Depois do plant-based e das proteínas cultivadas, uma terceira categoria de “alimentos alternativos” começa a movimentar o mercado e atrair gigantes do setor de alimentação global.
A partir deste mês, a Unilever leva às gôndolas dos supermercados norte-americanos uma sobremesa láctea congelada de chocolate sem lactose. O “sorvete” alternativo virá sob a marca Breyers, já consagrada no mercado americano e europeu, e foi produzido a partir de uma parceria da gigante global de alimentos com a Perfect Day, startup especializada na criação desses produtos e que já levantou US$ 900 milhões em aportes desde sua fundação em 2014.
O leite de vacas passa longe do processo de fabricação. A proteína de soro utilizada é produzida em tanques de fermentação por micróbios.
O movimento é inédito no segmento, mas não na indústria de alimentos. Recentemente, a Nestlé, sob a marca Orgain, lançou o Better Whey, suplemento proteico sem leite bovino, mas sim resultante de um processo de fermentação. O produto é uma edição limitada, está disponível no sabor “Cremoso Chocolate Fudge”.
A performance das vendas deve ser observada de perto pelo mercado, já que várias empresas de bens de consumo embalados (CPG, na sigla em inglês), querem entender como os consumidores respondem a esses produtos vindos de marcas gigantes.
Até agora, grandes players testavam o mercado com marcas menores na gôndola. A General Mills, com a Bold Cultr, a Mars, com a CO2COA, e a própria Nestlé, com a Cowabunga.
As estratégias comerciais de Nestlé e Unilever são diferentes, inclusive na forma de nomear o produto – questão que costuma levantar polêmica no universo dos alimentos alternativos.
Enquanto o produto Nestlé/Orgain apresenta o termo “isolado de soro de leite fermentado” na frente da embalagem e “isolado de proteína de soro de leite proveniente de fermentação” no verso, o concorrente da Unilever/Breyers usa o termo “laticínios sem animais” na frente da embalagem.
Este termo, inclusive, é alvo de distanciamento entre a empresa e a Perfect Day, depois de perceber, por algumas pesquisas, que os consumidores acreditavam que o produto era feito à base de plantas e não via fermentação por micróbios.
Empresas como a Perfect Day usam biologia sintética, que pega sequências de DNA como pedaços de código de computador para programar ou instruir plantas ou organismos, como fungos e leveduras, a “se passarem” por proteínas animais.
Na opinião dos defensores de laticínios feitos sem animais, esse tipo de produto oferece o melhor dos dois mundos. Primeiro, são mais sustentáveis e éticos, uma vez que não envolvem a pecuária industrializada. Além disso, conseguem fornecer a nutrição e a funcionalidade dos laticínios “reais”, algo que as proteínas vegetais não conseguem.
Os investidores gostam desse discurso, mas estão mais atentos depois de amargarem prejuízos com empresas de plant based, que não cativaram os consumidores na escala que imaginaram e, por isso, não entregaram os resultados prometidos.
A própria Perfect Day precisa dar uma resposta aos investidores, que incluem Temasek e Horizons Ventures. Recentemente, a companhia vendeu suas marcas B2C (ligadas direto ao consumidor), como Brave Robot, Coolhaus, Modern Kitchen, California Performance Co, e ainda demitiu 15% da sua força de trabalho numa tentativa de se concentrar no seu negócio B2B.
Atualmente, a empresa está finalizando uma rodada pré-Série E de cerca de US$ 90 milhões, segundo o AgFunder News.
Ao redor do mundo, outras startups do segmento já levantaram montantes elevados em financiamento. A também americana New Culture, por exemplo, levantou, em 2021, US$ 25 milhões em uma rodada série A que envolveu a ADM Ventures e a Evolv Ventures, o fundo de corporate venture da Kraft Heinz.
Em 2022, a israelense Imagindairy captou US$ 30 milhões, em rodada que envolveu a Danone. No final do ano passado, a francesa Bon Vivant levantou 15 milhões de euros da Sofinnova Partners, Sparkfood and Captech para melhorar sua ferramenta de fermentação.
No Brasil, ainda distante dos patamares da Perfect Day, uma startup paulista, a Future Cow já recebeu R$ 2 milhões em investimentos para dar um passo além da pesquisa e desenvolvimento.
A empresa produz seu leite fermentado num tanque de 15 litros. Ao mesmo tempo em que já vislumbra escalar a produção, está em processo de aprovação junto à Anvisa para vender o produto por aqui.
A julgar por alguns anúncios, esse tipo de negócio deve continuar a ganhar cada vez mais atenção. Segundo um estudo da ReportLinker, empresa francesa especializada em levantamentos setoriais, o mercado global de fermentação de precisão deve atingir US$ 11,8 bilhões até o ano de 2028. O crescimento anual deve ser de cerca de 40% ao ano, considerando de 2022 até lá.
Somado a isso, no começo de 2024, a União Europeia declarou que vai investir 50 milhões de euros ao longo do ano para ajudar startups a expandirem a produção de proteínas alternativas utilizando tecnologias como a fermentação de precisão.