“Desafiador”. O adjetivo mais utilizado por produtores e executivos de empresas do agronegócio para definir o período de resultados difíceis no campo e nos balanços vale também para os investidores que negociam ações do setor na bolsa de valores brasileira.
Uma hipotética carteira apenas com ações da B3 ligadas ao agro teria, neste começo de 2024, acumulado prejuízos que superam até mesmo a baixa registrada pelo Ibovespa nesse mesmo período.
Enquanto o principal índice do mercado nacional recua 2% desde o primeiro pregão do ano, quase todos papéis ligados ao agro apresentam uma baixa mais intensa, com recuos que batem até os 50%, como no caso da Agrogalaxy.
De acordo com um levantamento feito por Einar Rivero, da consultoria Elos Ayta, a pedido do AgFeed, foram consideradas 22 ações de ações de empresas que atuam com grãos, mercado de terras, insumos, máquinas, proteína animal, silvicultura e açúcar e etanol. O estudo levou em conta a performance dos papéis desde o primeiro dia de negócios na bolsa até o fechamento do dia 19 de fevereiro (veja quadro).
Dentre essas, apenas quatro têm um resultado positivo na B3 em 2024: BRF, com alta de 2,46%; SLC, que sobe 1,91%; Rumo, avançando 1,26%; e Camil, que apresenta uma performance positiva de 0,95%. O restante, recua desde o primeiro pregão do ano.
Das 22 empresas analisadas, quatro delas – Klabin, Suzano, Irani e Rumo – também obtêm receitas com operações fora do agro, como a venda de embalagens e de operações de logística para outros setores, por exemplo.
Caso sejam desconsideradas, a carteira teria 18 empresas “100% agro”. Destas, 12 estão com queda acumulada de mais de 5%, sendo sete com baixa de mais de 10%, duas que recuam mais de 20% e a Agrogalaxy, que apresenta baixa de mais de 50%.
Para Leonardo Alencar, head de agro, alimentos e bebidas na XP, onde analisa as ações da maioria das empresas dessa lista, avalia que esse movimento de baixa ocorre por muitos motivos.
Primeiro, ele ressalta que grande parte desses papéis teve uma performance positiva no segundo semestre do ano passado, o que dá um ar de “correção” de preço neste começo de ano.
Outro fator, que não abrange apenas empresas do agro, é a incerteza quanto aos efeitos da reforma tributária nos resultados dessas empresas.
“Vale ressaltar que olhamos um período curto de tempo de janeiro até aqui, mas existem algumas dinâmicas de empresas que, por exemplo, estão expostas à exportação, que dependem muito da China, e têm se frustrado com a leitura de demanda chinesa mais fraca que o esperado”, pontua Alencar.
João Abdouni, analista da Levante, vê que 2024 tem sido, de fato, um ano de ajuste para empresas do agro. “Tivemos um 2022 com preços bons e safra crescente no Brasil, em que esses papéis performaram muito bem. Em 2023, e agora 2024, com margens menores, observamos correção para muitas empresas do segmento agro”, afirma.
“Quem tem um horizonte mais longo pode encontrar boas empresas, que devem resultar em bons investimentos”, acrescenta o analista da Levante.
Em relação às empresas de proteína animal, Alencar, da XP, acredita que, além da exportação mais fraca para a China, a dinâmica do ciclo do boi americano acaba prejudicando a performance de JBS e de Marfrig. Os papéis acumulam baixas de 10,8% e 10,5%, respectivamente, até o dia 19.
Na empresa da família Batista, ele vê desafios na operação americana da empresa, mesmo que compensados pela diversificação.
“Vemos a JBS, em 2024, com números melhores no segmento suíno nos EUA, na Seara aqui no Brasil e na Austrália. Outro ponto relevante é a dupla listagem, que é um processo que ainda não tem data. Quando acontecer, pode impulsionar a ação, mas ainda não temos uma data exata”, diz.
No caso da Minerva, que recua 12,45% – mais do que as outras concorrentes –, o mercado ainda espera o rito do Cade para aprovar, ou não, a aquisição de 16 frigoríficos da Marfrig, por cerca de R$ 7,5 bilhões, no ano passado.
“O movimento surpreendeu negativamente o mercado e resultou em uma ‘saída agressiva’ de investidores, que esperavam um pagamento de proventos da empresa”, comenta João Abdouni.
Alencar, da XP, ressalta que se o movimento de aprovação acontecer ainda no primeiro trimestre, o mercado pode achar positivo o movimento, o que poderia fazer as ações voltarem a subir.
Se acontecer no segundo trimestre, o efeito pode ser neutro, e se ficar para o segundo semestre, deve ter um resultado negativo.
“Ainda precisamos saber se a compra será aprovada com ou sem ressalvas. No Brasil, é possível que não haja problemas, mas tenho visto reportagens dizendo que, no Uruguai, o movimento contrário é um pouco mais forte”, afirma Alencar.
A BRF é a exceção do setor dentre o estudo, já que a ação acumula alta. Além de um pequeno movimento de recuperação do papel, que vem enfrentando anos de queda, a alta indica uma melhora da parte operacional da empresa.
O analista da XP acredita que o resultado do quarto trimestre, que será divulgado no dia 26 de fevereiro, deve vir com “números sólidos” e pode fazer alguns analistas de mercado melhorarem suas expectativas com a dona da Sadia e da Perdigão.
“Essa é a tese que mais gostamos no momento e um quarto trimestre acima do esperado, que tem se desenhado, pode movimentar mais o mercado”, afirma.
Na cana, etanol freia resultados
Dentre as empresas que atuam com açúcar e etanol, Jalles Machado e Raízen recuam pouco mais de 4% e a São Martinho vê seus papéis acumularem baixa de quase 12%.
Alencar, da XP, vê um momento diferente para essas empresas. Com a seca, que atrasou a safra e consequentemente a colheita, a produção foi mais longa e a entressafra mais curta.
Em uma safra sem esses pontos, as empresas ficam focadas em carregar estoque de etanol para vender na entressafra, “algo que geralmente funciona bem”, diz Alencar. O preço médio costuma subir, pois a produção parou, e assim se consegue carregar estoque e obter um preço médio acima do referencial dos outros períodos.
Neste ano, a produção maior trouxe mais etanol ao mercado e, somado a uma grande entrada de etanol de milho na praça, os preços acabaram caindo, mesmo com a demanda aquecida. Nem mesmo a alta do preço do açúcar conseguiu animar os investidores.
Alencar cita que a Jalles recua menos que a São Martinho pois tem uma exposição ao açúcar orgânico, que não é comoditizado e ajuda nos resultados.
“A Raízen sofre menos, tanto pelas entregas de fábricas de etanol de segunda geração quanto pelo segmento de distribuição de combustíveis, que teve um resultado muito forte no último trimestre. As ações do setor deveriam estar mais saudáveis, mas o etanol frustra as expectativas”.
E no agro “raiz”?
Dentre as empresas que atuam ligadas à produção de grãos, os efeitos climáticos do El Niño, que tem causado uma quebra de safra e replantios, acabam afetando os papéis. Leonardo Alencar conta que, na XP, a expectativa para os grãos é mais pessimista do que otimista.
Ele argumenta que, mesmo com a quebra de safra em algumas regiões, a temporada como um todo deve ser volumosa, sem contar os estoques de passagens e a demanda internacional chinesa mais fraca para a soja.
No milho, o analista prefere esperar os resultados da safrinha. “Essa segunda safra depende das chuvas de março a abril e do nível de tecnologia empregado, algo que só teremos clareza na colheita no meio do ano. Diante disso, ainda vemos um espaço de baixa para o grão”, diz.
Esse contexto acaba afetando empresas como SLC Agrícola e BrasilAgro, por exemplo. A SLC, contudo, é uma das poucas a subir nessa carteira agro, com avanço de quase 2%.
O movimento positivo vem como resposta a quedas mais intensas vistas no final de 2023. Quando divulgou, no começo de dezembro passado, fato relevante com a revisão de suas projeções operacionais, com diminuição da área de soja e milho e aumento para algodão 1ª safra, a ação ordinária da SLC começou uma trajetória de queda e chegou a cair 2,5% em um só dia. De lá pra cá, contudo, a ação esboça uma reação.
Alencar ainda ressalta que as ações da SLC e da BrasilAgro podem ter dias mais difíceis à frente por conta da precificação das terras. Ele cita que, recentemente, a Terra Santa divulgou uma leitura de preços de suas terras abaixo do esperado e acredita que o cenário pode se repetir nas concorrentes.
“Pode cair algo entre 2% e 5%, mas ainda é algo especulado, sem clareza. Isso pesa um pouco no papel também”, afirma.
Empresas de insumos
3Tentos, Vittia e BoaSafra, recuam, respectivamente, 20,51%, 24,77% e 5,79%. Na primeira, Alencar ressalta que o mercado se surpreendeu por um custo de vendas acima do esperado nos últimos trimestres, algo que afetou as margens. “Talvez isso tenha se dado pelo início da operação no Mato Grosso, que tem um custo logístico maior”.
Na Vittia, que atua com biológicos, a frustração e desempenho acompanham uma expectativa frustrada com o crescimento da empresa em 2023, que segundo Alencar, veio abaixo do esperado. 2024 ele até projeta um crescimento, mas mais comedido. “Isso frustra as expectativas, mesmo gostando da tese”.
A produtora de sementes Boa Safra, que cai menos que as demais, é a que mais agrada o analista da XP entre as três. Após um ano de resiliência em 2023, em que a empresa sustentou preços de sementes mesmo com o preço da soja grão em baixa, a expectativa da corretora para a ação da empresa é positiva para esse ano.
“A empresa cresce num ritmo acelerado e entraram no segmento de milho, onde as margens são melhores do que na soja. Além disso, entraram também em culturas como forrageiras, trigo e sorgo, o que tende a sustentar a margem”, comentou.
Por fim, a AgroGalaxy, que apresenta a maior baixa dessa “carteira agro”, sofre pelas incertezas com o futuro da empresa. “Foram três presidentes praticamente em menos de um ano”, comenta Alencar. Além da mudança na cadeira principal, a empresa também teve mudanças na diretoria financeira e no departamento de relação com os investidores.
Mesmo com as captações junto ao Aqua Capital para dar um alívio ao caixa, a dificuldade de prever o que será a empresa daqui para a frente fez a XP tirar a cobertura na ação, e colocá-la “sob revisão”. “Esses movimentos nos atrapalham a ter transparência e comunicação”, argumenta Leonardo Alencar, da XP.