Vladimir Timerman é um dos nomes mais conhecidos e mais falados no mercado financeiro. Sua gestora, a Esh Capital, tem participação em várias empresas. Ele é classificado por alguns como um “investidor ativista”.
Seu nome foi dado por seu pai, o infectologista Artur Timerman, apontado como um dos maiores especialistas em Aids no Brasil, em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado durante a ditadura militar.
Timerman é um investidor peculiar. Circula descalço pelo escritório da Esh, localizado em Pinheiros, na capital paulista. Na sua sala, fotos com a família, um tabuleiro de xadrez e uma grande tela de computador.
Ele recebeu a reportagem para falar exclusivamente sobre a Terra Santa Propriedades Agrícolas. A Esh tem ações da companhia desde 2008, quando a empresa agrícola ainda se chamava Vanguarda Agro. Hoje, possui 4,5% do capital da companhia.
O investidor descreve a empresa como um ótimo negócio com uma péssima gestão. “O valor de mercado da Terra Santa equivale a 390 sacas de soja por hectare de terra, levando em conta suas propriedades. Em qualquer uma destas propriedades, se chegar para um produtor e oferecer as terras por 1.000 sacas por hectare, eles compram na hora”, diz Timerman para demonstrar como a Terra Santa tem potencial.
Durante quase duas horas, Timerman falou da sua relação com a Terra Santa Propriedades Agrícolas. O investidor classificou a última assembleia da empresa, realizada no dia 15 de agosto, como o “maior escândalo que já vi em reuniões de acionistas que participei”.
A AGE foi convocada a pedido da Esh Capital, que buscava a suspensão dos direitos da Bonsucex Holding, do empresário Silvio Tini, que detém 45% das ações da empresa..
No final de junho, o AgFeed revelou que a Esh questionava principalmente os valores de avaliação das terras da empresa em uma operação de venda, em 2021, para a SLC Agrícola, em negócio avaliado em cerca de R$ 550 milhões.
Perguntado se pretende desistir, ele não dá sinais de que vai vender a participação antes que a empresa chegue a seu valor de mercado justo.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
O que aconteceu nesta última assembleia da Terra Santa, da semana passada? E como seu nome apareceu como candidato ao conselho?
Eu procurei nomes para indicar. Não encontrei, ninguém topou. O pessoal conhece a história de outras pessoas indicadas por nós e que fizeram parte do conselho da empresa. São pessoas sérias, conhecidas no mercado. Eu queria uma mulher. Eu estava falando com a Fernanda (Fernanda Helena), que trabalha comigo. Ela foi preparada para isso. Um pouco antes, disse para colocarem meu nome. A Fernanda começou a conversar com acionistas para pedir voto e nós tínhamos votos suficientes para eleger. Eu disse que ela seria desligada logo depois.
O André Almeida, presidente da AGE, usou o argumento do conflito de interesse para impugnar você e a Fernanda. Como você viu essa decisão?
Primeiro, nem durante a pandemia houve assembleia totalmente digital. O André já tinha me chamado de criminoso em outra ocasião. Câmeras fechadas, microfones fechados. Eu pedi a palavra, para dizer que eu tenho direito de fiscalizar quem estava participando da assembleia. Pedi para abrir as câmeras. Aí começa a votação sobre prestação de esclarecimentos. O Silvio Tini (maior acionista da Terra Santa) vota contra. Ele votou para que ele mesmo não precisasse prestar esclarecimentos. Questionamos sobre o conflito de interesse dessa situação. A resposta foi que não cabia a ele avaliar. Direitos de voto, a mesma coisa.
E os outros conselheiros?
O Baldin (Ricardo Baldin, conselheiro da Terra Santa) é conselheiro em outras empresas indicado pelo Tini, que se absteve na votação sobre a independência do Baldin, e votou na independência dos outros dois colocados em pauta. Nós dissemos na assembleia que notificamos o Baldin, perguntando se ele recebeu algum benefício, e ele não respondeu. O Julio Piza (outro conselheiro da empresa) abriu uma empresa com o José Humberto (José Humberto Teodoro, CEO da Terra Santa entre 2018 e 2023) e a Laplace, logo depois da conclusão da operação com a SLC. Aí, chegou o meu nome.
E o que aconteceu?
Eu entrei como boi de piranha. O objetivo era colocar a Fernanda. Aí o André usou esse argumento porque a Esh abriu uma arbitragem. Mas a arbitragem que eu abri não foi contra a empresa, foi contra os acionistas administradores. E, na Justiça, eu fiz só um Pedido Antecipado de Provas. Aliás, quando pedimos os documentos, eles sugeriram entrar com a arbitragem. Eu não li o voto deles para não ficar com o estômago embrulhado.
A lei fala em relação conflituosa. Como enquadrar isso?
Por isso não pode ser uma decisão do presidente da AGE. E não existe relação conflituosa objetiva. Quem tem essa relação são os controladores. Eu estou no meu direito de fiscalizar. Aí apresentamos a Fernanda, e eles repetiram o argumento. Só tem questão de conflito ou independência se eu fosse controlador. Estenderam a ela o conflito que atribuíram a mim.
Você havia falado em um terceiro nome, mas ele não aparece na ata. O que aconteceu?
Depois dessa impugnação dupla, a Fernanda foi atrás de outro nome. Ela conseguiu o Manuel Jeremias (conselheiro fiscal da Neoenergia, e com passagens por conselhos de administração de várias empresas). Deixaram o microfone fechado. Pedimos palavra para indicá-lo. Mas não abriram o microfone, não deixaram indicar. Essa assembleia foi o maior escândalo que já vi em uma deliberação de acionistas. Nunca vi passarem por cima de qualquer questão como fizeram nessa. A única que tinha nosso voto era a Ana Malvestio, também indicada pelo Tini. O Marcel Cecchi (CFO da Latache Capital, outro conselheiro eleito) é ligado à Laplace, já foi sócio lá.
E como começou a história de indicação ao conselho?
No ano passado, nós resolvemos indicar duas mulheres para o conselho. Uma delas, a Magali Leite, hoje CFO da Espaçolaser, tinha ligação comigo, mas eu sempre acertei de antemão que não faria perguntas. Só perguntava como estava o clima no conselho. Ela ficou um ano e a informação que ela passava era de falta de respeito, de misoginia. A outra pessoa não topou ir pra lá. Na assembleia, tentaram mudar a votação para a Magali não ser eleita.
E a questão com a Lucila Prazeres?
Eu conversei com umas 10 pessoas. Sobraram duas. Eu precisava de alguém que se aprofundasse muito nas questões da empresa. A Lucila topou e entrou. Nessa assembleia, o presidente era o Alberto de Orleans e Bragança, um cara sério, respeitado. Aí o Silvio Tini pediu um recesso, saiu da sala junto com o representante da Gávea, e propôs aumentar o conselho de cinco para seis membros. Ela entra no conselho, eu vou tomar um café com ela. Para mim, não basta ser honesto, tem que parecer honesto. Eu só pergunto para ela como está o clima. Ela diz que está complicado.
Ela está chateada com você, não é?
A única coisa que ela disse é para que eu ficasse atento aos votos dela. Eu nem posso ficar pedindo informações. Se fizesse isso, não poderia mais operar o papel. Eu pedi a assembleia para suspender o direito de voto dos acionistas. Logo depois, tem a ata da reunião do conselho sobre o pedido da assembleia, que cita o voto da Lucila em separado. O RI da empresa diz que esse voto nunca existiu. Duas horas depois, sai a renúncia da Lucila. Depois disso, pedimos para incluir na assembleia a votação da ação de responsabilidade contra os administradores.
"Não existe relação conflituosa objetiva. Quem tem essa relação são os controladores. Eu estou no meu direito de fiscalizar"
Aí eu tinha a proposta da administração, com o Baldin alegando que ela não era independente, que ele era o conselheiro independente. Falaram em retificar a ata para retirar a menção ao voto dela. Aí eu concordei, desde que tivesse a assinatura da Lucila. Foi então que entrei com a medida de Produção Antecipada de Provas, pedindo o voto e a carta de renúncia dela. Só que eu a coloquei como parte passiva. O juiz poderia perguntar para ela sobre a existência do voto. Por isso, ela ficou chateada comigo. Mas 24 horas depois, o voto apareceu.
Desde quando você tem posição na Terra Santa? Por que você comprou ações da empresa?
Sou acionista da empresa, como pessoa física, desde 2008, quando ainda se chamava Vanguarda Agro. Montaram uma empresa que seria concorrente da SLC, que tinha terras e operava. Foram acontecendo fusões e era um bom negócio, como se tornou a SLC. Mas sempre foi mal gerida, com alguns esqueletos no armário. Em 2010, um grupo de empresários entrou na base acionária e em 2012 teve a entrada da Gávea Investimentos, da Laplace. A partir daí, começa a se configurar um grupo de controle.
No que você baseia essa informação sobre um grupo de controle na Terra Santa?
Nós tivemos acesso a documentos de emissão de dívida em que havia, entre os covenants (condições estabelecidas em contrato que, se quebradas, podem ser acionadas pelos credores para pedir antecipação do pagamento), a manutenção das participações acionárias de Gávea, Laplace Investimentos, EWZ e Silvio Tini. Nós questionamos a empresa sobre essa cláusula e não nos deram uma resposta.
Em outras empresas, é fácil notar como a EWZ e o Tini atuam juntos. Aconteceu isso na Americanas, quando se juntaram para indicar um conselheiro fiscal. Hoje, a EWZ não tem mais participação na Terra Santa. Nós já questionamos a empresa, porque há fortes indícios de que a gestora sempre atuou junto com o Tini e isso implicaria em informações erradas passadas aos acionistas durante todo o tempo que a EWZ esteve como acionista. Quando a EWZ diminui a participação, a do Tini aumenta.
Isso resultaria na configuração de um controlador da Terra Santa?
Esse é só um pedacinho do problema. Quando a Gávea entrou na sociedade, eles indicaram o Arlindo para ser CEO (Arlindo Moura foi presidente da Terra Santa Agro entre janeiro de 2013 e abril de 2018, sendo depois conselheiro da empresa até abril de 2022). Ele saiu da SLC para a Terra Santa (Moura foi presidente da SLC por oito anos). Para mim, a compra da Terra Santa pela SLC começou a acontecer aí, em 2012. E aí começa a atuação dos acionistas como bloco de controle, inclusive em contratos.
Vocês têm esses documentos?
Temos todos, por isso não tenho problema em falar. Está nestes contratos que a Laplace precisa ter 24% do capital, para que não seja declarado o default da dívida. A Gávea tinha que ter 14% e a EWZ também tinha que manter a sua fatia. Nós conseguimos esse documento num processo que o Otaviano Pivetta (um dos fundadores e que foi o maior acionista da Terra Santa Agro até 2017, quando vendeu sua fatia) abriu contra a Terra Santa. Ele era avalista de uma dívida de US$ 85 milhões da empresa, como pessoa física. A briga dele era para sair deste aval, já que não era mais acionista.
O que acontece a partir daí?
Entrou o José Humberto como CEO, vindo da BRF, com a prioridade de resolver o problema da dívida. Aí há o aumento de capital, que na minha opinião, foi menor do que deveria para resolver a dívida. Aí a companhia morria nas mãos das tradings, o que comia todo o resultado. Então, em 2019, momento em que comecei a aumentar bastante a posição do fundo em ações da Terra Santa, a companhia tem um valor presente negativo de bilhões de reais. A empresa começa a estourar os limites estabelecidos nos contratos, mas ao mesmo tempo, os preços das terras explodiram, junto com a soja. Por isso ficou tão estranha a operação com a SLC, já que a Terra Santa praticamente entregou todas as suas terras a preço de banana. E havia outras propostas, de empresas que queriam comprar a Terra Santa inteira. A Bom Jesus procurou, a Maggi procurou.
Vocês tiveram acesso a todos os documentos da operação?
Nós pedimos, mas sempre foi negado. Diziam que era confidencial, que seria informação privilegiada. Aí encontramos na proposta da administração da SLC para deliberação da compra pelos acionistas. Ali fica claro que a empresa tem controladores, já que eles assinam o Memorando de Entendimento se comprometendo a fazer o negócio, com poder de acordo de acionistas. No próprio documento diz que ele deveria ser arquivado na sede da Terra Santa. E nunca foi.
Um destes acionistas alega que não há acordo formal para configurar bloco de controle…
O documento fala que a associação deles tem validade de acordo de acionistas. E aí começam a surgir outros problemas. Fizeram o contrato deixando a SLC operar as terras por 20 anos, depois 25 anos. Os acionistas tinham conflito de interesses, já que eram avalistas das dívidas da Terra Santa. A Laplace mudou seu site, se colocando como assessora. Os credores da Terra Santa eram Bradesco e Itaú, os bancos que depois assessoraram a operação. Então, a operação chega em votação já cheia de vícios. A dívida poderia ter sido sanada vendendo 20% das terras.
Então, por que aconteceu a operação?
Porque a SLC já estava infiltrada na Terra Santa. Desde a entrada do Arlindo já se construiu essa operação. Depois que ela aconteceu, resolveram listar a Terra Santa Propriedades Agrícolas no Novo Mercado da B3, com um free float (proporção de ações nas mãos de minoritários) de 25% praticamente cravado. Aí descobrimos que a Gávea tem mais 8% em derivativos. Só colocaram no site depois que eu insisti muito e a B3 mandou colocar. Mas a listagem foi errada.
Vocês fizeram reclamações formais na CVM?
Já fizemos várias reclamações e denúncias. Há uma regra bem clara sobre votação das contas de uma companhia. Administradores não podem votar. É a única questão em que a CVM é mais objetiva quando se trata de conflito. O Renato Carvalho, da Laplace, votou nas últimas assembleias sobre as contas. Ele é o responsável perante a CVM, ele é colocado como contato da empresa. Isso é crime.
Você acha que isso acontece por que a Terra Santa é pouco visada, pouco negociada na Bolsa? Ou é mais pelo jeito que o mercado funciona em muitos momentos?
É funcionamento de mercado. No caso da operação com a SLC, houve um ajuste de preço de R$ 20 milhões. Nós fomos cavar nos documentos e descobrimos que esse valor era referente a um bônus pago aos administradores, depois de ter assumido o controle das operações da Terra Santa. Esse bônus foi aprovado por esses mesmos administradores que receberam o valor.
"Nossa tese de investimento é simples. Nós queremos empresas com bons negócios, mas com governança ruim. É o caso da Terra Santa"
Vamos pensar nas terras arrendadas. Tem o laudo de avaliação das terras. Falando de soja, elas valem de 1.000 a 1.200 sacas por hectare. Eles pagam 17 sacas por hectare pelo arrendamento. Aí alegaram no Cade que as terras não fazem parte da operação. A operação é a terra. Os laudos foram apresentados depois do fechamento da compra.
Com tudo isso, por que você continua com a participação na Terra Santa?
Porque o trabalho da Esh é exatamente esse. A tese de investimento é simples. Nós queremos empresas com bons negócios, mas com governança ruim. É o caso da Terra Santa. Ninguém entra porque no Brasil as pessoas acham que não vale a pena brigar. Mas se você pegar o valor de mercado atual da Terra Santa, equivale a 390 sacas de soja por hectare, uma conta que fizemos essa semana. Não precisa nem ir até as fazendas mais nobres. Se você chegar dizendo que vende a terra a mil sacas por hectare, tem comprador na hora. Então, é uma ação extremamente barata. É o negócio mais distorcido no mercado hoje.
Um dos acionistas disse que a Terra Santa é uma empresa muito simples, uma fazenda arrendada.
É isso mesmo. Mas você conhece alguém que compre imóvel na Vila Nova Conceição (bairro nobre de São Paulo) para fazer AirBnb? Pois então, as terras da Terra Santa são a Vila Nova Conceição do agro. Por que ninguém compra? Porque amarraram as terras num arrendamento de 25 anos com a SLC. O que ganharam com isso? Além dos bônus, eu não sei. Esses administradores acionistas deixaram de ser avalistas das dívidas da Terra Santa.
O racional por trás do fechamento da operação está aí então?
O Silvio Tini é um cara que deixa problemas por onde passa. É só ver os processos abertos na CVM. O Renato Carvalho, da Laplace, senta numa cadeira importante da empresa e tira o máximo que puder de valor para ele. Quem fez o IPO da SLC? A Laplace. Então, em 2019, quando eu comecei a pedir acesso ao laudo de avaliação e ao parecer dos advogados, teve uma oportunidade em que o diretor de Relações com Investidores saiu da reunião. Foi uma das duas empresas, das várias em que eu tive interação com o RI, em que isso aconteceu. Eu fiz um Pedido Antecipado de Prova, o advogado fez ataques pessoais. Aí eu vi que tinha algo errado.