O time da eB Capital, famoso por sócios como o ex-CEO da Petrobras e de empresas do agro, Pedro Parente, e o experiente fundador Eduardo Sirotsky Melzer, está agora ainda mais “rural”, com a chegada do economista Paulo Fleury, gestor reconhecido no mercado de Fiagros.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, Fleury revelou que a proximidade com o agro começou quando criança, já que faz parte de uma família que tinha fazenda de pecuária, no estado de Goiás.
Porém, construiu a carreira longe dali, com foco absoluto em mercado financeiro, na zona urbana, trabalhando na área de crédito. Foi um dos fundadores da Solis, passou também pela Valora e entre 2021 e 2022 ganhou destaque ao liderar um dos primeiros Fiagros, (Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustriais) do País, na butique financeira FG/A.
“O ano de 2021 foi o marco de uma mudança, com a criação do Fiagro, porque o agro que sempre foi tão relevante na economia real, passou a ganhar relevância também no mercado financeiro e na Faria Lima”, lembra o novo sócio da eB Capital, que desde o início de março chegou para comandar a nova vertical, chamada eB Crédito Agro.
Paulo Fleury conta que uma das apostas durante o período em que geriu o Fiagro da antiga casa (FGAA11), um dos segredos foi uma forte presença no setor sucroenergético, algo que ele pretende repetir e aperfeiçoar agora que assume um novo projeto.
A primeira tacada da eB Crédito Agro será o lançamento de um Fiagro, ainda no primeiro semestre deste ano, da modalidade Fiagro-FII, que se assemelha aos fundos imobiliários. O fundo já está sendo estruturado e a equipe sendo montada, para que depois chegue às etapas de oferta pública e road show.
“Nessa primeira captação são R$ 400 milhões, mas considerando o potencial do produto e da área como um todo, no prazo de dois anos, nós calculamos que é viável atingir R$ 2 bilhões”, afirmou o gestor.
Segundo reportagem publicada pelo NeoFeed, o fundo já nasce com uma ancoragem de R$120 milhões.
A fórmula do sucesso pode ser a combinação da expertise de Paulo Fleury com o reconhecimento que a eB Capital já tem no mercado. Do lado do gestor, conta o fato de ter iniciado o Fiagro da FG/A do “zero”, em 2022, e ter levado o fundo a um patrimônio de R$ 430 milhões em meados do ano passado.
“Eu acho que juntamos várias potências, o agro, o setor financeiro vindo muito forte, a indústria de Fiagros batendo R$ 20 bilhões em pouco mais de 2 anos, junto com uma gestora já estabelecida, com sócios robustos, que já entregaram , que tem histórico e ajudam muito na construção do produto”, ressaltou.
Os sócios da eB Capital incluem, além de Parente e Melzer, atual CEO, Luciana Antonini Ribeiro e Marcelo Claure, o nome mais recente do grupo.
“Eu vi uma grande possibilidade de crescimento, porque é uma estrutura societária e um time com enorme potencial para construir algo de sucesso”, disse Fleury.
Embora seu papel esteja restrito ao pilar de crédito, é possível que a experiência de Paulo Fleury acabe ajudando em outras investidas da eB Capital no agronegócio.
Em novembro do ano passado, Pedro Parente revelou ao AgFeed que a gestora está em busca de empresas do agro para um novo fundo de clima, que poderá captar R$ 2 bilhões.
“Agora são duas fontes de ajuda as empresas, tanto o crédito quanto o equity. As duas soluções podem vir juntas ou separadas”, explicou Fleury.
Ele disse que já tem ajudado na troca de ideias, avaliando pontos fracos e fortes, das possíveis investidas da eB Capital no agronegócio. Os investimentos em clima e as possibilidades do agro relacionadas a este universo estão sob a liderança de Luciana Antonini Ribeiro.
Longe do produtor de grãos (por enquanto)
O lançamento do Fiagro da eB Capital ocorre no momento em que muitos do mercado enxergam uma crise no setor, não apenas pelas dificuldades dos produtores de soja e milho no interior, mas também pelo reflexo que o problema financeiro já traz para algumas gestoras que apostaram no agronegócio.
O número de pedidos de recuperação judicial vem acelerando à medida que a combinação de preços mais baixos das commodities com quebra na produção por problemas climáticos deixou agricultores com baixa ou nenhuma rentabilidade, dificultando o pagamento de dívidas.
Há casos de Fiagros que tiveram “RJs” na carteira e encontram barreiras para executar as dívidas, devido à judicialização do processo.
“Não estou tranquilo com o produtor de grãos. É onde estou evitando colocar a carteira”, afirmou Paulo Fleury, ao AgFeed, de forma clara.
Ele pondera que o “o agro é cíclico, portanto, o que está bom hoje pode não estar amanhã”, mas ainda assim garante que não pretende ter produtores de grãos nem revendas nesta primeira etapa do fundo que será lançado. “Há uma relação umbilical com o produtor que acaba dragando as revendas”.
A maior parte das fichas de Fleury será direcionada ao segmento sucroenergético. “É um setor que está bom no agro, o preço mundial do açúcar tem sustentado muito forte a produção e o Brasil se consolida como o player mais relevante”, explicou.
A expectativa é de que 40% dos recursos no “eB Fiagro I”, como será chamado, sejam distribuídos para as usinas e demais empresas do setor. A tese considera ainda 25% para defensivos e insumos em geral, além de 25% para maquinários e 10% para revendas que atuem com marcas próprias.
Fleury promete uma análise criteriosa do setor de revendas, que é um dos mais impactados pelos problemas financeiros dos produtores de soja e milho nesta última safra.
“O que busco é aquela revenda que tenha marca própria, que consiga agregar margem. Não quero só o repassador de produto, porque esse não tem vantagem comparativa”, diz.
Em regiões com propriedades rurais menores, Fleury acredita que o papel das revendas é mais sólido, atingem uma capilaridade que não é viável para as grandes indústrias. “Por isso na região Sul como um todo se encontra boas oportunidades”.
A fatia que ele chama de insumos deve ser direcionada a indústrias de defensivos e fertilizantes de médio porte, principalmente, considerando também o setor de biológicos, “que tem feito muito barulho no Brasil, pode vir coisas boas e precisar de dinheiro”.
O sócio da eB Crédito Agro diz que considera o setor de insumos muito resiliente, por vender algo que “por mais que o agricultor se aperte e se atrapalhe, não vai deixar de comprar”.
As empresas de máquinas e equipamentos, que vêm registrando queda nas vendas depois de duas safras muito boas, também estão no radar do gestor. “Estaremos mais dentro da agroindústria do que do produtor em si”.
Ele admite, no entanto, que, se o cenário mudar para o setor de grãos, com melhora de preços, produção menor em outros países, nada impede que esta posição seja revista.
Além disso, lembra que o setor sucroenergético, por estar em ótimo momento, com caixa, oferece mais dificuldades para originar crédito. “De qualquer forma, prefiro diminuir o risco, para dormir tranquilo”.
A confiança no açúcar, segundo ele, vale para o médio prazo. Apesar de o etanol estar competitivo, considera sempre algo mais arriscado em função da relação com a política, envolvendo gasolina e petróleo.
De outro lado, lembra que após a “quebradeira” de sete anos atras nas usinas, hoje o setor trabalha muito diversificado, com diversas linhas de receita, sendo um dos destaques a cogeração de energia.
“Além do Fiagro”
O primeiro produto da eB Crédito Agro será o Fiagro, mas o gestor garante que está pronto para fazer diversas outras operações de financiamento ao setor.
“Podemos montar outros veículos para fazer CPR, originar CRAs que não necessariamente vão dentro do Fiagro, levando ao mercado”, explicou.
Ainda este ano deve sair a nova regulamentação dos Fiagros que também vai permitir uma maior diversificação do que pode ser investido nestes fundos. A consulta pública feita pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) encerrou no fim de janeiro e por isso as novas regras são esperadas para daqui alguns meses.
Uma das mudanças que deve ocorrer é a criação de uma espécie de Fiagro “multimercado”, não tão restrito como é hoje, que tem três tipos separados de ativos (imobiliário, creditório e participações).
Se houver a migração para o modelo de Fiagro mais amplo, Fleury acredita que haverá “muita oportunidade na CPR, no empréstimo mais curto, o prazo safra, com penhor de produto”.
Ele explica que é um perfil de cliente que muitas vezes está acessando recursos por meio de FDICs, por exemplo, e pagando taxas mais altas.
Para a eB Crédito Agro seria uma oportunidade de dar muita liquidez a ele, conseguindo baixar a taxa e ser mais atrativo, disse o executivo. “Neste caso não fico disputando com grandes bancos para originar Triple A, que é mais difícil”.
Neste cenário, a gestora poderá atender demandas “de 3, 4 ou 10 milhões de reais que hoje não cabem no CRA”. Os certificados são ainda considerados muito caros para determinados perfis e, devido aos custos altos, acabam se viabilizando para operações acima de R$ 30 milhões.
Fleury também não descarta que, futuramente, abra alguma oportunidade para o mercado de terras, mas enfatizou que, pessoalmente, acha a tese de terras boa, mas considera que “há muito risco Brasil envolvido”.
Ele explica que as terras não perdem preço, mas perdem liquidez. “Rendem em média 4% ao ano, o que é baixo, mas o ganho se viabiliza na venda destes ativos e pode ser preciso esperar o momento certo da liquidez para esta venda”.
Quanto aos riscos, destaca os problemas de regularização fundiária que ainda são comuns “do Centro-Sul para cima”, como duplicidade de matrículas, vendedores endividados, que acabam levando a questionamentos na justiça.
Crise dos Fiagros
Para Paulo Fleury, “não dá para falar que não é crise” a situação mais desafiadora dos grãos e seus reflexos no mercado.
O executivo lembra, porém, que uma frase conhecida no mercado financeiro é que “na crise cash is king”, ressaltando que nestes momentos a oferta de crédito se faz necessária nas empresas e surgem boas oportunidades para as gestoras.
“Mas o agro não é trivial, tem que saber fazer”, disse ele, referindo-se aos casos de insucesso que alguns agentes financeiros tiveram que lidar ao estrear no agro.
Um dos pontos importantes, neste aspecto, seria a diversificação. “O Brasil é continental, não é porque a soja do Mato Grosso está ruim que a safra do Rio Grande do Sul vai estar ruim também”.
Ele destaca que é um momento em que muitos estão mais apertados, precisando trocar dívida de curto prazo para longo prazo, por exemplo. “Por isso para se lançar no Fiagro, para se captar dinheiro para financiar o agro, é o melhor momento”.