minerva, Frigol e Masterboi.
“O protocolo vem no sentido de harmonizar os procedimentos do que precisa ser monitorado e das fontes de informação, dentro de consenso entre as empresas e a sociedade civil, abrindo espaço para que mais empresas possam participar”, disse ao AgFeed Fernando Sampaio, diretor de sustentabilidade da Abiec.
Ao todo, o Protocolo do Cerrado possui 11 critérios, que se consolidam numa base comum de conformidade socioambiental a ser seguido por criadores de gado – e que pode ser utilizado por outras atividades agrícolas praticadas na região, que se estende por 14 estados, além do Distrito Federal.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, existiam no Cerrado 60 milhões de cabeças de gado.
“O Protocolo do Cerrado é um segundo passo para harmonizar procedimentos em regiões críticas a respeito do uso do solo”, afirmou ao AgFeed o engenheiro agrônomo Lisandro Inakake, gerente de projetos em Cadeias Agropecuárias do Imaflora.
Ele explica que processo semelhante foi conduzido na Amazônia com o programa Boi na Linha, uma articulação voltada a fortalecer o compromisso socioambiental na cadeia da carne bovina na Amazônia, iniciada em 2009.
No caso do Cerrado, o diálogo começou em 2020 com a intenção de ampliar os esforços para esse bioma, considerado essencial por concentrar 36% de todo o rebanho nacional, além de 63% da produção de grãos, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).
E a intenção é ampliar o programa para outros biomas do país onde há produção agrícola associada com demandas de preservação ambiental.
“O objetivo é dar essa camada de harmonização para que o Brasil possa fazer a avaliação das fazendas de uma forma mais equilibrada”, diz, mas permitindo que cada empresa tenha liberdade para ser mais ou menos rigorosa a partir dos critérios do protocolo e para ir além do exigido pela legislação.
O Código Florestal brasileiro, aprovado em 2012, estabelece que proprietários de terras no Cerrado podem usar 65% dela para agricultura e pecuária, desde que preserve os 35% restantes. Mas o objetivo é estimular os produtores a cumprirem metas além do exigido na legislação, de forma voluntária, com foco no desmatamento zero.
“O Protocolo vem da experiência que tivemos com o Boi na Linha. Ele nasce de um trabalho que já vinha sendo executado com os compromissos que firmamos para a Amazônia junto ao Ministério Público Federal e que trouxe uma padronização de critérios para que todas as empresas possam olhar para a cadeia sob o mesmo prisma”, disse Leonel Almeida, gerente de Sustentabilidade da Marfrig.
Ele lembra que, em 2020, a Marfrig lançou o programa de monitoramento com elementos que pudessem entregar uma cadeia rastreada e livre de desmatamento, no fornecimento direto e indireto, como forma de prestar contas de sua operação ao mercado. Por isso, aderir ao protocolo é uma consequência, já que até 40% da produção da empresa vem do Cerrado.
A JBS, outra empresa que diz já ter zerado o desmatamento ilegal em sua área, conta com 30% de seus fornecedores no Cerrado, que responde por 47,8% dos bovinos processados pela empresa.
“Esperamos que haja uma unificação e a aplicação de protocolos nos demais biomas também”, afirmou a diretora de Sustentabilidade da JBS, Liège Correia.
Próximos passos
De acordo com a Abiec, metade dos seus associados atuam no Cerrado. Portanto, os esforços daqui em diante serão para ampliar a adesão de mais frigoríficos ao protocolo, que unifica os critérios e fornece um caminho para as empresas que querem avançar na adoção de práticas mais sustentáveis. A expectativa é que os padrões de monitoramento sejam adotados em 2 anos.
O Protocolo do Cerrado também apresenta ao produtor parâmetros como conformidade com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), eventuais sobreposições com áreas de desmatamento e supressão de espécies nativas ou protegidas (como terras indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação).
Ele prevê ainda o cruzamento com listas públicas de trabalho escravo e de embargos ambientais, além de análises da Guia de Trânsito Animal (GTA) e da produtividade do criador, como forma de inibir a triangulação de animais provenientes de áreas com irregularidades ambientais ou sociais.
Mesmo sem oferecer certificação, selo ou marca de garantia, a iniciativa se converte em melhoria dos processos de controle da cadeia de fornecimento e no aprimoramento dos critérios adotados nas compras de produtos pecuários.
A publicação dos resultados é outro fator importante, segundo Almeida, da Marfrig, pois eles servirão de parâmetro para ampliação do projeto em outros biomas, assim como o programa Boi na Linha foi utilizado como base para abordagem no Cerrado.
O projeto Boi na Linha foi desenvolvido pelo Imaflora em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) e desenhou um passo a passo para empresas do setor verificarem a origem do gado abatido e reduzirem o risco de compras ilegais, incluindo áreas de desmatamento e com utilização de mão de obra escrava.
O programa tinha entre seus objetivos fazer com que o regramento fosse aplicado por todas as empresas signatárias do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) da Carne assinado pelo MPF com frigoríficos que atuam em estados da Amazônia Legal, prevendo verificações técnicas em fazendas de gado localizadas na Amazônia antes da compra ser efetivada pelos frigoríficos.
Com o Protocolo do Cerrado, o setor pode se preparar para as crescentes demandas do mercado para a carne brasileira, equilibrando os anseios de proteção dos recursos naturais e dos direitos humanos em relação às realidades da produção no campo.