As previsões para o clima e seus impactos na agricultura ainda serão influenciadas pelo El Niño nos próximos meses. Isso significa que as chuvas no Sul, a seca do Norte e Nordeste e as altas temperaturas do Centro-Oeste devem permanecer intensas durante todo o verão, com chances de se estender até abril de 2024.
Se não perder força, há até o risco de um “Super El Niño”, como ficou conhecida a temporada em que ele registrou seu ápice, entre 2015 e 2016.
As perspectivas no curto prazo, portanto, são preocupantes, com reflexos na atual safra 2023/2024. Mas já há indícios que o setor deve ficar em alerta também para o médio prazo, com a safra 2024/2025.
Nas últimas semanas, um gráfico produzido com base em previsão do Internacional Research Institute for Climate and Society (IRI), da Universidade de Columbia, nos EUA, passou a circular em grupos de pessoas ligados ao agronegócio. E, nele, chamou a atenção de muitos a possibilidade de que outro fenômeno, o La Niña, comece a afetar o clima do planeta já no final de 2024.
Na projeção do IRI, datada de 20 de novembro passado, a intensidade do El Niño deve começar a diminuir a partir de maio. Normalmente, isso aber espaço para um período de neutralidade climática, até que um novo fenômeno se instale.
Ocorre que o gráfico do IRI aponta que as chances de formação do La Niña começam a se desenhar já a partir de junho, com a probabilidade chegando a 31% a partir do terceiro trimestre de 2024.
Essa previsão não é, no entanto, consensual. A concordância sobre a persistência do El Niño deve persistir pelo menos até abril. De acordo com último boletim da Organização Meteorológica Mundial, entidade ligada à ONU (Organização das Nações Unidas), a probabilidade, nesse caso, é de 90%.
Ou seja, as lavouras da Índia seguirão sendo impactadas pelos menores índices de chuvas, na Austrália o clima fica ainda mais quente, enquanto no Sul do Brasil permanecerão as chuvas.
“Os modelos mostram que entre dezembro e janeiro devemos atingir o auge do El Niño, com máximas de temperatura”, afirma Willians Bini, meteorologista da Climatempo. “A partir de janeiro, há chances de o fenômeno começar a enfraquecer no Brasil, mas ainda não temos como prever se 2024 terá ou não uma La Niña a partir do segundo semestre”.
Com exceção da safra 2022/23, as três safras anteriores haviam sido impactadas pela La Niña, que provoca seca na Argentina e em parte da região Sul do Brasil. O Rio Grande do Sul, que vem sendo o estado mais afetado por enchentes causadas pelo El Niño em 2023, chegou a perder 50% da safra de grãos em 2021/22 por causa do La Niña.
Na teoria, o El Niño é um fenômeno que beneficia a lavoura do Sul por trazer chuva – enquanto provoca seca no Norte e Centro-Oeste. Mas a alta intensidade do fenômeno neste ano resultou em excesso de chuvas e enchentes, prejudicando o nível de produtividade da região Sul.
No Paraná, de acordo com dados divulgados na sexta-feira (1) pelo Departamento de Economia Rural da Secretaria de Abastecimento do Estado, as perdas financeiras provocadas pelas chuvas chegam a R$ 2,5 bilhões. A produção de trigo, por exemplo, recuou de 980 mil toneladas para 420 mil toneladas.
E a previsão do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) é que as chuvas continuem acima da média na região Sul durante o mês de dezembro. Para as demais regiões do país, os volumes de chuvas continuam abaixo da média histórica.
“No Norte e Centro-Oeste veremos uma volta gradual das chuvas, mas com pouco volume”, diz Bini, do Climatempo. Nesse cenário, as temperaturas ainda ficam na casa dos 40ºC, o que impacta diretamente a qualidade do solo e a germinação de sementes.
E é justamente a alta temperatura do solo que está obrigando agricultores do Mato Grosso a fazer o replantio de cerca de 4% da área destinada à soja na safra 2023/24. Os dados são do Instituto de Economia Agropecuária (Imea). Além de áreas imensas que não contam com processo de irrigação, o solo da região pode atingir temperatura de 50ºC, inviabilizando o desenvolvimento das sementes.
El Niño X La Niña
O El Niño é um fenômeno climático que envolve o aquecimento incomum do Oceano Pacífico. Esse aquecimento faz com que a água evapore mais rápido e desregule a intensidade e a velocidade das correntes marítimas causando um desarranjo que causa alterações nos padrões de chuva e seca no planeta.
Com a influência do El Niño, aumentam as chuvas no Pacífico e o ar, que fica mais quente, se desloca para a América do Sul, inibindo a formação de nuvens nas regiões Norte e Nordeste, e aumentando a concentração de massas de ar frio – que tem movimentação limitada pela intensidade dos ventos – na região Sul, causando maior concentração de chuvas.
Já o La Niña tem efeito inverso, pois causa chuva acima da média no Norte e Nordeste, o que ajuda a safra de grãos, especialmente no Matopiba, a região de Cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – e produz seca no Sul.
Os meteorologistas estão comparando o atual El Niño ao de 2015/2016, quando a temperatura do Oceano Pacífico chegou a subir 2,6ºC. De acordo com o última Climete Predictions Center, elaborado pela NOAA, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) do governo dos Estados Unidos, a temperatura do Pacífico estava em 2,1ºC no dia 27 de novembro.