Diretora executiva de Soluções Comerciais da Visa no Brasil, Marcela Pinori tem entre suas funções, como o próprio cargo indica, identificar oportunidades para investimentos e abertura de mercados para a companhia.

Não é uma missão simples em uma empresa cujo objetivo é estar presente em qualquer ponto onde há uma transação financeira que possa ser realizada pelos seus sistemas. “Nos últimos anos, temos passado por uma agenda transformacional muito grande e olhado para tudo que envolva fluxos de pagamento”, diz, em entrevista ao AgFeed.

As melhores oportunidades, obviamente, estão em segmentos que, segundo suas próprias palavras, a Visa ainda não “captura” transações em nível condizente com seu potencial de mercado.

“O agronegócio é um deles”, afirma. “Já tínhamos identificado isso e, de um tempo pra cá, nos estruturamos melhor como empresa para poder ter de fato ter uma oferta e olhar o agro como um ecossistema de negócios”.

A Visa tem buscado se posicionar cada vez mais como empresa de tecnologia e é assim que pretende se apresentar no segmento. O cartão de pagamento, primeira imagem associada à marca, é o ponto de partida, mas, segundo Marcela, “a empresa entende que a cadeia de agro demanda muito mais coisas, outras soluções”.

Foram alguns anos trabalhando em silêncio, quebrado há poucas semanas com o anúncio de que a Visa estava liderando uma rodada de investimento na Agrotoken, startup de origem argentina voltada para a tokenização de ativos do agronegócio, que em crescido de forma veloz no Brasil.

O valor do investimento, que dá à Visa uma participação acionária na empresa, não foi revelado – fontes de mercado estimam que a rodada como um todo ficou em cerca de US$ 2 milhões.

O movimento, porém, demonstra que a relação da companhia de meios de pagamento com o setor rural deve mudar de patamar. E ficar mais visível.

A primeira iniciativa mais estruturada da Visa no setor ocorreu em 2012, há mais de uma década. Na ocasião, em parceria com o Banco do Brasil, a empresa lançou o Visa Agro, cartão de crédito com características específicas para atender necessidades de produtores rurais.

Acompanhado de campanhas publicitárias e com a forte presença do BB no meio rural, o lançamento acabou tendo repercussão à época. Depois disso, porém, a marca saiu da vitrine, embora continuasse atuando em iniciativas geradas sob demanda de parceiros, algumas delas inéditas no mundo.

É o caso de uma solução desenvolvida sob demanda para o Banco do Nordeste. A instituição tem, entre suas atribuições, a distribuição de recursos de um fundo constitucional para o segmento agro. E procurou a Visa para automatizar o fluxo de liberação desses recursos através de uma ferramenta de pagamento.

“A partir dessa demanda, customizamos nossa plataforma Visa Payables Automation para que o banco conseguisse, além de fazer o disparo do pagamento, usar também para operações de débito, e não apenas de crédito”, diz a executiva.

Com a TentosCap, do grupo gaúcho 3Tentos (que atua, entre outros negócios, com a distribuição de insumos agrícolas), a Visa adaptou para o Brasil uma experiência que já vinha sendo aplicada com sucesso em outros países da América Latina, com a emissão de um “cartão safrado”.

A ideia é simples – adaptar o tradicional cartão de crédito ao fluxo de caixa do produtor rural, que acompanha o ritmo das safras – mas exigiu ajustes tecnológicos na plataforma de pagamentos da empresa.

“A gente entendeu que era uma dor do produtor e que precisávamos ter uma solução parecida aqui. Ele compra os insumos, planta, mas trabalha no ciclo produtivo. Tem o crédito hoje, mas só paga com a colheita”, explica Marcela.

Segundo a executiva, esse produto deve ser replicado em breve por bancos e empresas de outros segmentos ligados ao agro. “A ideia é ampliar com novos tipos de emissor, grandes, pequenos e médios, abordando todo o mercado”.

O desejo de ter uma presença maior no agro exigiu ainda superar outro desafio tecnológico, com a adaptação dos sistemas para aceitar transações acima do valor geralmente processado nas operações de crédito.

Foi preciso deixar as soluções mais robustas para captura valores mais altos por transação, com regras específicas de precificação, segurança, autenticação e identificação do cliente.

“Investimentos para linhas de custeio podem envolver milhões e nosso ecossistema não estava preparado. Agora já está”, diz ela. Segundo Marcela, hoje a Visa Agro permite processar transações de até US$ 15 milhões.

Moeda digital

O investimento recente na Agrotoken reúne duas das principais frentes avaliadas hoje na área de desenvolvimento de negócios da Visa. Além do próprio agro, a tokenização de ativos tornou-se uma tendência estratégica para o futuro da empresa.

Desde o ano passado, a companhia participa, por exemplo, de um consórcio com Bradesco e XP Investimentos na realização de um piloto na Brex, como é chamada a plataforma do banco Central para o desenvolvimento do real digital.

A Visa foi selecionada para participar dos testes com a Brex a partir de um desafio aberto pelo BC. “O case que a gente submeteu para o desafio, no ano passado, foi justamente olhando para o pequeno e médio agricultores, para eles poderem ter acesso a linhas de crédito internacionais”, conta Marcela.

A Agrotoken era um dos parceiros nesse projeto. Segundo a executiva, foi uma oportunidade para que a Visa pudesse ter “uma degustação do potencial”, da tecnologia da tokenização, “testar a nossa hipótese e a nossa vontade de entrar nessa área”.

A proximidade acabou resultando em negócios. Ainda no ano passado, a Agrotoken lançou um cartão de crédito Visa que permite transações com tokens emitidos pela startup a partir da digitalização de grãos.

Agora, mais recentemente, a relação evoluiu para o investimento e a participação acionária. “O relacionamento muda de status”, afirma. “Eles já eram próximos como clientes, mas agora acabam tendo acesso com outras áreas, para que possam se apropriar do que temos de ferramentas e tornar as soluções mais robustas”, diz.

“Ter a Visa como investidor nos dá uma chancela ainda maior”, afirma Anderson Nacaxe, diretor da Agrotoken no Brasil. “Passamos por uma due dilligence severa, com foco em segurança e tecnologia, e isso gera confiança em quem tinha preocupação em negociar em um segmento novo como o de tokenização”.

Segundo Nacaxe, embora recente, o investimento da Visa já tem refletido em abertura de portas em novos clientes, com o reforço também das equipes comerciais da companhia americana.

“A parceria é relevante também para a gente, já que compõe oferta que estamos levando ao mercado e a Agrotoken ganha acesso para escalar o negócio”, concorda Marcela.

Visa e as startups

Visa e Agrotoken são também vizinhas. As duas empresas estão em espaços próximos dentro do Cubo, hub de inovação mantido pelo Itaú em São Paulo. A startup tem ali seu endereço no Brasil. Já a companhia de meios de pagamento instalou no Cubo um laboratório inovação.

“Estando alocados ali, acabamos tendo acesso a uma rede de startups”, diz Marcela. E também a diferentes abordagens e oportunidades, como a que fez da Visa sócia da Agrotoken.

A empresa tem intensificado seus processos de inovação e, com isso, a proximidade com empresas jovens e ágeis é estratégico. Nos últimos cinco anos, por exemplo, o programa de aceleração da companhia já envolveu mais de 70 startups em processos que vão desde a incubação até a conexões com clientes da indústria de tecnologia de pagamentos.

“A ideia é buscar soluções e ofertar serviços para terceiros e para a própria Visa. E, assim, fazer todos prosperarem”. Marcela cita como exemplo a Celero, fintech que atua no universo de open finance, com soluções que ajudam a organizar o fluxo de caixa de empresas.

Através da parceria com a Visa, a startup foi selecionada para um projeto em parceria com o Sicredi e hoje está presente em centenas de cooperativas de crédito em todo o País.

A área de novos negócios da Visa conta atualmente com um time dedicado a acompanhar o mercado e avaliar como construir soluções que atendam também às startups. “Elas têm uma velocidade diferente do que estamos acostumados”, admite Marcela.

“Queremos estar prontos para capturar oportunidades. O agro hoje representa muito menos do que gostaríamos nos negócios da Visa, mas com potencial muito grande de onde queremos chegar”.