Nos próximos dias, uma barcaça da Amaggi Logística e Operações deve deixar as instalações da empresa em Porto Velho (RO) para uma viagem histórica pela hidrovia do Rio Madeira. Durante cerca de 11 dias, ela deve percorrer a distância de ida e volta até o porto de Itacoatiara (AM), um trajeto repetido cerca de 160 vezes por ano para transportar 8 milhões de toneladas de grãos.
O que torna essa viagem única é o combustível que será utilizado no empurrador – nome dado à embarcação utilizada para, como o nome diz, empurrar o conjunto de chatas carregadas. Pela primeira vez, os motores serão movidos exclusivamente com biodiesel (B100) .
“Já solicitamos à ANP (Agência Nacional do Petróleo) e aguardamos a qualquer momento a anuência para começar os testes em mais essa frente do nosso projeto de descarbonização”, afirmou ao AgFeed Ricardo Tomczyk, diretor de Relações Institucionais da Amaggi.
Assim que seu primeiro frete B100, levando cerca de 50 mil toneladas de soja na ida e trazendo fertilizantes na volta, zarpar de Porto Velho, o grupo inicia uma nova fase de seu esforço para cumprir os compromissos de descarbonização, assumidos há alguns anos, de tornar suas operações net zero até 2050.
“Estamos buscando todos os caminhos que nos levam a isso, com agricultura regenerativa, plantio direto, não conversão de áreas e, agora, o uso de biocombustível”, diz Tomczyk.
A estratégia nesse sentido, com o biodiesel como protagonista, passou a andar a todo vapor em 2023. Nos últimos meses, uma a Amaggi anunciou uma série de iniciativas envolvendo a substituição do diesel de origem fóssil pelo biocombustível produzido pela própria empresa.
A entrada em operação da primeira fábrica para processamento de soja em biodiesel, em maio passado, foi a primeira delas. Com capacidade de produzir 360 mil toneladas de biodiesel por ano, a planta foi fruto de um investimento de R$ 75 milhões, anunciado em 2018 e realizado junto à esmagadora de soja da companhia em Lucas do Rio Verde (MT).
Com a aproximação do fim da construção da fábrica, no começo de 2022, segundo Tomczyk, os acionistas do grupo demandaram da divisão agro que elaborassem estudos para uso de biodiesel na frota de máquinas agrícolas que atuam nas fazendas operadas pela empresa.
“O primeiro passo foi buscar benchmarks junto a empresas de ônibus, caminhões e os próprios fabricantes de máquinas”, conta o executivo. Os primeiros testes aconteceram na fazenda Itamarati, a maior do grupo.
Em março do ano passado, dois tratores, uma pá carregadeira e uma motoniveladora passaram a ser abastecidos exclusivamente com B100, ou seja, sem nenhuma mistura com diesel convencional. “Foram mais de 20 mil horas de testes, o que nos permitiu acumular bastante conhecimento”, afirma Tomczyk. “E os resultados foram surpreendentes”.
Segundo ele, não foi necessária nenhuma adaptação dos motores, fabricados para funcionar a diesel, ou mesmo algum cuidado especial, além dos já tomados com o uso do combustível fóssil, nessa operação. “Apenas isolamos um dos tanques de abastecimento para receber apenas biodiesel”, diz.
Ao longo dos testes, afirma, os motores não apresentaram nenhum problema de desempenho ou falha mecânica, “nenhum entupimento de filtro ou de injeção”.
Para a mensuração dos resultados, com a comparação de consumo e emissões entre máquinas a B100 e diesel comum, a empresa decidiu operar com “clones”. Ou seja, para cada trator e pá carregadeira movida a B100 havia outra idêntica a diesel operando em paralelo, realizando exatamente as mesmas funções.
“No consumo, a diferença não foi algo que chamou a atenção”, afirma Tomczyk. Ele conta que, no caso dos tratores, a mensuração ficou um pouco prejudicada pela dificuldade em fazê-los executar exatamente as mesmas tarefas.
Nas pás carregadeiras, no entanto, a “clonagem” funcionou perfeitamente. Utilizadas para carregar caminhões com caroços de algodão produzido na fazenda, elas operaram juntas em um galpão, realizando literalmente o mesmo trabalho o tempo todo.
A variação de consumo, nesse caso, também foi muito pouco superior nas máquinas abastecidas com B100, o que foi considerado um sucesso. No caso das emissões, as reduções foram significativas, revelando a viabilidade do projeto.
Segundo Tomczyk, o custo dessa substituição teve peso menor nessa análise. “Biodiesel e diesel comum seguem lógicas diferentes de preço, um seguindo o preço da soja e outro, do petróleo no mercado internacional”, explica.
“Um vai estar sempre mais caro que o outro, mas o risco precisa estar dimensionado e analisado dentro de um contexto maior, que é o das emissões. Não é uma análise meramente econômica, o primeiro critério é o ambiental”, avalia.
Assim, em dezembro passado, a Amaggi resolveu dar um segundo passo, transformando outra de suas fazendas na primeira a utilizar exclusivamente o B100 em todas as suas operações.
A unidade escolhida foi a fazenda Sete Lagoas, no município de Diamantino, a cerca de 220 quilômetros de distância de Lucas do Rio Verde, facilitando a logística de entrega do combustível.
A decisão exigia incluir novas categorias de máquinas, como colheitadeiras. Com os resultados dos testes na mão, a Amaggi costurou uma parceria com a fabricante John Deere, que já havia cedido a motoniveladora usado na Itamarati.
“Nós desmontamos a parte de injeção da máquina para análise e vimos que estava em perfeito estado. Eles gostaram do que viram e decidiram correr o risco junto com a gente”, diz.
Assim, na nova fase da Sete Lagoas, todas as máquinas utilizadas a partir de março – quando a Amaggi já espera ter recebido o sinal verde definitivo da ANP – serão da montadora americana.
“Eles estarão muito próximos, acompanhamento a análise de consumo e emissões. Isso deve gerar um histórico de dados muito interessante para a evolução de motores e máquinas desenvolvidos pela John Deere”.
Para a execução do plano ser completa, a frota de caminhões da companhia também precisava ser abastecida com B100. Nesse caso, outra parceria foi acionada, dessa vez com a Scania.
A montadora sueca já havia colaborado com testes feitos na frota rodoviária da Amaggi, ajudando a empresa a cumprir uma das exigências da ANP: a emissão de uma carta de garantia, que permitiu a adaptação dos motores dos veículos para rodar com o biodiesel. No ano passado, a companhia agrícola solicitou à autarquia a autorização para uso do biocombustível em 300 caminhões.
Como havia custos nos ajustes em filtros e na calibragem de catalisadores, a quantidade de veículos envolvida nos testes foi bem inferior, mas considerada suficiente para verificar, aqui também, sua viabilidade – o consumo com biodiesel foi apenas 1% superior ao dos veículos convencionais, sem qualquer redução de desempenho.
Assim, ao invés de ampliar os esforços de adaptação, a Amaggi decidiu partir para a renovação e, no início de dezembro passado, fez uma encomenda de 300 novos equipamentos à Scania. Cem deles já vêm de fábrica devidamente preparados para o uso do B100 e devem ser entregues até maio deste ano. A frota da Amaggi atualmente conta com 700 caminhões e deve chegar a 1.100 no final de 2024.
Com 3,6 mil hectares (sendo quase 2,6 mil cultiuvados), a Sete Lagoas é uma das menores fazendas do grupo. Mas receberá atenção redobrada nos próximos meses, já que a avaliação dos resultados de sua operação deve determinar a velocidade de expansão da ideia de transformar outras propriedades também para a operação com 100% de biodiesel.
“A avaliação é constante e não consideramos isso mais como um teste, mas como uma operação definitiva. Temos muita confiança e é provável que a gente estenda o projeto para mais fazendas do grupo à medida em que for se consolidando”, afirmou Tomczyk.
Também é possível que, em futuras expansões, outras fabricantes de máquinas se tornem parceiras. Segundo o diretor, a conversa com elas tem sido constante desde o início dos testes.
“Agora que a John Deere se dispôs a entrar de cabeça no mundo do B100, as outras marcas devem ter vontade de avançar também”, avalia. “Num futuro próximo, devemos ter novidades com outras marcas também”.
De fato, tanto a John Deere quanto suas concorrentes têm feito investimentos para oferecer opções de motorização com combustíveis alternativos a seus clientes. A companhia americana, por exemplo, anunciou recentemente o desenvolvimento de tratores movidos a etanol. Outras, como a New Holland, apostam no biometano.
“Essas outras fontes ainda estão um pouco mais distantes para nós”, diz Tomczyk. “O biodiesel faz mais sentido por conta de estarmos presentes em toda a cadeia”.
Na navegação, a mesma lógica está presente. Os testes, nesse caso, têm uma complexidade um pouco maior. Nos 11 dias de viagem, as embarcações não são abastecidas. Assim, já viajam com os cerca de 150 mil litros de combustível necessários para cumprir o trajeto.
Por isso, a operação exigirá da Amaggi a montagem de uma estrutura específica para armazenamento do biodiesel nas suas instalações em Porto Velho.
Tomczyk mostra confiança e, mesmo antes de o teste começar, já fala no futuro. Hoje, a frota da Amaggi tem 212 embarcações – 200 barcaças, nove empurradores e três barcos de apoio.
“Acreditamos que vai dar tudo certo e então pediremos autorização para estender o projeto e usar com mais barcaças”.